Nós falamos o português, mas cada grupo usa a sua modalidade. Como
cada brasileiro pertence a vários grupos, isto quer dizer que somos poliglotas,
embora falemos o mesmo idioma.
Quando se está numa roda ou quando se conversa com o chefe, as falas
são bem diferentes. Por mais que se conheça a norma culta da língua,
a pessoa não vai chegar ao balcão de um bar e dizer:
- Dê-me uma xícara de café, por favor!
Ela acaba dizendo:
- Me dê (ou me dá) um café, por favor!
Adriano da Gama Kury, no livro "Para Falar e Escrever Melhor o Português",
aponta várias modalidades de uso da língua falada e da língua
escrita. Falada: ultraformal, coloquial cuidada, coloquial despreocupada (corrente,
familiar) e vulgar; escrita: ultraformal, cuidada, despreocupada, vulgar.
Esta consciência de que há várias modalidades de uso da
língua, o jovem deve adquiri-la na escola. Nenhum professor de Português
tem o direito de dizer ao aluno que vai lhe ensinar o certo e desvalorizar a
modalidade passada pelos pais. Isto causa na criança e no jovem um certo
desprezo pela família, sem falar da castração mental que
provoca no educando.
Em reuniões de bairro, das quais já participei muito, os analfabetos
eram sempre mais participativos, falavam e davam seus palpites, sem medo de
errar. As pessoas que passaram pelos bancos escolarares eram mais tímidas,
tinham receio de falar "abobrinhas" ou de cometer erros. Como já
disse um filósofo francês, quando quer, um professor reprime mais
que um batalhão de policiais, porque um educador repressor deixa suas
marcas no interior das pessoas.
Nem por isso, a escola pode deixar de ministrar a sua clientela a norma culta
de nossa língua, um dos objetivos do ensino formal da língua materna.
O professor deve esclarecer a seus alunos que a norma culta (ou língua-padrão)
é uma das modalidades do uso lingüístico, não é
única nem a mais importante.
Todos nós sabemos falar o português, como sabemos usar a água.
Ninguém precisa saber que a água é composta de H2O para
matar a sua sede nem que a frase tenha sujeito e predicado para se comunicar,
porém, saber Química propricia o melhor uso da água e saber
Gramática dá maior domínio do usuário no manejo
das palavras.
Apropriar-se da língua escrita, modalidade culta, deve ser meta de todo
estudante, principalmente se ele for de classe subalterna. É uma forma
de libertar-se, pois não há nada mais revolucionário do
que uma pessoa "leiturizada".