A Garganta da Serpente
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Regras gramaticais são complicadas?

(Hélio Consolaro)

Quem constrói a língua somos nós, portanto, se as regras gramaticais são complicadas, nós mesmos é que as complicamos. Os estudiosos descobrem a estrutura da língua num momento e tenta congelá-las, por isso os gramáticos são conservadores, demoram para incorporar uma mudança que há muito já foi assumida pelos usuários da língua.

Exemplo disso é a regência do verbo preferir:

Prefiro mais leite do que refrigerante. (Regência popular.)

Prefiro leite a refrigerante. (Regência culta, padrão.)

Além disso, há a coerência do sistema, que é uma luta dos gramáticos. Exemplo de violação do sistema, que já foi incorporada à gramática culta, é o pronome de tratamento "Vossa Senhoria" (e outros, com vossa) ter o verbo na 3ª pessoa, enquanto "vossa" é pronome possessivo de "vós", 2ª pessoa do plural.

Este medo das regras gramaticais não acontece só no português. Veja o que Donald Weiss, professor norte-americano, escreveu a respeito:

"Embora o simples pensamento de usar as regras de gramática amedronte muita gente, elas não percebem que as empregam o tempo todo. As regras, de fato, refletem como os indivíduos se comunicam eficazmente. Mesmo a gíria de ruas possui suas formas gramaticais próprias.

As regras gramaticais não passam de um esquema, um método para organizar as palavras em padrões que unificam as intenções de um indivíduo com a interpretação de outro. Ao contrário dos bichos-papões inventados pelos profesores na infância, as regras não são inflexíveis, rígidas e elitistas, mas se modificam com o tempo e as pessoas. Sofrem modificações mas não se rompem a ponto de se transformarem em algo completamente diferente do que eram.

Só menciono as regras gramaticais porque formam o elemento básico da organização de qualquer forma de comunicação escrita ou oral, e também para salientar que quase todos nós crescemos usando regras mesmo sem conhecê-las. Costumamos falar com sentenças gramaticalmente corretas e, às vezes, com outras complexas. Utilizamos substantivos, verbos, adjetivos e advérbios colocados numa seqüência adequada de sujeito e predicado, e nunca paramos para pensar sobre isso. Somente quando paramos para pensar é que sentimos medo. É o mesmo que tentar dizer em vez de mostrar como fazer um nó de gravata ou amarrar os sapatos."

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