Escrever sobre Anton Pavlovitch Tchekhov, o mais importante escritor da narrativa
ficcional do gênero conto de todos os tempos, poderia parecer pretensão
demasiada caso o ato de escrever sobre ele não se constituísse
em homenagem ao gênio da história curta, como de fato se constitui
esse preito.
Sendo assim, sinto-me à vontade para falar um pouco da sua vida e obra,
começando por L. N. Tolstoi, o grande literato russo autor do épico
Guerra e Paz, dos extraordinários romances Ana Karenina
e Ressurreição, e do excepcional conto A Morte de Ivan
Ilitch, que afirmou ter sido superado por Tchekhov como escritor na técnica
da ficção, e por ter ele criado novas formas de escrever.
A vida de Tchekhov pode ser contada com maior ênfase a partir dos sacrifícios
pelos quais passou quando criança, quando trabalhava por horas seguidas
no armazém de seu pai, dormindo pouco e vendo sua saúde debilitar-se.
Do seu pai, lembrava-se das noites em que obrigava aos seus filhos a participar
de cânticos e ofícios religiosos e da escravidão no armazém.
Até a idade de dezenove anos Anton Tchekhov viveu na cidade de Taganrog,
pacata localidade no sul da Rússia, onde nasceu no ano de 1860. Após
ter concluído o Liceu, mudou-se para Moscou, três anos depois que
sua família havia se mudado para a capital russa; aí passou a
morar com a família numa casa velha desprovida de qualquer conforto,
sem um único quarto, e localizada num dos bairros mais pobres da cidade.
Após ter obtido uma bolsa de estudos, Tchekhov matriculou-se na Faculdade
de Medicina, na qual se formou no ano de 1884, época em que passou a
sentir os primeiros sintomas de tuberculose pulmonar, que o levaria à
morte anos mais tarde. Além dos estudos e do trabalho em hospital, continuou
com sua atividade literária escrevendo histórias de humor, sob
pseudônimo, para diversas revistas humorísticas.
Tchekhov esforçava-se para ajudar na manutenção de sua
família, composta que era de quatro irmãos e uma irmã,
além dos seus genitores, trabalhando sempre às pressas. No período
de 1880 a 1884 escreveu cerca de trezentos textos, entre contos e novelas, dando
pouca atenção à qualidade dessas obras, já que a
sua preocupação estava voltada para o sustento da família.
No entanto, não demoraria a deixar essas revistas, que considerava atividade
de ocasião, e partiria para a grande literatura.
No ano de l886, Tchekhov recebeu uma carta de Dmitri Grigorovich, um dos mais
importantes escritores da Rússia, que o influenciou a ponto de conscientizá-lo
de que ele era um verdadeiro escritor, fazendo-o assumir essa condição,
embora nessa época já estivesse assinando seus textos com o seu
verdadeiro nome, que eram publicados na Gazeta de Petersburgo e na revista
Novos Tempos, dois importantes veículos de comunicação.
Em sua carta, Grigorovith dizia a Tchekhov: "Os atributos variados de seu
indiscutível talento, a verdade de suas análises psicológicas
a mestria de suas descrições (...) deram-me a convicção
de que está destinado a criar obras admiráveis e verdadeiramente
artísticas. E o senhor se tornará culpado de um grande pecado
moral, se não corresponder a essas esperanças. O que lhe falta
é estima por esse talento, tão raramente conhecido por um ser
humano. Pare de escrever demais. Deixe de produzir trabalhos com data marcada!
Desconheço suas condições materiais, caso sejam minguadas,
de preferência passe fome, como nós já o fizemos. Poupe
suas impressões para um trabalho bem apurado, que não se pode
escrever de chofre, mas, sim, nas horas felizes de calma e inspiração".
Além da influência de Grigorovith, também foi bastante influenciado
por Tolstoi, mas não levou muito tempo para que Tchekhov passasse a trilhar
o seu próprio caminho, como pode se ver pelos seus contos A Estepe,
O Colapso Nervoso, Uma Estória Aborrecida, que logo passaram
a ser apreciados pelos críticos e leitores da época, o que ainda
ocorre nos dias atuais.
