A Garganta da Serpente
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Vida de escritor

(Claudio Brites)

Quem nunca teve a visão romântica do escritor by século XXI? Que fica em frente ao seu laptop em um cenário paradisíaco, e isolado, escrevendo seus romances entre uma tragada e outra enquanto arrecada milhões com os best-sellers já lançados, mesmo que tenha sido só um.

Todos aqueles que se aventuraram na vida da escrita têm pelo menos um pouquinho dessa imagem disseminada, um devaneio de um futuro, próximo, quando seu trabalho vai ser reconhecido, tirado da cartola como um coelho entre tantos outros e escolhido para reinar na lista dos mais vendidos para sempre...

Eu falo isso por experiência, quando comecei a publicar uma coisa ali e uma aqui já queria logo comprar o bendito do laptop, o teclado comum não mais me inspirava, o barulho da ventoinha da CPU me incomodava, a tela era muito pequena e eu ficava com dor nas costas por não estar no meio da relva fofa dos campos arcádios de meus sonhos. O reconhecimento de algumas de minhas medíocres publicações já me fazia sentir um astro que precisava de um camarim maior, mais espaçoso, mais moderno.

Você começa a sentir-se um boêmio. O cigarro e o café são seus companheiros, aos mais exóticos o vinho, são os afrodisíacos das palavras. Além disso, todos se cercam de manias, de excentricidades que irritam aqueles que convivem com o futuro prêmio Jabuti Não mexam no meu caos criativo! Grita o futuro Humberto Eco quando vê a esposa tirando um pedaço de pizza mofada do meio de folhas de jornal velho.

E as noites sem dormir? - afinal os literatos escrevem a noite, mesmo que tenham que pegar o ônibus para trabalhar cedinho no outro dia e sobreviverem na base da cafeína, ou que estejam desempregados e durmam o dia inteiro - elas são os brocados na vestimenta do Imortal da Academia Brasileira de Letras, são elas que lhe trazem assunto para a roda com os outros célebres Escrevi a noite toda! Suspira um de boca cheia de amendoim; O silêncio da noite é a minha companhia! Quase recita o mais poético; Virei três dias na frente do laptop escrevendo! E a bateria? Tava ligada na tomada, anta!

Eu confesso que sinto um fascínio por tudo isso, por esse mundo quase tão fantástico quanto às obras que aqueles que vivem nele escrevem. E estes que vivem esta sensação acabam se viciando também. É um vício inexplicável que talvez venha atrelado à desculpa de poder consumir nicotina descontroladamente, ou sei lá o que. Mas adoro colocar música clássica enquanto tomo um belo Bourbon durante as madrugadas em que reflito sobre o que escrever, rascunhando documentos no Word for Windows que se perdem pelas subpastas mal organizadas dos Meus Documentos. E respondendo logo que minha esposa pergunta Amor, não vem dormir? Cheio de marra Só vou escrever mais um pouco querida! Enquanto navego por alguns sites pornôs em busca de uma linda inspiração que me traga o próximo prêmio Nobel.

Eu adoro essa vida!

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