A construção de conhecimentos inerentes à leitura, compreensão e produção de textos requer dos usuários da língua o desenvolvimento das habilidades e a construção de sua competência na comunicação. O esclarecimento para obter-se essa construção comunicativa satisfatória encontra-se no trabalho que a instituição escolar desenvolve com gêneros e tipos textuais. E é a partir da utilização do livro didático que possibilita-se uma importante análise sobre como trabalham estes dois aspectos.
Gêneros e Tipos Textuais, Livro Didático, Produção Textual.
A comunicação é uma questão importante que apresenta-se
como ponto decisivo de sobrevivência. Entende-se que é indispensável
conhecer as idéias, desejos, projetos e sentimentos das outras pessoas
para impor e transmitir a habilidade e capacidade crítica sobre as informações
que chegam diariamente. Para tanto, precisa-se ter como base sólida,
na edificação crítica, um amplo conhecimento que supra
as necessidades de utilização da linguagem dentro dos diversos
contextos sociais. E como componente construtor dessa interatividade encontramos
na linguagem o fluxo do ato comunicativo que sustenta a relação
entre os indivíduos.
Em resposta a ampliação de conhecimentos, torna-se imprescindível
frisar que os gêneros e tipos textuais são formas de facilitar,
aos usuários da língua materna e/ou estrangeira, o entendimento
da realidade e de que é possível revelar argumentos críticos
com planejamento para agir sobre o contexto social.
A conveniente discussão sobre a adequação da linguagem
às diferentes situações comunicativas, na dimensão
temporal, apresenta-se desde Aristóteles, em sua organização
da oratória. E vem se propagando atualmente na maneira de trabalhar a
interação da competência comunicativa nos indivíduos/usuários.
Analisando a diferença entre os gêneros textuais e tipos textuais,
é apropriado observar a forma que o livro didático trabalha o
contexto comunicativo. Certamente, o professor e a instituição
escolar requerem o livro didático com a pretensão de ajudar e
fazer sentido aos alunos, porém é importante conhecer a forma
que o livro didático trabalha (se trabalhar) com gêneros e tipos
textuais, discutidas aqui com base em dez maneiras indispensáveis para
um trabalho significativo.
A metodologia utilizada para a realização do presente trabalho foi a análise crítica do Livro Didático (LD), precedida por uma pesquisa bibliográfica para a evidenciação dos conceitos de Gêneros Textuais (GT) e Tipos Textuais (TT). Tem-se como corpus de trabalho dois livros de Língua Portuguesa para o Ensino Médio (EM), ambos são volume único para todas as séries. O livro Novas Palavras: Português, volume único, livro do professor é o LD adotado pela escola. Já o livro Português para o Ensino Médio: língua, literatura e produção de texto, é utilizado pelos professores como livro auxiliar. A teoria de GT e TT de MARCUSCHI (2002), a qual define e atribui funcionalidade a ambas as classificações, fundamenta-o teoricamente.
O pensamento em organizar a linguagem na perspectiva de reconhecê-la,
usá-la e adequá-la nas diferentes situações comunicativas
era observado a muito tempo atrás por Aristóteles. O filósofo,
em sua Retórica, dividiu a oratória em três partes que considerava
importante: a deliberativa, a forense e a exibição. Dessa divisão
resultou a subdivisão do discurso: falante, assunto e ouvinte.
É possível perceber que a partir da organização
feita por Aristóteles, facilitou-se o entendimento da existência
de recursos distintos para serem usados nas diferentes ocasiões sociais.
Aliás, também é importante frisar que as divisões
da oratória (deliberativa, forense e exibição) possuem
ou devidamente têm os aspectos tipológicos de instrução,
argumentação e exposição.
O formalista Saussure, na segunda década do século XX, considerava
que todo gênero evolui, ou seja, observava a forma e a função
da língua em contínua evolução e como produtora
de novos gêneros ou renovadora dos já existentes. Em confronto
a idéia saussuriana, surge Mikhail Bakhtin na segunda metade do século
XX com o pensamento de que a língua precisa ser analisada como atividade
sócio-histórica-cultural, além de cognitiva. Para Bakhtin
os gêneros do discurso apresentam muitas formas que estão sujeitas
a mudanças em sua estrutura, em um dado gênero o sentido de um
determinado discurso depende do contexto de produção e dos falantes/ouvintes
que o produzem. Aliás, segundo Bakhtin, a variedade dos gêneros
do discurso pertencem a dois grupos: os gêneros primários - linguagem
cotidiana como as cartas, diálogos familiares, etc, e os gêneros
secundários - linguagem oficial, normalmente na forma escrita como o
teatro, o discurso científico, romance, entre outros.
