Escrever sobre o sentimento de felicidade parece fácil. Entretanto a
simplicidade logo se torna complexa e profunda para qualquer um que se atreva
a trilhar por essa vereda literária. Uma autora ainda desconhecida para
o grande público brasileiro, a canadense Alice Munro, já candidata
várias vezes ao Nobel, entra nesse hall de escritores, pelo seu mais
recente livro de contos Felicidade demais (Too much happiness: stories,
tradução de Alexandre Barbosa de Sousa, Companhia das Letras 344
páginas,) que inspira, como o título sugere, a busca e o encontro
da felicidade.
Segundo livro lançado no Brasil, de uma carreira de mais de sessenta
anos. Considerada uma melhores contistas da atualidade, segue a notoriedade
de grandes nomes da língua inglesa, como Fitzgerald e Greene, a diferença
que nasceu no Canadá, país não tão expressivo às
letras inglesas. Sua linguagem é bem peculiar, num inglês bem fluido
e denso, sempre utilizando como cenário a sua terra natal, o sudoeste
de Ontário. Comparada a Tchekhov pelo sentido que seus contos são
construídos, pela busca dos personagens de aprender a viver com o passado
Afastada deste 2006, declarou na época que estava deixando a literatura,
estava com medo de perder o vigor e o desejo necessário para arte, queria
só viver como uma senhora normal sem nenhuma obrigação
profissional, entretanto passou a escrever para se esparecer, e o resultado
chega até nós pela Cia das Letras.
No melhor estilo short story dos grandes mestres, as histórias
de Munro excitam e emocionam. São dez contos, todos protagonizados por
personagens femininas que vivem situações de grande sedução
e violência, a autora explora os conflitos que as protagonistas experimentam
em sua necessidade de auto-realização, explorando a capacidade
de reerguer das pessoas quando perdem algo que achavam que nunca iriam perder.
O título corresponde a uma frase que uma célebre matemática
e escritora russa disse antes de morrer, que dá o tom de um dos contos.
Nele, Munro conta a história de Sophia Kovalevsky, uma das primeiras
mulheres admitidas como professora universitária, viveu o contexto revolucionário
da época e travou contato com grandes personalidades da sua época.
Bonita e brilhante, viveu apenas 40 anos, depois de uma vida dura, lutando pelo
seu espaço, quando conseguiu tudo que almejava morrera de uma gripe mal
curada. A narrativa de Munro se concentra nos dias que antecedem a sua morte,
com flashbacks contando seus envolvimentos amorosos e sua relação
com a família da irmã, casada com um revolucionário da
Comuna de Paris. A autora cria camadas narrativas se sobrepõem, o passado
e a memória atuam no presente e conduzem a situações-limite.
Mas mesmo quando a doença toma conta e o fim se anuncia, a promessa de
felicidade, ainda que efêmera e ilusória, estará sempre
no horizonte de realização.
É interessante que Munro nos passa dicas subliminares em seus contos
de 'como viver bem', sua sensibilidade pode ser classificada como visceral,
aquela que atende as sensações de seus leitores, seus personagens
são pessoas que vivem o previsível e que encontram a tal felicidade
em situações nada normais. Não vamos falar de cada conto,
mas podemos adiantar que cada um possui características vitorianas, segredos
e lembranças de alam e sangue.
Como em seu último livro, Fugitiva, Munro parece sugerir que o contar
histórias é essencial para lidarmos com as complexidades e perigos
da existência. As narrativas podem ser consideradas verdadeiras obras-primas,
pela forma que são conduzidas, como fragmentos de sua memória.
Recomendo.
Felicidade demais
Autora: Alice Munro
Tradução: Alexandre Barbosa de Sousa
Companhia das Letras
344 páginas
2010
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