Pensando numa resposta, lembrei-me do escritor Deck Carmona ao mostrar-me
um quadro em seu estúdio. Eu via uma praia e algumas pedras, golpeadas
pelas ondas espumantes. Ele começou então a apontar umas figuras,
uns vultos humanos, dos quais eu nada percebera.
Outro dia, um amigo começou a apontar umas construções, que
ele só encontrara em meus textos e chegou a dizer que ali estava o meu
toque, o que me fazia diferente.
Lembrei em seguida do poeta e bardo Leonel Ferreira, que - segundo as boas
críticas - faz uma interessante fusão de Cruz e Sousa e Fernando
Pessoa, associando formalismo e subconsciência, em descrições
grotescas e líricas de sua poesia beatnik-simbolista.
Em todos estes casos podemos perceber traços do que ousaríamos denominar
'originalidade'. Algo antes não encontrado e que se manifesta nas obras
em ebulição. Tenho conhecimento de vários 'work in progress',
obras em esboços, que quando prontas assombrarão o mundo - isso
se o autor tiver mídia suficiente.
Existe o caso da 'originalidade do olhar', ver, observar aspectos da realidade
que ninguém antes percebeu - ou se percebeu, não soube expressar.
Igualmente é perceptível a 'originalidade de criação',
onde o autor cria algo diverso e nunca visto, fazendo brotar de sua espontaneidade
efervescente o delírio do inefável - até que seja superado
pelas novas gerações.
Outra originalidade é aquela que surge da influência ou até
mesmo da paródia, mas ultrapassa os mestres, e o neófito está
pronto para seguir o caminho próprio. Mais do que lembrar o mestre, o aprendiz
'original' o supera. Assim aceitar a influência (a 'angústia da influência')
até estar apto a transcendê-la, na construção do estilo
próprio.
Em todos os casos lembrados, existe um denominador comum: ter algo a dizer. Não
algo a repetir, a perpetrar o mesmo.
Seja original na visão, na forma, na técnica, na paródia,
na influência, o neófito só será reconhecido por suas
próprias palavras. Se Whitman leu Emerson, não ficou
só na admiração. Se Baudelaire admirava Poe,
não ficou só na bajulação. O gênio se manifesta
no superar, na ousadia de subir nos ombros dos mestres, de construir algo além
da sombra da autoridade destes.
Assumir a influência é o primeiro passo. A muito tempo aceitei minha
dívida para com Baudelaire, Poe, Whitman, Augusto dos Anjos, Fernando
Pessoa. E, a partir daí, comecei a me livrar dos mesmos, até
que o meu objetivo de criar a minha poesia seja alcançado.
Se percebemos Cruz e Sousa em Leonel Ferreira, ou Kafka em
Rodrigo Starling, ou Hemingway nos contos de Deck Carmona.,
é como um indício de esperança, de que os autores encontrem
a si mesmos a partir das influências que reconhecem.
Claro que existem ótimas paródias, ótimos discípulos
- lembrando que Lovecraft nada seria sem Poe, e muito menos Ginsberg
sem Whitman - mas vejo isso mais como uma exceção a regra
- gente que conseguiu sobreviver à sombra dos grandes ciprestes, dos elevados
mestres.
Daí insistir que ser 'original' (sim! Isto é possível!) é
ser capaz de dizer algo de maneira própria - se destacando no mar de faces
e na maré de mesmice.