A Garganta da Serpente
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Escritor de carteirinha e crachá

(Leonardo Teixeira)

Hoje, em plena modernidade da automação, tudo ficou na dependência de um diploma. Cada vez mais os brasileiros se formam com direito ao tão almejado canudo. Apesar de ainda figurar o Brasil no rol dos países com mais analfabetos funcionais: aqueles que lêem e não entendem ou não interpretam de forma correta. Mas hoje falo dos diplomados, do crescimento dos diplomados. Isso se justifica por ser o Brasil uma das muitas pátrias da burocracia consumista, fruto do subdesenvolvimento. Explico: estão enraizados os costumes tradicionais das filas, das papeladas e requisitos, formulários, certificados, diplomas, carteiras, cartas de recomendações ou referências, certidões negativas, e tantas outras exigências para se garantir um sustento para respirar a batalha na labuta do dia-a-dia.

Minha indignação de hoje é um fato antigo. No ano em que publiquei meu primeiro livro (1998), o deputado federal Antônio Carlos Pannunzio apresentou um projeto de lei (nº 4.641/98) dispondo sobre o exercício da profissão de escritor. O argumento é o fato de ser obrigatório o "diploma" de jornalismo para o exercício de profissão. Logo (pasmem!), escritor também deveria ser "diplomado" como escritor!

Em 2001, uma juíza de São Paulo suspendeu essa obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão, alegando que tal exigência "causa lesão à liberdade do exercício de profissão e à liberdade de expressão de pensamentos". Os sindicatos entraram com recurso e conseguiram reverter a situação, mas volta e meia alguém consegue se manter no exercício sem o diploma, por pura insistência.

Há dois anos participei do VI Encontro Nacional do Escritor, realizado em Goiânia, quando o escritor Mário Prata lançou o sonho de ver uma faculdade de escritores. Pois bem: sonho realizado para 2006. A PUC do Rio de Janeiro está oferecendo vagas para o seu mais novo curso, o Bacharelado de Produção Textual, o mais novo diploma de doutor escritor. Na verdade uma grande oficina literária diplomada.

O fato é que escrever é uma vocação nata que nunca se conclui, mesmo com anos de leitura e prática, com publicações das mais diversas, ainda assim continua o escritor sendo um aprendiz. Outro ponto importante, lembrado pelo escritor Antônio F. Borges, é que a literatura sempre "existiu à revelia de instituições escolares", o academicismo sempre foi pejorativo e na prática se firma como um conluio para prestigiar as vaidades e os egos dos amigos confrades. Contudo, ninguém nega a essência e a necessidade da educação, ao contrário. É por ela que se molda o sonho de até mesmo mudar um país.

Imaginem, por exemplo, Machado de Assis, João do Rio, Lima Barreto, João Cabral de Melo Neto e tantos outros, que jamais cursaram faculdade, serem impedidos de escrever, por faltar-lhes o diploma. A contradição é justamente essa, argumentando pela liberdade da profissão é que serão tolhidos os seus direitos. Daqui a pouco nos obrigarão a exibir a carteirinha e o crachá. Que falta de bom senso!

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