A Garganta da Serpente
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Ler não é decifrar

(Hélio Consolaro)

Um amigo me contou com surpresa o que acontecera com seu filho de cinco anos.

Maravilhado, o menino disse-lhe que já sabia escrever as palavras "ligar" e "desligar". O pai, orgulhoso, ofereceu papel e lápis para que o garoto mostrasse sua habilidade. E ele rabiscou as seguintes palavras "on" e "off" em inglês.

Essa história serve de exemplo para dois estudos: a influência das palavras estrangeiras em nosso idioma e como se dá o processo de alfabetização.

Nossos aparelhos eletrônicos, como os atuais brinquedos, têm palavras em inglês escritas neles, já que o mercado se globalizou. Não vou me ater a essa questão do estrangeirismo, porque saber duas línguas sempre é uma vantagem na formação intelectual das pessoas. E estrangeirismo é usar o português misturado com palavras de outras línguas, mantendo a ortografia original delas.

Quero chamar a atenção para o processo de alfabetização.

Eu prefiro o termo leiturização de Jean Foucambert ao tradicional alfabetização. Ele se dá pelo processo gráfico e não pelo fonético, como insistem ainda algumas alfabetizadoras. Associar a escrita à fala causa certos problemas na leitura no futuro da criança.

O garoto associou os significados "ligar" e "desligar" a duas formas escritas aleatoriamente, sem pensar na pronúncia delas, apenas nos conceitos. Isso significa que a alfabetização é um processo meramente gráfico, sem aquela ligação com a fonética.

O grande prejuízo da alfabetização pelo sistema silábico (leia-se Caminho Suave e outras cartilhas) é que forma leitores lerdos, que ao ler um livro silenciosamente subvocalizam as palavras, ou seja, pronunciam mentalmente cada palavra lida, por isso fica uma leitura demorada e sem prazer.

O processo global, que põe a criança em contato com o texto de uso social (rótulo, bula, receita, textos literários, anúncios), sem aquelas frases bobas das cartilhas. O processo se dá como quem aprende a segunda língua, vai tentando adivinhar as palavras e o sentido do texto, permite a leitura gráfica do texto.

Esse processo é mais demorado. Às vezes, desespera os pais, mas quando a criança começa a ler, desabrocha de vez, realmente se torna uma leitora, porque ela não aprendeu a decifrar, como se fosse o raio lazer do aparelho que toca o CD. Ler não é decifrar.

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