A Garganta da Serpente
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Pátria e língua

(Hélio Consolaro)

Antigamente, quando os militares governavam o Brasil, esta semana era chamada de "Semana da Pátria". As comemorações eram obrigatórias, impostas. Isso não quer dizer que elas não devam ser espontâneas, brotadas do coração de cada brasileiro em forma de louvor, de análises e mesmo de críticas neste momento democrático.

Em tempos de ebulição sobre a reforma ortográfica, é bom lembrar que sempre houve grupos interessados em formar um português brasileiro, descolado do avozinho Portugal, para usar uma expressão de Manuel Bandeira.

Esse poeta brasileiro também escreveu em versos que português bom e gostoso é aquele falado pelo povo em seu dia-a-dia. Então, caro leitor, sempre houve essa tensão entre os gramáticos e os usuários da língua, porque a gramática já foi criado com o pendor elitista: não deixar que o populacho invadisse a língua culta.

Também sempre haverá uma tensão natural entre a língua escrita e falada, porque a primeira é pensada, intelectualizada, enquanto a segunda é espontânea, com certa tolerância. Não dá para exigir, por exemplo, que um locutor esportivo não tropece em certas regras gramaticais, porque entre o pensamento e a fala há uma distância mínima.

É impossível querer que o português do Brasil seja semelhante ao de Portugal, porque o idioma viveu em realidades diferentes. Essa discussão ou esse desejo está ultrapassado, fez parte das bandeiras do Romantismo e do Modernismo.

A discussão hoje está em torno da variável culta e a informal (coloquial e popular). A culta (a ensinada pelas escolas) não é a certa, ela deve ser usada em determinadas situações, enquanto as outras variáveis têm seus contextos de uso também.

Ser patriota, hoje, em termos lingüísticos, é proteger o nosso idioma das invasões de termos estrangeiros. O Brasil que vive num contexto mundial de dependência, com o inglês sendo o idioma do planeta, não consegue viver sem importar palavras, por isso precisamos ter uma atitude inteligente diante disso. Que venham as palavras estrangeiras, mas que sejam adaptadas à nossa grafia. Em vez de escrever "show" na grafia inglesa, por que não passar a grafar "xou" na grafia portuguesa?

Dominar um povo por completo é atingir a sua língua, a sua cultura. Assim os romanos agiam, mas por não terem mídia, acabaram por matar o seu próprio idioma, latim. Hoje, a situação é diferente, a dominação é mais requintada, via mídia. O imperador nos faz pensar que nosso idioma é inferior, que somos subdesenvolvidos, nos deixa com a auto-estima no chão.

Nunca é demais, nesta Semana da Pátria, repetir o verso de Caetano Veloso: "A língua é minha pátria".

(05.09.07)

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