Adriano da Gama Kury em seu livro Para Falar e Escrever Melhor o Português
dedicou no capítulo Na língua há também comandantes
e comandadados algumas páginas ao assunto do machismo na língua
na concordância nominal.
Aliás, ele recomenda a leitura do livro A Mulher na Língua do
Povo, de Eliane Vasconcelos Leitão. Citaremos alguns exemplos:
1) Havendo substantivos dos dois gêneros (masculino/feminino), a norma
gramatical diz que o adjetivo referente vai para o masculino plural: "Alunos
e alunas aplicados", pode haver na classe um aluno e 39 alunas. É
um caso de machismo evidente.
2) O mesmo acontece na designação de seres inanimados, que nem
sexo possuem: "Havia papéis, gravuras, revistas e canetas espalhados..."
(predominou o masculino papéis). Só em caso excepcional a concordância
se dá com o substantivo mais próximo, no caso canetas.
3) Alguns pronomes de gênero neutro na sua forma, como alguém,
ninguém e se. Na concordância, o adjetivo assume o gênero
masculino. Exemplos:
a) "Ficava horas na janela a ver se alguém conhecido passava."
b) "Não havia ninguém famoso na reunião."
c) "Nunca se é suficientemente generoso."
4) Nos nomes que sintetizam substantivos de gênero diferentes. Exemplos:
a) "Tenho três filhos, duas moças e um rapaz."
b) "Na próxima semana haverá reunião de pais."
(Incluem as mães.)
5) O pronome pessoal de 3ª pessoa do plural assume a forma eles, do masculino,
quando substitui nomes masculinos e femininos.
Exemplo: "João e Maria saíram: eles vão ao teatro."
6) Quando nos referimos à humanidade, usamos o masculino homem para
generalizar homens e mulheres.
Exemplo: O homem é um ser racional. O homem conquistou a Lua.
7) Quando se faz menção à nacionalidade é igualmente
o masculino que se usa.
Exemplo: O brasileiro é cordial. (= os brasileiros e brasileiras).
Muita gente machista ria quando o ex-presidente da República José
Sarney dizia "Brasileiros e brasileiras". Ele usava uma linguagem
politicamente correta.
8) Só se diz homem de Cro-Magnon, homem de Neanderthal, origem do homem,
a evolução do homem (= humanidade). Assim também a Bíblia
traz os traços machistas da cultura judaica.
9) Na expressão um e outro aplicada a nomes dos dois gêneros.
Exemplo: "Lá começaram os seus amores (do rei) com a rainha,
que tão fatais foram para um e outro." (E não outra.).
10) Na designação de certas profissões, como soldado
e toda hierarquia militar.
Exemplo: O soldado Maria Regina foi convocado.
11) Na locução devido a houve masculinização.
Devido é particípio do verbo dever, pois concorda normalmente
com o substantivo referente. Exemplo:
a) Ausência devida a motivo imperioso (certo gramaticalmente).
b) Ausência devido a motivo imperioso (concordância machista).
c) Dada a atenuante. Dadas as atenuantes (certo gramaticalmente).
d) Dado à atenuante. Dados às atenuantes (concordância
machista).
Um estudo realizado pelos professores Waldenyr Caldas e Thaís Montenegro
Chinellato com expressões usadas pelos homens sobre as mulheres, como
peruas, galinhas, gatinhas, vacas, piranhas e potrancas, entre outros animais,
revelou que os machistas dizem cobras e lagartos, mas nem sempre usam os termos
no mau sentido. Em alguns casos, a palavra que ofende também pode afagar.
Caldas, professor de Sociologia da Cultura Brasileira, e Thaís, professora
de Língua Portuguesa, estudaram os adjetivos qualificativos que elogiam
ou denigrem a imagem das mulheres.
A idéia surgiu na época da novela Perigosas Peruas,
exibida pela Rede Globo. Percebi que havia um sentido duplo no uso da
palavra perua - lembra Waldenyr. O termo `perua, em
determinados momentos, era aplicado no sentido elogioso e muitas vezes com um
certo status, e em outras ocasiões assumia um sentido desmoralizante
e depreciativo.
O significado desse termo passou a ser outro hoje, perua é um
termo aplicado no caso da mulher toda empetecada, que oxigena o
cabelo, usa roupas coladas, sapato alto, que se produz com roupas caras, para
tornar-se desejável para o outro.
O trabalho dos professores se deteve na análise do significado que
as expressões têm para a mulher. E, normalmente, estas palavras
estão associadas a animais: gata, pantera, galinha... Na extremidade
dessa bizarra cadeia está a piranha, peixe carnívoro cuja voracidade
foi emprestada à prostituta, devoradora sexual e espoliadora de seus
clientes.
Como peixe, a piranha povoa os rios e apavora; como mulher, ela invade
as esquinas e seduz. Na água, a piranha ataca a carne com a avidez das
mandíbulas; na rua, a `piranha oferece sua carne para a avidez
do sexo, acrescenta a professora.
Geralmente, os termos pejorativos têm uma conotação machista
e um caráter erotizado, surgindo da cultura popular. A pesquisadora diz
que não se sabe quando surgiu ou quem usou pela primeira vez. É
o homem interpretando o corpo da mulher sob a ótica sensualista. A
visão do homem em relação à mulher é distorcida
porque a sociedade ainda é comandada pelo machão, observa
Caldas, lembrando que o escritor Machado de Assis relaciona a personagem Capitu
com animais, e José de Alencar não fica atrás quando se
refere a Iracema.
Entre os termos que ganham contorno erotizado está potrancona.
Como se não bastasse ser potranca, o homem coloca o substantivo no superlativo.
Gatinha pode ser uma forma carinhosa de o homem se reportar a uma
mulher que não tem muitos dotes estéticos. Já o termo pantera
é aplicado às mulheres que têm todas as qualidades estéticas
e um pouco mais. Na escala zoológica da sexualidade feminina, o termo
gatinha é apenas um degrau.