O poeta baiano e autor: Gregório Matos e Guerra mal esperou que
o Voltaire - François-Marie Arouet - completasse um ano de idade
para vir a falecer em 1695, no Recife. Duas personalidades marcantes no campo
do conhecimento humano, um baiano e o outro francês, que embora nascessem
em continentes díspares, um na América no Novo Mundo
recém descoberto, habitado por índios e colonizado por portugueses
indolentes e jesuítas oportunistas, com as suas superstições,
crendices, o seu catolicismo doentio, ortodoxo e medieval, onde vivíamos
ainda submissos à ira ferrenha e cruel dA História da Santa Inquisição,
com as suas fogueiras e dogmas intoleráveis, seus ritos seculares e mistérios
que ainda aconteciam na Bahia do tempo do Gregório de Matos e Guerra.
Mas do outro lado do oceano tivemos o nascimento do Voltaire nas terras da Europa,
precisamente na França/Paris no dia 21 de novembro de 1694. Era
filho de Francois Arouet que exercia o ofício de tabelião,
recebedor de multas na Câmara de Contas, a sua mãe chamava-se
Marguerite Daumard, descendente de uma família de Poitou
que possuía alguns recursos financeiros, assim como a família do
Gregório de Matos e Guerra que era proprietária de terras no Recôncavo
da Bahia, sendo o pai dele, o Gregório de Matos, um colonizador,
portanto detentor de cabedais, fazendas e escravos, conseguindo conseqüentemente
ver o seu filho formado e com o anel de doutor; todavia o velho François
Arouet, pai do Voltaire, fez de tudo para ver o mesmo formado em advogado,
pois vivendo num celeiro cultural que era a Europa, em particular a Paris
do seu tempo, que ofereceria ao seu filho todas as oportunidades, mas o esperançoso
pai não conseguiu ter a felicidade de ver o seu filho Voltaire usando um
anel de formatura.
Muita coisa já foi escrita sobre o Voltaire ao longo desses trezentos anos.
A literatura mundial não se cansa de estudá-lo e louvá-lo
como um dos grandes espíritos da sua época. Os seus livros
e escritos são traduzidos, estudados e difundidos por todo o mundo, sendo
referência constante e presença marcante no campo da literatura e
da filosofia universal, embora o próprio Voltaire detestasse ser chamado
de filósofo, porém teve o seu nome marcado como tal por toda
a posteridade. O mesmo não aconteceu com o Gregório de Matos e Guerra,
o qual, tão inteligente e universal quanto o Voltaire, praticamente renasceu
para a cultura brasileira, como cita o mestre Fernando da Rocha Perez ,
no ano de 1850, portanto cento e cinqüenta e seis anos depois da sua morte!
Um século e meio sepultado sob as terras ásperas, inóspitas
e quentes do Recife/PE, esquecido e abandonado pelos homens cultos da sua
terra, a Bahia, essa madrasta de tantas personalidades célebres
que não nasceram no seu solo, mas para aqui vieram e a adotaram como se
fosse a sua Mãe, a sua segunda pátria: Carybé, Hansen
Bahia, Pierre Verger, Jair Gramacho, Jenner Augusto etc., enquanto os baianos
autênticos e de fibra da Bahia foram escorraçados e expulsos do país
alcunhados de subversivos, tal como o próprio Gregório de Matos
e Guerra, o hoje laureado escritor e amigo Jorge Amado (1912-2001) que
depois de morto teve o seu nome esquecido pelas autoridades do seu próprio
estado, a Bahia, quando a fundação que ainda hoje leva o
seu nome, localizada no Largo do Pelourinho já arqueja decadente,
em franco estado de decomposição pela falta absoluta de recursos
para se manter, chegando ao ponto de vergonhosamente, para nós baianos,
a Família Amado ter de realizar um leilão dos objetos
do Jorge Amado
no Rio de Janeiro, como numa maneira absurda e de obter recursos, uma vez que
os governantes e demais autoridades políticas da Bahia pouco caso fazem
da Fundação Casa de Jorge Amado soerguer-se... ou não!
Na final do decênio de 1960, prelúdio da década iluminada
de 1970, também saíram do Brasil o Gil, Gilberto,
Caetano Veloso e outros expoentes máximos da cultura baiana contemporânea,
bem como o Glauber Rocha, entre outros, cujos nomes são melancolicamente
guardados nos limbos do esquecimento e do anonimato ou ainda no fundo de desconhecidas
sepulturas, vítimas submissas dos caprichos do GOLPE MILITAR DE 1964,
quando foi re-implantada mais uma vez a Ditadura no nosso país.
