Naqueles tempos, escrever era difícil, pois ninguém entendia
os motivos deste ofício, que, na verdade, não era entendido como
ofício mas como um mero lazer, um entretenimento. Isto posto, os escritores,
ou seja, aqueles que assim se intitulavam, eram obrigados, a procurar algum
canto mal iluminado, em que se viam a salvo de curiosos, mal educados ou faladores
que poderiam prejudicar o fiel exercício da sua imaginação,
produto da qual surgiam os denominados escritos. Isto, sem contar o parco material
de que dispunham, uma caneta, um pouco de tinta ou um arremedo de lápis
que produzisse sinais, signos ou caracteres sobre uma superfície clara,
que poderia ser um papel, um pano ou qualquer outra coisa que produzisse o mesmo
efeito.
Depois de anos em que utilizava todo o conteúdo imagético, imaginativo,
da sua mente ou da sua alma, conforme as crenças peculiares de cada um,
e conseguia, a custa de um esforço sobre-humano, produzir uma obra digna
desse nome, da qual se sentia muito orgulhoso, partia para a etapa seguinte:
procurar algum valente, esperto ou esforçado, dependendo de cada caso,
cunhador de caracteres, imprimidor, ou desenhista de letras, que estivesse disposto
a enfrentar a hercúlea tarefa de imprimir um ou mais livros (sim, pois
precisava-se de ótimos músculos e muito talento para exercer esta
tarefa, em razão de todo o trabalho ser feito a mão e com detalhes
minuciosos).
Como o escritor, na maioria dos casos, não dispunha de moedas em quantidade
suficiente para pagar ao citado imprimidor o que ele necessitava para corresponder
ao seu trabalho, que durava alguns meses ou anos, criava-se o impasse. Muitos
escritores lançavam mão da magia e vendiam a sua sofrida alma
ao diabo para conseguiram que alguns poucos volumes da sua valiosa obra fossem
colocadas à disposição do restrito número de leitores
que então existiam, geralmente pertencentes à casta dos nobres.
Alguns escritores trabalhavam toda a sua vida nas mais humildes tarefas, para
conseguirem o numerário suficiente para a publicação do
seu livro, usando-se uma linguagem mais atual.
Mas, ainda que o conseguissem, em raríssimos casos, enfrentavam outra
árdua batalha. Como os leitores pertenciam a uma elite que estava entregue
a certos afazeres, lazeres e idéias que não tinham muito a ver
com o que se passava na fértil imaginação dos escritores,
que viviam em seu próprio mundo, que nada tinha a ver com o da nobreza,
outro grande impasse estava criado.
Quem iria se interessar pelas suas admiráveis obras (isto, na interpretação
dos seus autores, evidentemente)? Mesmo que conseguissem levá-las até
às mãos dos leitores nobres, o que, em si, já era difícil,
pois os nobres viviam trancados em seus castelos inexpugnáveis, como
introduzir em suas mentes lentas e preguiçosas de quem vivia entregue
aos prazeres libidinosos da corte, aquelas idéias oriundas das mentes
de quem via e vivia as condições precárias da existência
rude dos camponeses, plebeus e burgueses e tentava transmitir o fruto imaginativo
que só surgiria ante condições tão adversas? Quase
impossível, na verdade.
Não se sabe mesmo como esses pobres diabos conseguiram sobreviver a condições
tão adversas, para legarem aos seus legatários este ideal que
perdura até os nossos dias.
Ainda bem que, hoje, tudo está mudado e os escritores gozam de condições
privilegiadas...