As pessoas estão sempre me perguntando como fazer para escrever bem,
como se houvesse uma receita mágica. Tenho dito e redito que ler faz
bem e escrever sempre deve ser um hábito.
O escultor não faz uma bela estatueta na primeira vez em que entra em
contato com o barro. No começo, ele é dominado pelo barro, sua
obra não tem elasticidade. O belo só vai aparecer quando o escultor
dominar o barro, fazer dele o que desejar.
Não é diferente com a escrita. E se o texto for literário
(artístico), liberar-se é uma necessidade, não só
para o escritor, mas para todos os artistas. Outro dia um amigo me confessou:
- Cara, tomei vodca e produzi alguns textos irreconhecíveis, nem pareciam
ser meus de tão belos...
Não estou aqui estimulando o uso de drogas, mas às vezes elas
são necessárias na criação se a pessoa for muito
travada por dentro.
Soltar a franga, produzir sem censura, não ter medo do ridículo,
não se preocupar se for chamado de louco deve ser preocupação
de todo artista. Não existe nada mais anticriativo do que o preconceito
e as convenções sociais. Desvencilhar-se do censor interno é
uma necessidade.
Depois de o texto (ou o esboço da obra) estar definido, do transe criativo
encerrado, o artista vai chamar a razão para configurá-lo com
mais rigor, trabalhando a forma. Cortar obsessivamente palavras, como escreveu
Blaise Pascal: "Fiz esta carta mais longa porque não tive tempo
de fazê-la curta".
Manuel Bandeira demorou 20 anos para publicar Pasárgada. Mário
de Andrade escreveu Macunaíma em 15 dias, demorou dois anos para publicá-lo.
O artista burila, tira as imperfeições, vai enfeitando a sua obra,
como a bordadeira o faz com os tecidos. Você, caro leitor, não
precisa chegar a este exagero, mas deixar o texto dormir no HD de seu computador
faz muito bem. Até acordá-lo para outra revisão.
Outra pergunta que sempre surge: De onde vem a inspiração? Esquece-se
o inquiridor da transpiração. Não desejo a esterilidade
parnasiana, mas vejo o emocionalismo romântico de soslaio.
Vou reproduzir a letra da música "Transpiração",
de Pedro Luís, da banda carioca "A Parede", cantada por Ney
Matogrosso, porque ela é muito bela e não merece ser parafraseada:
A inspiração vem de onde/ Pergunta pra mim alguém/
Respondo talvez de longe/ De avião, barco ou ponte/Vem com meu bem de
Belém/ Vem com você nesse trem/Nas entrelinhas de um livro/ Da
morte de um ser vivo/Das veias de um coração/ Vem de um gesto
preciso/Vem de um amor, vem do riso/ Vem por alguma razão/Vem pelo sim,
pelo não/ Vem pelo mar gaivota/Vem pelos bichos da mata/ Vem lá
do céu, vem do chão/Vem da medida exata/ Vem dentro da tua carta/Vem
do Azerbaijão/ Vem pela transpiração/[...]/ Vem da tristeza,
alegria/ Do canto da cotovia/Vem do luar do sertão/ Vem de uma noite
fria/Vem olha só quem diria/ Vem pelo raio e trovão/
No beijo dessa paixão. [...]
E eu resumo: a inspiração vem da vida. A arte encanta com o frescor
do olhar do artista, daquele jeito singular de ver o mundo, do estranhamento.
(16.05.10)