Sob o meu ponto de vista a ditadura se impôs na nossa terra desde o seu
pretenso descobrimento, em 1500, mantendo-se adormecida, ou despertada,
de acordo com as conveniências e alternâncias da nossa própria
e tumultuada História, travestindo-se nas vestimentas ilusórias
do oportunismo servil que manipula os desejos dos espíritos mais fracos
e enfraquece a fibra dos mais fortes. Existe um Livro Iniciático
que diz: "Nós somos apenas os átomos desse grande corpo
que se chama Humanidade. As calamidades do presente, não vencidas, são
o ônus terrível do futuro". Tanto o filósofo Voltaire
como o poeta Gregório de Matos sentiram na sua época as alternâncias
oportunistas da História. Foram expulsos do país, encarcerados,
desterrados, perseguidos e odiados pela classe dominante, tiveram livros proibidos
e queimados em praça pública, foram coagidos de todas as formas,
até a própria Igreja Católica os perseguiu com a simbólica
arma da Cruz, onde lá estava pregada a imagem de um Cristo distante e recruxificado
nas ignotas aldeias indígenas pelo Brasil afora por esses padres
pretensamente beatos que em si nada tinham de santos. No ano de 1964 a Ditadura
veio em forma de fuzil, lembrando-nos a Cuba do Fidel Castro (Leia
perfil do ditador Fidel Castro
) e os seus paredons poéticos e tenebrosos, onde o sangue dos inocentes
regava o solo ensolarado de Havana, enquanto o ditador cubano saboreava
o seu inseparável charuto, como no seu tempo o Stalin interrompia
uma sessão cinematográfica pela metade, indo até o pátio
para assistir ao fuzilamento de vários dos seus supostos inimigos,
para depois retornar à sala de projeção e assistir tranquilamente
ao resto do filme...
Após a implantação, pela força, do Regime Militar
de 1964, todo o universitário, intelectual, jornalistas como o Vladimir
Herzog (Informações sobre o caso Vladimir Herzog no Linha Direta
)
e o amigo, escritor, poeta e biógrafo baiano João Carlos Teixeira
Gomes ou mesmo o mais simples e modesto literato eram grotescamente rotulados
de Comunistas, bem como usavam toda a força dos seus cassetetes
e bombas de gás lacrimogêneo contra os valorosos integrantes do movimento
estudantil que há muito já incomodavam - com os seus ideais
e as suas idéias - os pretensos donos do poder. VIOLÊNCIA!
era a resposta covarde, imbecil e absurda das Forças Armadas, representando
o governo militar brasileiro, ao perseguirem e espancarem todos aqueles que não
aderiram aos seus costumes, usando da repressão política
intolerável e obscura. O historiador, poeta, escritor e arqueólogo
baiano Ivan Dórea Soares, até hoje advoga com muita propriedade
e gosto que os militares só conhecem a lei da caserna, dignificada
no chicote, na força bruta! Foram os reis dos espancamentos e das torturas
as mais humilhantes, que o digam aqueles que sobreviveram às suas garras.
Hoje o Brasil expõe ao seu próprio povo uma melancólica imagem
de um pretenso poder, cevado e ceifado por mil e uma roubalheiras e falcatruas
praticadas por suas autoridades maiores, as quais, escudadas no tapume infame
e apodrecido da impunidade que o poder transitório as empresta,
desrespeitam o que é do uso público, dilapidam o Estado, roubam
os cofres do Governo e praticam todo um rol de infâmias. Desde a nossa primeira
Constituição, em 1823, até a sua última edição
em 1988, nunca nenhuma delas foi sequer respeitada, os representantes maiores
da nação costuram-na com emendas, tais chagas de câncer,
que aos poucos vão realizando a sua silenciosa metástase
(tumor), correndo e enfraquecendo as forças do governo, que sucumbe
dramaticamente a olhos vistos...
No Brasil de 1964 os tanques de guerra saíram às ruas do país
não só para calarem, mas para liquidarem o seu povo, quando em 1789
já tinha acontecido na França a Revolução Francesa,
e o aguerrido/histórico povo francês invade as prisões, soltando
os intelectuais, idealistas, poetas, universitários, artistas, literatos
e todos reconquistaram as suas esperanças sob o lema justo e perfeito
da LIBERDADE:. IGUALDADE:. E FRATERNIDADE:. (Maçonaria),
escancarando as portas das prisões e a seguir quebrando os grilhões
que até então imobilizavam o espírito humano daquela época,
sendo promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen). Onze anos atrás
o Voltaire já tinha sido iniciado maçom precisamente em 7
de fevereiro de 1778, quando aconteceu uma das cerimônias mais bonitas e
concorridas para a história da Maçonaria daquele tempo, tendo o
filósofo francês conhecido a verdadeira luz na Loja Les
Neuf Soeurs, Paris, já octogenário, tendo a honra de ingressar
no Templo apoiado no braço de Ir:. Benjamin Franklin,
embaixador dos EUA na França naquela ocasião.
A sessão de Iniciação do Voltaire foi dirigida pelo
Venerável Mestre Ir:. Lalande na presença de 250 irmãos.
O venerável ancião, orgulho da Europa, filósofo maior
de todos os continentes, foi revestido com o avental maçônico que
pertenceu ao Ir:. Helvetius e que fora cedido justamente para aquela
ocasião, pela sua viúva deste último. Após a sua iniciação,
o Voltaire falece três meses depois. Este autor, embora não
esteja em Loja Maçónica e entre colunas, tem a satisfação
de futuramente fazer constar em prancha que em três meses o Voltaire
simbolicamente foi: Aprendiz, Companheiro e Mestre.
