Não poderia deixar de escrever alguma nota acerca da denúncia
da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial sobre o livro "Caçadas
de Pedrinho", de Monteiro Lobato, um dos maiores autores de literatura
infantil brasileira, de que teria um cunho racista.
Precisamos avaliar com muito cuidado esse tipo de coisa, aqui no Brasil, para
não se criar um clima de rivalidade e instigar atitudes mais apaixonadas.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) deu parecer favorável
à denúncia e, segundo a Secretaria de Alfabetização
e Diversidade do MEC, a obra só deve ser usada "quando o professor
tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo
no Brasil". Ora, será que o MEC não confia nos professores
que credita?
O livro já foi distribuído pelo próprio MEC a colégios
de ensino fundamental pelo Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE)!
Publicado em 1933, o livro narra as aventuras da turma do Sítio do
Pica-pau Amarelo em busca de uma onça-pintada. Conforme o parecer
do CNE, o racismo estaria na abordagem da personagem "Tia Nastácia".
Um dos trechos que sustenta a argumentação do CNE diz: "Tia
Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma
macaca de carvão". Outro diz: Não é a toa que macacos
se parecem tanto com os homens. Só "dizem bobagens."
Para a autora do parecer - Nilma Lino Gomes - professora da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), o livro deve ser banido das escolas ou só poderá
ser adotado caso a obra seja acompanhada de nota sobre os "estudos atuais
e críticos que discutam a presença de estereótipos raciais
na literatura". Muito barulho...
Naturalmente, qualquer pessoa afro descendente pode se sentir magoada, se apontada
como macaco, carvão, urubu ou qualquer menção pejorativa
de sua cor. Contudo, há que se entender que o livro foi escrito num contexto
completamente diferente do de agora, e que tal situação fica clara
na leitura contextualizada do livro.
Se fôssemos censurar a leitura de todos os livros que ferissem minorias,
não se poderia conhecer a História! Livros sobre judeus, muçulmanos,
índios, ateus, evangélicos, orientais, todos seriam banidos. Não
se poderia estudar a Alemanha nazista, por exemplo, em sala de aula!
Entendo que o racismo de qualquer espécie não tem cabimento, é
um absurdo, mas precisamos tomar cuidado para não levarmos a coisa a
extremos perigosos, a atitudes revanchistas e separatistas, que só poriam
a perder todos os avanços sociais e legislativos que a população,
como um todo, vem alcançando, a duras penas, ao longo dos anos.
O retorno de qualquer tipo de censura fere a democracia e atropela obras atemporais,
como esta. Seria um retrocesso! E pior desigualdade é ainda termos milhares
de crianças sem acesso a obras literárias do nível das
de Monteiro Lobato.
Censurar Monteiro Lobato é como censurar nossa cultura, é como
censurar Macunaíma, Saci Pererê e tantos outros personagens riquíssimos
do nosso rincão.
Enquanto esses representantes pensam em censurar Monteiro Lobato e todo o seu
mundo de fantasia genuinamente brasileira, vemos nossos filhos serem massacrados
por uma mídia norte-americana recheada de violência, pornografia,
palavras de baixo calão, transformando crianças brasileiras em
escravos estúpidos da telinha, tenham a cor ou o credo que tiverem.
Não podemos permitir que afastem nossos filhos cada vez mais da inocência,
da decência, do conhecimento, da literatura e do ensino de qualidade.
Nossas escolas, ao contrário, deveriam introduzir toda a coleção
do Lobato no ensino fundamental, para que nossas crianças pudessem brincar
no Reino das Águas Claras e se sentirem acalentadas pelos conselhos
de Dona Benta e as reprimendas de Tia Nastácia.
Nossos Pedrinhos e Narizinhos merecem e agradecem.