A Garganta da Serpente
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O poeta, a palavra, a estranheza

(Artur da Távola)

A palavra é o melhor e o mais impreciso meio de representar o real. E o real é fluido. A palavra representa o esforço do homem para aprisionar, traduzir, decodificar e até reinventar a fluidez do real. É instrumento precário e, ao mesmo tempo, único, original, deslumbrante.

O poeta é um ser solitário, sensível e diferente, que se torna cúmplice do processo através do qual a palavra impera sobre o homem, ao mesmo tempo em que precisa ser por ele domada, conhecida, vencida. O poema nasce do esforço de obter da palavra o máximo de precisão, expressão, submissão e, ao mesmo tempo, beleza, variedade, ambigüidade e semitons. O poema, se alimenta da relação entre essas duas ambigüidades resolvidas quando há a conquista da clareza. Mas é busca interminável luta para conciliar o caráter escorregadio da palavra com o sentido das coisas. Para o poeta a palavra deve ser deusa e serva.

O poeta é também imperador e servo no reinado de palavras em busca do sentido. Do sentido oculto principalmente. A vida inteira dedica-se a garimpar palavras e a fazer perguntas inquietantes - mas esclarecedoras - sobre o sentido da vida. Para tal, nada mais preciso e penetrante que a poesia porque ela opera com o "verso" das coisas através do sentido das palavras. Através do sentido, do sentimento e da beleza, abrem-se o espírito e a razão para os clarões das fugidias verdades. Apenas com isso podemos contar, pois somos seres afundados de modo irremediável na dúvida sobre a vida, a morte, o tempo e o universo. Para tal, só essa forma inusitada de humor que é a poesia. Por isso, costumo dizer que o poeta é o humorista da estranheza. Seu estranhar o mundo, as coisas e o homem determina uma forma de humor, às vezes amargo, ora metafísico ou filosófico que reflete a percepção sempre fugidia do mistério e a apreensão sempre imperfeita da exatidão ou da diafania da palavra.

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