A Garganta da Serpente
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Da realidade dos concursos literários

(Rodrigo de Souza Leão)

"Tudo está no seu lugar/ Graças a Deus/Graças a Deus/
Não se esqueça de dizer: Graças a Deus/Graças a Deus"
.
Música popular

Que a realidade brasileira é dura, isso todos nós sabemos. Que as livrarias - mesmo com a proximidade do Natal - estão às moscas, creio que todo mundo sabe também. Creio que todo mundo sabe o que todo mundo sabe e ninguém sabe o que não sabe. Isto é o óbvio. Mas muita gente não vê nem o óbvio. O fato de o livro não ser um produto tão vendável assim - não me refiro ao livro infantil, que sempre vende -, torna o mercado para o novo autor um caminho difícil de se enfrentar.

As editoras não investem em lançamentos duvidosos. Elas só vêem o lucro certo. Naquilo que vai lhes dar o ganha-pão do imediato, do aqui e agora. Não vale a pena para uma editora investir no crescimento de um autor.

Este aqui e agora do mercado do lucro fácil desestabiliza toda a cadeia de produção que envolve o livro.

O primeiro influenciado é o autor, que deixa de mandar os originais e investe em concursos literários para publicar as suas obras.

Há diversos problemas nesta busca. Primeiro: qual concurso literário é o mais apropriado para o tipo de literatura que escreve este autor? De certo que a maioria dos concursos irá premiar obras que não enveredem para o caminho da invenção: claro que os primeiros lugares e as obras premiadas - na maioria das vezes - serão aquelas que chegam perto do quê a academia gosta, do quê as universidades gostam, do quê o main stream da literatura está acostumado a ler. Ou seja, tudo está aí para manter tudo como está no seu lugar, graças a Deus.

Qual a saída se encontramos um meio viciado neste tipo de avaliação literária, onde não se busca mais a novidade? Melhor que procurar, talvez fosse exigir certas coisas dos concursos literários. A primeira delas que se revelassem os nomes que compõem a banca de avaliação e a banca de premiação. É certo que se uma banca tem nomes como os de Alexei Bueno e Bruno Tolentino, o resultado será um. Se for composta por Joca Reiners Terron e Glauco Mattoso, o resultado será outro. Divulgar o nome da banca, deveria ser a primeira coisa que um concurso deveria fazer.

A segunda medida é a que se refere - numa fase de triagem - àquela hora em que está se separando o joio do trigo, o que apraz e o que não apraz à banca. Pelo menos nesta hora, que fosse feita uma seleção por computador por meio de disquete. Como não se divulga quem é a banca, uma primeira etapa via disquete resolveria o problema dos escritores que não têm secretária, nem dispõem de funcionários, tempo e dinheiro para tirar quinhentas cópias por concurso, para concorrer com apenas um trabalho. Todo o mundo já entrou na era da computação. Sei que é normal nesta área de concurso estarmos atrelados ao que o Brasil tem de mais antigo e atrasado. Mas temos que mudar.

Outra medida - esta alguns concursos já tomaram - é a de publicar uma antologia com os melhores trabalhos do concurso. O que acontece na maior parte dos casos é o seguinte: o concurso premia o fácil, depois não divulga o vencedor e nem a obra que venceu. O resultado é que não existe comparação. Não há como se saber se a sua obra está aquém ou além daquela que ganhou. Para que existem concursos então?

Se os concursos só premiam o óbvio e não servem como meio de divulgação, de que adianta para a literatura existirem concursos literários?

Premiar por premiar, vamos ajudar a uma instituição carente de recursos, que precisa muito mais do que qualquer escritor carente.

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