A Garganta da Serpente
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O que é Originalidade?
- breve ensaio -

(Leonardo de Magalhaens)

Pensando numa resposta, lembrei-me do escritor Deck Carmona ao mostrar-me um quadro em seu estúdio. Eu via uma praia e algumas pedras, golpeadas pelas ondas espumantes. Ele começou então a apontar umas figuras, uns vultos humanos, dos quais eu nada percebera.

Outro dia, um amigo começou a apontar umas construções, que ele só encontrara em meus textos e chegou a dizer que ali estava o meu toque, o que me fazia diferente.

Lembrei em seguida do poeta e bardo Leonel Ferreira, que - segundo as boas críticas - faz uma interessante fusão de Cruz e Sousa e Fernando Pessoa, associando formalismo e subconsciência, em descrições grotescas e líricas de sua poesia beatnik-simbolista.

Em todos estes casos podemos perceber traços do que ousaríamos denominar 'originalidade'. Algo antes não encontrado e que se manifesta nas obras em ebulição. Tenho conhecimento de vários 'work in progress', obras em esboços, que quando prontas assombrarão o mundo - isso se o autor tiver mídia suficiente.

Existe o caso da 'originalidade do olhar', ver, observar aspectos da realidade que ninguém antes percebeu - ou se percebeu, não soube expressar. Igualmente é perceptível a 'originalidade de criação', onde o autor cria algo diverso e nunca visto, fazendo brotar de sua espontaneidade efervescente o delírio do inefável - até que seja superado pelas novas gerações.

Outra originalidade é aquela que surge da influência ou até mesmo da paródia, mas ultrapassa os mestres, e o neófito está pronto para seguir o caminho próprio. Mais do que lembrar o mestre, o aprendiz 'original' o supera. Assim aceitar a influência (a 'angústia da influência') até estar apto a transcendê-la, na construção do estilo próprio.

Em todos os casos lembrados, existe um denominador comum: ter algo a dizer. Não algo a repetir, a perpetrar o mesmo.

Seja original na visão, na forma, na técnica, na paródia, na influência, o neófito só será reconhecido por suas próprias palavras. Se Whitman leu Emerson, não ficou só na admiração. Se Baudelaire admirava Poe, não ficou só na bajulação. O gênio se manifesta no superar, na ousadia de subir nos ombros dos mestres, de construir algo além da sombra da autoridade destes.

Assumir a influência é o primeiro passo. A muito tempo aceitei minha dívida para com Baudelaire, Poe, Whitman, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa. E, a partir daí, comecei a me livrar dos mesmos, até que o meu objetivo de criar a minha poesia seja alcançado.

Se percebemos Cruz e Sousa em Leonel Ferreira, ou Kafka em Rodrigo Starling, ou Hemingway nos contos de Deck Carmona., é como um indício de esperança, de que os autores encontrem a si mesmos a partir das influências que reconhecem.

Claro que existem ótimas paródias, ótimos discípulos - lembrando que Lovecraft nada seria sem Poe, e muito menos Ginsberg sem Whitman - mas vejo isso mais como uma exceção a regra - gente que conseguiu sobreviver à sombra dos grandes ciprestes, dos elevados mestres.

Daí insistir que ser 'original' (sim! Isto é possível!) é ser capaz de dizer algo de maneira própria - se destacando no mar de faces e na maré de mesmice.

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