A preocupação com os aspectos da linguagem na interação
do indivíduo com o uso e a conseqüente adequação à
situação, conforme foram apontadas por Aristóteles, Saussure
e Bakhtin nesta breve reconstituição histórica, mostram
as atenções voltadas para a produção de conhecimento
em resposta aos diferentes usos da linguagem, o que quer dizer que a linguagem
precisa ser o instrumento de interação do indivíduo ao
contexto social e na ação daquele sobre esse.
Já que o relacionamento social é determinado pela comunicação,
então, pode-se dizer que os gêneros textuais produzidos e utilizados
pelos indivíduos determinam esse relacionamento.
Os gêneros textuais referem-se a todas as formas de textos, sejam eles
escritos e/ou orais, refere-se à relação dialógica
existente no processo de interação verbal. Conforme SILVA (2006)
"o dialógismo é constitutivo da linguagem e perpassa por
toda forma de constituição da linguagem" em suas manifestação,
seus usos e suas funções, provindas das diferentes realizações/situações
comunicativas. Com isso, torna-se imprescindível conhecer, dominar e
utilizar-se dos diversos gêneros textuais em seus mais variados usos e
funções nas mais diversificadas situações de embate
comunicativo. Dominar um gênero não é somente tornar-se
capaz de gerenciar uma forma de escrita/fala, mas manipular uma forma de realização
lingüística de objetivos específicos em situações
particulares em dados contextos. Como componentes internos dos gêneros,
os tipos textuais limitam-se as funções: narrativos, descritivos,
argumentativos, expositivos e injuntivos.
A ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO
Na análise do LD esperava-se que fossem encontrados alguns pontos importantes
para o trabalho com a LP no Ensino Médio para o processo de produção
textual. Esses pontos são colocados aqui como bases referenciais para
o trabalho com categorias textuais e facilitadores da formação
significativa do indivíduo, pois não se restringe a fatores escolares,
mas, também, colabora no desenvolvimento das práticas sociais
do indivíduo. Com isso, inclui-se (o trabalho com produção
textual e o indivíduo) em um desenvolvimento interativo, dialógico
entre todas as partes constituintes da relação de interação
verbal estabelecida por meio da linguagem. Para a analise do LD foram elaboradas
dez bases referenciais tidas como indispensáveis para proporcionar um
trabalho significativamente construtor do conhecimento.
As bases referenciais para a análise
1- Reflexão sobre a importância do conhecimento, domínio
e prática/uso dos GTs e TTs.
O LD deve, indispensavelmente, realizar em sua proposta de trabalho com produção
textual uma discussão, uma reflexão sócio-histórica-cultural
acerca da importância de se conhecer a maior quantidade possível
de gêneros textuais e dos tipos de textos existentes, assim como também,
de estabelecer uma prática, um uso contínuo e progressivo dos
mesmos. Esse contato, por sua vez, irá proporcionar um maior domínio
desses por parte do usuário, e conseqüentemente a uma utilização
mais ativa, adequada e com resultados positivos. Nessa reflexão esperam-se
encontrar orientações de como esse conhecimento, domínio
e prática/uso dos gêneros textuais (e dos tipos de textos) poderá
ser útil ao indivíduo, não só no contexto escolar,
mas em todos os contextos sócio-histórico-culturais.
2- Conceito de Gênero Textual e Tipologia Textual.
O LD deve apresentar, ao iniciar-se o trabalho de/com produção
textual, definições dos conceitos de GT e TT. Essa conceituação
proporcionará ao educando assimilar cognitivamente as características,
as especificidades de cada classificação, o que, por sua vez,
servirá de sustentação teórica e tornará
possível a compreensão e/ou estabelecimento da diferenciação
existente entre as classificações do textos (entre gêneros
textuais e tipos de textos).
3- Contexto de produção e/ou de utilização de um
dado GT.
Faz-se de vital importância e extrema necessidade uma apresentação
de contextos, no plural, diferentemente do singular contexto escolar de limitação
à questão normativista da língua padrão, nos quais
um dado GT é produzido e utilizado, pois as inúmeras situações
comunicativas (conversas entre amigos, com autoridades, situação
de emergência, etc.) e os diversos ambientes institucionais (escola, igreja,
família, etc.) exigem a utilização de distintos GT's. O
LD deve conter essa apresentação, pois ela proporciona uma formação
mais significativa para o indivíduo, aponta situações reais
de usos e/ou de produção de um determinado enunciado e/ou enunciação,
de um ou de vários GT's, efetivando assim uma construção
consciente do conhecimento e possibilitando a constituição de
um indivíduo sócio-histórico-cultural crítico e
participativo.
