Os povos de origem latina costumam censurar nos anglo-saxões, especialmente
entre os ingleses, a economia de palavras, a reserva, o comportamento introspectivo,
numa palavra, a fleuma, a ponto de confundi-la com arrogância. Já
viajei de avião durante dez horas seguidas, sem escalas, numa poltrona
vizinha à de um destes cidadãos e não falamos absolutamente
nada um com o outro. Aliás, eu falei, sim - pedi-lhe uma caneta emprestada.
E ele me emprestou e até esboçou um leve sorriso, mas não
deu um pio.
Estes modos estão muito distantes daquilo a que chamamos falta de educação;
pelo contrário: aquele povo é um dos mais civilizados, corteses
e gentis do mundo inteiro. Nós, latinos, é que somos tagarelas.
Falamos pelos cotovelos sem nenhuma necessidade. Todos somos assim, embora alguns
sejam mais e outros menos. Italianos, mais do que franceses; portugueses, mais
do que espanhóis; brasileiros, mais do que argentinos. Trata-se apenas
de uma variação de intensidade. Nós, por exemplo, pronunciamos
à toa e quase intermitentemente: "Ô calor!"; "Que
frio!" Mesmo estando todas as outras pessoas a soprar as mãos ou
a se abanar.
Mas não fica por aí. Há sempre alguém disposto a
encompridar aquela conversa absolutamente inútil. "É, nesta
época do ano é sempre assim. Desde que me entendo por gente".
Dois ou mais passageiros subindo ou descendo num elevador, nunca se contentam
com um "bom dia, boa tarde, ou boa noite." "E aí, vão
passar o Reveillon aonde?" "Sei lá, cara; acho que em casa
mesmo. Tudo muito caro, a viol..." É tens razão. Boa romaria
faz quem em sua casa está em paz." Todavia, nunca acontece isto.
Geralmente no dia 31 de Dezembro põe-se a telefonar desesperado: "Como
não há mais mesas? Isto é um absurdo! Sou sócio
proprietário desta m.... há mais de dez anos e..."
"Como passaste o Carnaval, a Semana Santa, o feriadão?" O interlocutor
mais contido (ou mais aporrinhado do que os outros de tanto responder àquilo)
limita-se a um monossílabo: "Bem". Porém há aqueles
mais prolixos que só estavam esperando por esta deixa para iniciar a
sua fala. "Um horror! Hoje em dia, sair de casa só traz complicações.
A casa de praia ficou cheia de gente (que ele convidou). Ademais, a empregada
pediu folga exatamente naqueles dias." É neste momento que surgem
as associações e a conversa deixa de ser linear e toma um rumo
em ziguezague; uma autêntica fuga de idéias. "Depois que inventaram
esta história de carteira assinada para empregadas domésticas
o mundo mudou completamente. Elas se sentem como se fossem as patroas. Por falar
nisto, cadê a tua?" "A minha o quê? "A tua patroa,
claro." "Eu não tenho patroa, cara, trabalho por conta própria.
A propósito, ainda estás naquele mesmo emprego? Nunca tiraste
férias? Tira pelo menos um mês e vamos viajar; tu não tens
direito a milhas aéreas? Aproveita!" "O que são milhas
aéreas?" "Ah, quer dizer que não possuis cartão
de crédito?" "Possuía, sim; mas desde quando o clonaram...
Nem queiras saber o abacaxi que tive de descascar e ainda me vi obrigado a mandar
cancelar." "Pois é, pra ladrão não tem jeito
que dê jeito. Aliás..."
Porém, o mais irritante, o mais ridículo, o mais chato são
aqueles chavões que se ouve repetir a propósito de tudo e de nada
e, quando são pronunciados, você se vê no constrangimento
de ter que falar qualquer coisa sob pena de passar por mal educado. "Quem
procura, acha!" Sinto vontade de responder: "nem sempre; há
quinze anos perdi a minha aliança de casamento, procuro todos os dias
e até hoje ainda não achei". "Nada como um dia atrás
do outro". Que coisa mais imbecil, meu Deus; como poderia o dia de hoje
vir na frente do de amanhã? "Quem está na chuva é
pra se molhar". Isto quase nunca acontece. Só se a pessoa for maluca
ou então saiu de casa com o propósito de se banhar. Do contrário,
para que carregar aqueles trambolhos: capa, guarda-chuvas, galochas, e, se acaso
os tiver esquecido em casa, por que corre para debaixo de uma marquise se está
na chuva e a sua intenção não é outra se não
a de se molhar mesmo? "A única coisa certa nesta vida é a
morte". É mesmo? Pois vá confiando que em determinado mês
vão deixar de lhe cobrar a luz, o aluguel, o condomínio, a prestação,
o iptu, o imposto sobre o salário, digo melhor, sobre a renda!
Mas, não é somente isso, não. E aquilo que se fala quando
a verdadeira intenção é dizer exatamente o oposto? "Vá
agora, não. Tá cedo!" "Quando for a Cidadópolis
não deixe de me procurar: faço questão de hospedá-lo
na minha própria casa." Quando eu ainda tinha uns restos de ilusão
da minha juventude, tomei isto, certo dia, ao pé da letra e só
não fiquei dormindo debaixo de um viaduto por causa de um hotelzinho
cujo nome não recordo agora, mas parece que se chamava Nossa Senhora
de Copacabana. Que, pelo menos para mim, deveria se chamar de Nossa Senhora
de Copa Bacana, pois a diária era tão barata que o meu pobre dinheirinho
só dava para aquilo mesmo.