Parei o carro no sinal vermelho, alguns garotos faziam malabarismos em pleno
centro urbano, na tentativa de ganhar alguns trocados, geralmente, disputadas
moedas, que vão sendo acumuladas em longos processos de compras. Dou
uma ajeitada no retrovisor e confiro a mensagem no celular. Chiclet, bala,
água me pergunta um jovenzinho. Sorrio e respondo água,
ele corre na caixa e pega uma garrafinha dois real. Tá
caro, mas junto as moedas e lhe entrego e antes que possa conferir, o
sinal abre e alguém impaciente buzina, só ouço ao longe:
brigadu. E nem me dou ao luxo de ressuscitar a língua materna.
Na escola, entre uma buzina e outra repenso na cena e volto no tempo. Sim,
muito tempo atrás, quando a nossa língua era o Latim: oficial
(nobres, clero, etc.) e vulgar (soldados, comerciantes, povo, etc.). Um falado
pela elite e outro pela população em geral. E da disseminação
e transformação de uma e morte da outra surgiu a nossa língua.
Vivemos, em nosso tempo, algo parecido e só o tempo vai trazer essas
respostas e a nova língua que virá: nem melhor ou pior, mas a
que souber transitar e for efetiva.
Mas, vejo nas ruas, escolas e em vários ambientes que a língua
também é política. Exerce preconceito e faz marginalizações
e esquecemos que a história do Lácio se repete e nada detém
a marcha da verdadeira história. Roma (Lácio) e a sua língua
dominaram boa parte do mundo e nem por isso sobreviveram... A língua
transformou-se e assim tivemos o privilégio de parte dessa herança:
última flor do Lácio, que ainda hoje encanta, canta e fascina.
Vivemos tempos de mudanças sociais, econômicas, políticas
e, mais do que nunca, devemos nos ater ao fato de que a verdadeira colonização
se dá pela língua, pela cultura. Sendo assim, favorecer e fomentá-las
é criar uma sociedade mais justa, humana e criativa. Trabalhar com
e não contra e, principalmente, não ressuscitar a
pureza original, pois se temos tantas belezas, foram resultado da mistura e
miscigenação, da transformação.
Não prego o desconhecimento da língua, mas a aceitação
da criatividade, da organização de pensamentos, na elaboração
de sonhos e de justiça, e a língua, como detentora de poder e
transformação, exerce um papel fundamental nisso tudo e cabe,
a cada um de nós, transformar essa realidade. Sabe por quê? Porque
há um futuro melhor para nossas crianças, jovens... Um futuro
muito além do lucro momentâneo ou mensalões, um futuro,
onde cada um possua voz e não seja necessário falar por outrem
e deixar o destino em letras anônimas que se apossaram de nós,
para benefícios próprios.
Acaba minha janela , volto para a sala de aula, onde 40 ou 50 jovens, mal
sabem porque estão ali.... Talvez eles nunca venham a saber, nem saibam
que poderiam estar na rua ou cruzamentos da vida, querem apenas o novo sinal
para irem para suas casas e jogarem os cadernos num canto e entrarem na internet
para jogar ou bater papos virtuais. São jovens, eu sei.... Mas até
quando? Serão jovens até que se descubram velhos, pois o tempo,
agora mais do que nunca, corre depressa demais. A língua, nisso tudo:
já vem enlatada, pronta para consumo.
(sábado, 25 de março de 2006)