A matéria prima para as suas criações, quando Tchekhov
já tinha plena consciência de sua importância para a arte
literária, originou-se, em grande parte, do convívio em hospitais
de Moscou e da sua periferia, com pessoas que viviam em estado de miserabilidade,
trespassadas de dores às quais tentava minimizar, e desprovidas de quaisquer
esperanças. Como médico nada recebia desses pacientes, mas, em
contrapartida, teve seu caráter fortalecido, além de ter tomado
consciência da insensatez e da indiferença dos governantes no tocante
à miséria humana, tema que se amalgamou à sua produção
literária.
Tchekhov também se dedicou às vítimas da epidemia de cólera
que assolou parte da Rússia no ano de 1892, epidemia que retornou em
1893. Um novo empreendimento o aguardava, a luta para denunciar os maus tratos
sofridos pelos condenados a trabalhos forçados no maior presídio
da Rússia, localizado na Ilha de Sacalina, onde colheu provas fotográficas
e entrevistou dezenas de prisioneiros que sofriam de maltrato físico
e psíquico. A partir de sua denúncia, que compungiu a sociedade
russa, o Governo passou a exercer forte fiscalização nesse presídio
da Sibéria.
O escritor continuou transportando para os seus contos e novelas toda a intensidade
do sofrimento das pessoas marginalizadas com as quais convivia, em especial
nas suas primeiras obras, com a experiência que teve com a peste e o empreendimento
realizado na Sibéria. Um dos exemplos é Enfermaria nº
6, conto extenso escrito em 1892; nele se sente com toda a intensidade,
de forma pungente, o requinte da crueldade que subjugava e dilacerava o homem
pela dor da carne e da alma.
Outro exemplo, o conto O Assassinato, escrito em 1895, no qual transparece
a dolorosa experiência vivida na Sibéria. Outros contos importantes,
Os camponeses e O vale foram resultados das experiências que teve
com o campesinato, narrando com força e realismo toda a miséria
e dificuldades pelas quais passavam os camponeses russos.
A obra de Tchekhov contém histórias de pessoas comuns da sociedade
russa, pessoas simples que viviam em Moscou, nas pequenas cidades e vilas camponesas;
cada uma dessas pessoas tinha, no dia-a-dia de suas vidas, que vencer uma luta
feroz contra as privações materiais que ameaçavam sua sobrevivência
nas cidades, nas vilas e nos campos, onde a miséria os rondava; essa
realidade foi, em grande parte, a matéria-prima de suas histórias.
Era tal o talento e o gosto de Tchekhov pelo conto e novela que nunca sentiu
necessidade e inspiração para produzir obra mais alentada, como
é o caso do romance; talvez Tchekhov tenha sido o único escritor
russo de escol que nunca escreveu um único romance; não o fez
simplesmente por ter seu interesse literário voltado para a narrativa
curta.
Contos, ao contrário, Tchekhov escreveu centenas deles, e com rara facilidade,
sobre quaisquer temas, passando dos contos mais extensos que poderiam ser tomados
por novelas, para os contos curtos e sintéticos, todos, no entanto, impregnados
do seu humanismo e do seu profundo sentimento de solidariedade para com os desafortunados.
Sobre a aristocracia, descreveu-a com o seu refinado estilo, como indolente
e ridícula por suas frivolidades.
Além dos contos de Tcheckhov que mencionei acima, dou realce ao livro
A Dama do Cachorrinho & Outros Contos, publicado pela Editora 34,
com tradução de Boris Schnaiderman. Nesse livro encontram-se publicados,
além de uma de suas obras primas, A Dama do Cachorrinho, mais
trinta e cinco contos, dentre eles, Nos banhos, Casa-se a cozinheira, Crime
premeditado, Aflição, Um dia no campo, Gente supérflua,
Ventoinha, Um caso clínico, Homem num estojo, Queridinha, etc.
Techekhov morreu em 1904, aos 44 anos de idade, em Badenweiler, Alemanha, distante
de sua Rússia. Passou os últimos momentos de vida com sua esposa,
a atriz Olga Knipper, sabendo que personagens e histórias por ele escritas
não morreriam, e que com eles continuaria a viver.