4- O tipo de texto predominante em dado GT.
Um GT contém em sua estrutura várias tipologias textuais, ou seja,
em um mesmo texto (gênero textual) pode haver tipos diferentes de textos
(narração, descrição, injunção, etc.),
porém existe a predominância de um desses tipos é que define
a sua classificação. Um dado GT também pode possuir em
si uma variedade de tipos textuais, aliás, nele também haverá
uma predominância de um tipo estrutural sobre os demais. Esse esclarecimento
inerente a predominância estrutural existente em um dado GT facilita a
assimilação cognitiva do indivíduo, levando-o a realizar
uma construção mais significativa de seus conhecimentos. Portanto,
deve-se apresentar na proposta de produção textual com um determinado
GT, qual é o tipo de texto que exerce uma predominância sobre os
demais dentro daquele gênero abordado.
5- O título do GT.
A apresentação do título no início da unidade de
produção textual contribui significativamente para a memorização
e concomitante assimilação do modelo a ser trabalhado. Isso se
deve ao fato do educando realizar uma correlação entre o título
e o modelo apresentado, facilitando com isso também a designação
de um dado GT e proporcionando maior facilidade para uma posterior capacidade
de diferenciação entre os diversos GT's. Além disso, o
título em destaque no início direciona, e de certa forma restringe,
a atenção do educando a uma determinada forma de GT.
6- O conceito de GT trabalhado na proposta de produção textual.
Ao iniciar-se o trabalho de produção textual com um dado GT faz-se
necessário evidenciar o conceito do GT com o qual se trabalhará,
pois no conceito pode se encontrar inúmeras características que
possibilitarão uma maior compreensão do gênero abordado.
O educando ao ter claro essas características tende a ter maior facilidade
para a apreensão do gênero, do domínio do mesmo e de sua
utilização efetiva. Com isso, espera-se que o LD traga essa conceituação
(de preferência na parte inicial do trabalho) de cada GT trabalhado, possibilitando
uma formação mais significativa para o indivíduo.
7- Um modelo do GT abordado.
O modelo é visto como necessário para que o educando possa ter
uma visualização da organização, da disposição
das palavras, das partes constituintes da estrutura de dado GT em sua própria
forma anatômica. A visualização, mesmo que de forma genérica,
de um determinado objeto e/ou manifestação facilita a memorização
e seqüencialmente uma assimilação cognitiva do evento por
parte do indivíduo. Portanto, espera-se que o LD apresente em sua unidade
de trabalho com produção textual um modelo do GT que está
sendo trabalhado.
8- Relação interdiscursiva entre produtor/usuário de dado
GT.
A relação existente, ou que virá a se estabelecer, entre
os interlocutores de um determinado enunciado e/ou de dada enunciação
é um fator determinante na seleção de um GT para utilização
no processo comunicativo. Essa relação é essencialmente
discursiva e interdependente às partes envolvidas. É onde se encontram
as relações de poder, de autoridade, da voz altiva e da voz submissa
de dado discurso. Na busca de atender a essas relações são
utilizados diferentes GT's. No LD é vital que haja uma explicação,
mínimo básica, dessa relação interdiscursiva entre
os produtores/usuários de um dado GT.
9- Funções e usos objetivais de um dado GT.
Espera-se encontrar, de alguma forma e no mínimo, uma explicação
básica no que se refere às funções e usos de um
dado GT. Essa explicação é de suma importância, pois
um mesmo texto pode ter vários usos e funções (um texto
de homenagem pode ao mesmo tempo elogiar verdadeiramente uma pessoa, como também
elogiar sarcasticamente essa pessoa efetuando por meio de um uso específico
uma distorção da função primária desse gênero
textual), podendo também ocorrer de um determinado GT possuir apenas
uma função específica e, portanto, usos restritos (uma
homilia possui a função de orientar uma celebração
religiosa, portanto, seu uso é restrito ao âmbito religioso e ainda
a determinados usuários). A escolha de um dado GT para ser utilizado
é realizada, mesmo que inconscientemente, para suprir-se um determinado
objetivo de quem o utiliza/produz. Em conformidade com esse objetivo é
que se faz uso dos inúmeros e diversos GT's. O LD deve apresentar uma
colocação dessa explicação em relação
a essa questão inerente aos GT's, inserindo alguns exemplos de usos e
de funções dos mesmos.
10- Proposta contextualizada de experienciação.
