Às vezes precisamos dizer o óbvio. Então, vamos lá:
somente a inteligência poderá nos salvar da miséria. Pronto,
está dito. E sigamos em frente: toda transformação política
e social se dá, de forma majoritária, na estrutura dos sistemas
econômicos. Sem mexer na ordem econômica, nada muda. Começo
assim esta reflexão também por um motivo óbvio. O debate
cultural brasileiro, a partir da gestão de Gilberto Gil no Ministério
da Cultura, vem sendo instigado pelas potencialidades da economia da cultura em
nosso país. Um setor que já ocupa 8% do Produto Interno Bruto Mundial.
No Brasil, a cultura sozinha gera 5% dos postos de trabalho e paga salários
acima da média nacional.
Convidado para facilitar uma mesa sobre cultura e economia criativa na II Conferência
Municipal de Cultura comecei a pensar sobre este conceito tão novo. Lembrei
logo de Monteiro Lobato que, em termos de criatividade empreendedora, foi um mestre.
Na década de trinta eram muito poucas as livrarias brasileiras. No entanto,
o escritor não se rendeu diante do desejo de ver sua obra distribuída
pelo Brasil. Então, conseguiu o endereço de mais de duas mil casas
comerciais. Eram mercearias, farmácias, armazéns e outros estabelecimentos.
Escreveu uma carta circular com a seguinte pergunta: "Você quer vender
também uma coisa chamada livro?" E assim começou a distribuir
sues livros para todo o país.
Portanto, as grandes redes de supermercado e as bancas de jornais que também
vendem livros, não estou fazendo outra coisa se não seguir os passos
de Lobato. Essa questão me veio na memória logo após o convite
da Fundação Cultural de João Pessoa, por uma questão
muito simples: como reagir diante de dificuldades tão imensas? Não
se trata apenas de expor um novo conceito de economia, mas de recolher idéias
que sejam absolutamente transformadoras. Como provocar, também, um debate
que não esteja somente guardado em propostas para uma conferência
estadual e outra nacional? Na verdade, interessa que a Conferência Municipal
de Cultura não apenas envie propostas. Sobretudo é preciso sacudir
a roseira e propor a permanência do debate local acerca das questões
que envolvem direta e indiretamente os interesses de artistas, produtores e demais
profissionais da área da cultura.
Antes de pesquisar o conceito, percebi que a provocação era bem
maior. Os artistas, setor majoritário nessas conferências, estariam
sendo provocados para uma ação transformadora da ordem econômica.
Principalmente pela certeza que não eram apenas os artistas que estavam
sendo provocados, mas setores ligados à cultura e até então
excluídos do debate econômico. Como se aos artistas apenas interessassem
as questões estéticas. Parti para uma breve pesquisa e descobri
outras obviedades. A proposta é muito mais ampla e o interesse não
é nenhum pouco corporativo. Os incautos que se liguem. O país busca
alternativas para a superação dos seus problemas neste início
de milênio. É preciso abandonar o lugar comum da competição
predatória marcada pela antropofagia capitalista. Desenvolvimento não
pode ser sinônimo de destruição. Ou seja: se trata de algo
que pode e precisa dialogar com idéias já estabelecidas de desenvolvimento
sustentável e economia solidária, por exemplo. Esta pode ser uma
das linhas do debate. A economia da cultura, portanto, passa a ser um dos principais
vetores de uma transgressão da lógica do capitalismo mundial.
Em relação á Economia Criativa propriamente dita, os conceitos
abundam. Dizem que tudo nasceu na Austrália no final dos anos 90 e se desenvolveu
de forma mais elaborada na Inglaterra do primeiro ministro Tony Blair. É
algo que se refere ao conhecimento e à produção intelectual
de um modo geral. Compreendi melhor quando li que escreveu o editor chefe do Business
Week, Stephen B. Shepard: "Assim como a moeda de troca das empresas do
Século XX eram os seus produtos físicos, a moeda das corporações
do Século XXI serão as idéias. A Economia Industrial está
rapidamente dando lugar à Economia da Criatividade. Vantagens competitivas
desfrutadas por grandes empresas no passado são agora totalmente disponíveis
para novas empresas em formação, graças à enorme disponibilidade
de capital e ao poder da Internet. Com a globalização ainda num
estágio recente, a Internet promete afetar as corporações
muito mais nos próximos 20 anos do que foi possível fazê-lo
nos últimos 5 anos. Nós não esperamos nada menos do que uma
transformação radical dessas organizações num cenário
em que a economia global privilegiará a criatividade, a inovação
e a velocidade."
Também um professor norte-americano chamado Richard Florida, da Universidade
de Carnegie Mellon, me chamou a atenção. Ele adota o conceito da
"Economia Criativa", abordando questões educacionais e sócio-culturais.
Mr. Florida desenvolve um conceito bastante amplo de Economia Criativa. Algo que
envolve todos os profissionais e setores que oferecem serviços baseados
no conhecimento. É isso ou deve ser isso que deverá nortear o debate
na Conferência e fora dela. Na verdade, a economia da cultura começa
a ficar robusta diante do fantasma da globalização. Aqui no Brasil
já é 5% do PIB. Um índice alto, mas que ao mesmo tempo nos
revela uma coisa também óbvia: onde está esse dinheiro? Por
que pensar a cultura somente a partir dos índices de governos? Qual o papel
das políticas de cultura na transformação social? Estamos
diante de um grande desafio, na verdade. Não há receita de bolo.
Estamos apenas preparando a massa.
Em última análise, voltamos a perceber o quanto Monteiro Lobato
era mesmo um visionário. Também neste período ele escreveu
o livro O Presidente Negro, prevendo que numa disputa entre um homem branco e
uma mulher branca, um negro seria presidente dos Estados Unidos. No mesmo romance,
ele já previa a transmissão de dados. Portanto, sigamos em frente!
Quem sabe não descobrimos mais coisas relendo "As Reinações
de Narizinho".)