Duas pragas se alastram na comunicação moderna. Uma é a
mentira crucial em dizer que alguém está numa reunião,
ao invés de dizer que não está, não quer receber
ligações ou visitas. A outra praga dilacera os ouvidos e o bom
português: gerundismo, mania de "estar falando" sempre em gerúndio.
Essa idéia "vem sendo espalhada" por telefonistas e atendentes.
Quem nunca ouviu alguma dessas atrocidades:
"O senhor pode estar respondendo a algumas perguntas? Pode estar confirmando
os seus dados, que eu vou estar debitando na sua conta corrente. Vou estar encaminhando
o seu pedido. Queira por gentileza estar aguardando que eu vou estar transferindo
a ligação para o departamento responsável. Estaremos retornando
a sua ligação..."
Parece-me que foi difundida a falsa impressão de status, para "estar-se
gabando de forma chique e exuberante". Não há nada de engraçado
em "estar agredindo" os ouvidos alheios. Dá uma vontade de
explodir e gritar no telefone que "não se deve estar falando"
desse jeito com ninguém "enquanto pessoa", "a nível
de" Brasil, quiçá do mundo "inteiro por completo",
todo ele.
O fato é que a maledicência lingüística saiu da orla
competente do telemarketing e ganhou as ruas, os comércios, a televisão,
os escritórios... Daqui alguns dias "vão estar chegando"
em nossas casas, preenchendo as linhas dos nossos livros e não mais vamos
dar conta de que estamos sendo sutilmente contaminados, até o patamar
irreversível.
O leitor já "deve estar se dando" conta do quão terrível
e lastimoso é o gerundismo. E já "deve estar sabendo"
que Ricardo Freire e outros colunistas já gastaram páginas e páginas
sobre o assunto. Pior mesmo é ser ludibriado pela frase "reunião".
Imagine a situação hipotética (Atenção! Todas
as situações imaginárias são hipotéticas!
Todas as coincidências são meras! Todos os enganos são ledos!
Cuidado com o pleonasmo repetitivo. Ahã! Todo pleonasmo é repetitivo!)
onde eu estava? Na situação hipotética, certo! Falta o
dois pontos, aqui vai: pronto! Eis a situação: você necessita
com urgência de um serviço prestado por uma pessoa de um escritório.
Suas ligações são constantes a ponto de o atendente "estar
reconhecendo" a sua voz. A pessoa sempre está em reunião.
Como todo bom consumidor é insistente, você passa a freqüentar
a sala de espera com determinada freqüência, tomando chás
de cadeira, que é bom pra paciência (rimando: até o limite
da anuência). Você estoura quando descobre que o tempo todo era
passado para trás. Nunca houve reunião e a pessoa "sempre
esteve entrando e saindo" pela porta dos fundos, com o especial propósito
de "estar lhe evitando".
A casa caiu (se for no chão é pleonasmo, se for gíria é
vício lingüístico!) e você faz um papelão (no
sentido figurado) com cara de bobo (não no sentido figurado). Para isso,
"vamos estar fazendo" um protesto contra essas duas pragas: a reunião
e o gerundismo. Agora, dê-me licença que tenho uma reunião!