Dentre ao trabalho com determinado GT deve ser apresentada uma proposta de experienciação
que possibilite ao educador e educando desenvolverem uma atividade por meio
da qual se vá além da questão teórica. Que a atividade
a ser desenvolvida tenha uma prática de vivenciação que
integre os envolvidos nesse trabalho à realidade da vida sócio-histórica-cultural.
Para essa atividade o LD deve trazer algumas orientações que possibilitem
a real efetivação da tarefa, podendo, entre outras formas, sugerir
algumas atividades, mas sempre ressaltando a importância de se aplicar
essa experiência em beneficio da resolução de necessidades
reais dos envolvidos no processo de construção do conhecimento.
Os resultados da análise do LD.
O livro didático, Novas Palavras: Português que é
utilizado como padrão pela escola, aborda os conteúdos de Língua
Portuguesa em três partes (como se fosse possível trabalha-los
separadamente e não de forma indissociável), sendo esses blocos
a Literatura, a Gramática e a Redação e Leitura.
Nesse LD, o trabalho com a produção textual não apresenta
nenhuma proposta de trabalhar-se com GT's. Não há nem mesmo referência
a essa questão, o que conseqüentemente acarreta a inexistência
de qualquer um dos pontos de referência elaborados para análise
da proposta de trabalho com GT's no LD.
A produção textual se apresenta aqui na forma de um trabalho puramente
realizado dentro do contexto gramaticalista do português padrão,
evidenciando apenas a questão normativista, como coerência e coesão,
da língua. Tem-se como objetivo específico a produção
do gênero Redação com a única finalidade de aplicar
esses conceitos e normas gramaticais para a produção de um texto
na seleção do vestibular.
Os conceitos de textos abordados no bloco de Redação e Leitura
do LD analisado restringem-se a um trabalho com a Tipologia Textual, a qual
é apresentada com três tipos de textos: o narrativo, o descritivo
e o dissertativo. Essa abordagem limita-se a trabalhar a questão estrutural
desses tipos textuais, como os tipos de narrador (textos narrativos), formas
de descrever (textos descritivos) e tipos de discurso (textos dissertativos).
Nessa abordagem referente à questão discursiva, limita-se, também,
a uma apresentação tipológica, abrangendo o discurso direto,
discurso indireto e discurso indireto livre.
O livro didático, Português para o Ensino Médio: língua,
literatura e produção de texto, utilizado pelos professores
como livro auxiliar apresenta sua proposta de trabalho na produção
textual centrada nos fatores supracitados. Esse LD também traz o trabalho
com a língua portuguesa dividida em blocos. O bloco que trabalha a produção
textual é apenas um que compreende apenas uma unidade. E apesar do título
ser "Os Gêneros Textuais" é trabalhada somente a tipologia
textual. Existe uma única exceção a essa regra, na unidade
39, a correspondência e suas linguagens, faz-se referências
a questão dos gêneros textuais, nela traz-se alguns textos que
abordam os GT's, mas essa é, por sua vez, limitada a categoria textual
da correspondência. Nessa unidade são abordados os GT's carta,
bilhete, telegrama, requerimento e e-mail.
Na unidade a correspondência e suas linguagens, são encontradas
algumas das bases referenciais do trabalho de produção textual
com GT's. Nos gêneros trabalhados nessa unidade encontram-se os seguintes
referenciais: O título do GT, um modelo do GT trabalhado.
No presente artigo apresentamos uma discussão inicial sobre a maneira
que o livro didático propõe o trabalho com gêneros e tipos
de texto, em detrimento à expectativa de desenvolver no aluno a competência
no uso da língua em face de compreensão das práticas discursivas
às relações sociais, ou seja, a habilidade e competência
em associá-las ao uso dos diferentes gêneros textuais.
Os PCN's de LP do Ensino Médio mostram que o trabalho com diferentes
gêneros textuais e contextualizados são vitais para desenvolver
a competência comunicativa é fundamental para a construção
da formação significativa do indivíduo. Por outro lado,
os livros didáticos trabalham equivocadamente, já que no livro
"principal", Novas Palavras: Português, não existe
sentido á categorias textuais, mas enfatizam os tipos textuais - até
mesmo confundindo com o conceito de categorias. O livro auxiliar Português
para o Ensino Médio: língua, literatura e produção
de texto traz um trabalho explicitamente com a tipologia textual, abordando
apenas implicitamente a questão dos gêneros e o trabalho com os
mesmos.
Portanto, verifica-se que a proposta de trabalho com produção
textual no Livro Didático ainda não aborda e nem desenvolve esse
trabalho com a utilização dos gêneros textuais, o que conseqüentemente
não proporciona efetivamente uma interatividade comunicativa do indivíduo
em dado contexto sócio-histórico-cultural em que esteja inserido.