A verdade pura dói no profundo âmago da humanidade. Era é
cruel, impiedosa, sem dogmas e pragmatismos que enfeitam ou criticam uma história
ou uma versão de uma outra história, ou ainda do ponto de vista
de quem viveu um momento histórico relevante. O próprio amor deixa
de ser uma realidade, quando no obscuro das palavras sinceras, parcas e vazias
de uma pessoa. Por mais de cinqüenta anos, Shlomo Venezia ficou
em silêncio no que padeceu durante a Segunda Guerra Mundial. Só
recentemente em um livro, Sonderkommando - no inferno das câmaras de
gás (Sonderkommando - Dans l'enfer dês chambres à
gaz, tradução Jorge Bastos, Objetiva), que resolveu
narrar o que tanto escondia, desprendendo em um testemunho a verdade, para que
todos conheçam o horripilante cenário que ocorreu em Bikenau-Auschwitz
II e faça de tudo para que não ocorra jamais.
Os sonderkommandos ou comandos especiais eram unidades de trabalho formadas
por prisioneiros selecionados para trabalhar nas câmaras de gás
e nos crematórios dos campos de concentração. Isolados
dos demais prisioneiros do campo, sem nenhum contato, eles eram obrigados a
esconder o que faziam: levar os corpos das câmaras de gás aos crematórios.
Também estavam condenados a morte, testemunhas que a SS eliminava a intervalos
regulares, e cujo primeiro trabalho era se livrar do grupo anterior de sonderkommandos.
Venezia, deportado aos 21 anos a Auschwitz, foi um desses sonderkommandos que
sobreviveu e aqui narra o horror que o destino tocou em sua vida.
Muitos filmes, livro e artigos já foram publicados sobre o tema Holocausto,
mas Shlomo narra algo aterrador. O livro é o testemunho de um sobrevivente
do Holocausto, como muitos outros, porém este é bem diferente,
esmiúça de maneira sincera e com clareza toda a máquina
de extermínio que os nazistas desenvolveram. Poucas descrições
da barbárie são tão impressionantes como esta, uma reconstrução
minuciosa das recordações que o autor sentiu, fez e sofreu até
ser libertado pelos americanos em 1945. Algo que para muitos de nós,
é inconcebível, quem não viveu uma guerra, não imagina
o que realmente podemos ser capazes. E nesse testemunho mostra o que fez ao
ajudar a máquina sanguinária de Hitler: preparava para o "banho"
na câmara de gás, limpar a câmara queimar os corpos e depois
desfazer das cinzas, além de classificar os restos dos mortos, como roupas
ou os dentes de ouro dos cadáveres. Tudo por troca de uma ração
extra de comida ou garrafa de vodca.
Dos poucos livros que tratam do assunto esse é imprescindível,
pelo absurdo demonstrado. Nem há sentido para tentar entender a irrespeitosa
honestidade que os alemães davam aos seus prisioneiros. O que tinham
o temor e o desespero, a única moeda crível para aqueles que estavam
nos campos de concentração. Um livro impar. Uma vitima que se
viu obrigada a colaborar com seus carrascos, a espera que chegasse o seu próprio
fim. Uma ode ao significado real da palavra vergonha.
Sonderkommando - no inferno das câmaras de
gás
Autor: Shlomo Venezia
Tradução: Jorge Bastos
Objetiva
248 páginas
2010
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