No Brasil, tanto profana ou maçonicamente, só depois de cento e
setenta e cinco anos se fez exatamente o contrário! Somente cem
anos depois da Revolução Francesa é que o Ir:.
Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República do Brasil,
quando a tomada da Bastilha já completava um século de acontecida!
Cem anos de inércia no nosso país o qual jazia imerso numa Monarquia
que como forma de governo já estava decadente e retrógrada,
onde anos mais tarde ainda ouviríamos dos sertões brasileiros o
clamor patológico do Antônio Conselheiro e os seus fanáticos
seguidores, precursores solitários da Coluna Miguel Costa-Prestes,
mais conhecida por Coluna Prestes que foi um movimento político-militar
brasileiro acontecido entre os anos 1925 e 1927 e ligado
ao tenentismo, pregando, entre outros, a insatisfação com
a República Velha, exigindo o voto secreto e defendendo o ensino
público. Na Europa o povo seguia os caminhos da evolução,
no Brasil se seguia os descaminhos da involução. O Ernesto "Che"
Guevara de La Serna, conhecido como Che Guevara foi morto na Bolívia
e dentro da sua mochila foi encontrado um livro de poesias intitulado Canto
general, da autoria do poeta chileno Pablo Neruda, velho amigo do escritor
baiano Jorge Amado nas suas andanças literárias pelas esquinas do
mundo! Quando eu ainda era novo, em 1972, nos meus vinte e um anos de idade fui
presenteado pelo meu primo, o jornalista José Carlos Menezes que
trabalhava no jornal Tribuna da Bahia, em Salvador, com um exemplar
do livro Canto General, do Pablo Neruda, que até hoje junto
com outros livros que tenho desse poeta chileno, como: Veinte poemas de amor
y una canción desesperada, Residencia en la tierra e Cem
Sonetos de Amor e também do poeta português Fernando Pessoa
- Obra poética e Prosa, adicionadas à Poesia Completa &
Prosa do Vinícius de Moraes e Navegação de
cabotagem, do Jorge Amado, são os meus livros de cabeceira. O Brasil
até hoje peca por ser um celeiro de cultura inútil e prima em continuar
a ser o país dos analfabetos, como bem reforça o poeta baiano Tom
Zé, o autêntico criador do Tropicalismo.
Na França, o Voltaire foi conhecido como sendo o defensor da liberdade
individual, tinha horror a quaisquer restrições ou cerceamentos
à liberdade de expressão ou de opinião e considerava que
entre as piores formas de repressão à liberdade, estava a de ordem
religiosa. O Voltaire lançava toda a sua ira e forças intelectuais
contra aquela Igreja que torturava e queimava vivos os homens inteligentes e gênios
da sua época, os quais contribuíram para a gloria de civilizações
inteiras através da sua ciência, do trabalho árduo/diuturno
da pesquisa e que em uníssono duvidavam e não aceitavam os pretensos
e absurdos dogmas religiosos. A Igreja já foi a maior força tirânica
e coercitiva do seu tempo. Antigamente o Papa não saía de
Roma e todos os cristãos para lá se dirigiam a fim reverenciá-lo.
Depois de uma série de abusos e de ter praticado vários atentados
culturais e morais contra a Humanidade, entre elas a pena de morte sob tortura,
queima de homens e mulheres em fogueiras nas praças públicas sem
nenhuma justificativa plausível, a Igreja se distancia do seu rebanho,
ou melhor, o povo foge da Igreja como o próprio Diabo foge da cruz! O que
assistimos hoje é uma Igreja já em plena fase de decadência,
mais voltada às artimanhas políticas e afastada de Deus. Uma Igreja
que há anos atrás condenou veementemente o brasileiro Leonardo
Boff quando este criou no nosso país a Teologia da Libertação,
na década de 1970, espalhando-a na América Latina,
dirigindo as suas determinações e orientações às
Comunidades Eclesiais de Base (CEB, os seus ensinamentos foram rejeitados
pelo Vaticano. Com a chegada da década perdida de 1980, com a sociedade
supostamente redemocratizada, com a queda do muro de Berlim e o colapso das esquerdas,
a Teologia da Libertação perde sua linha sua combatividade
política e social, tendo a própria Igreja excomungado o padre Leonardo
Boff, assim como há séculos excomungou o Voltaire, sem não
nos esquecermos de que na década de 1980 um padre neurótico da cidade
de Amélia Rodrigues, interior da Bahia, excomungou também
o meu irmão, João Manoel Bahia Menezes, depois dele ter aplicado
um violento soco no rosto desse padre, prostrando-o desacordado, quando o citado
clérigo veio agredi-lo em público, pelo simples fato do João
estar cantando com alguns amigos numa roda de samba no "Bar de
Amélia", que ficava próximo à Igreja o conhecido
refrão popular:
"ele tá de olho é na b_ _ _ _ _ dela!
ele tá de olho é na b_ _ _ _ _ dela!"
O que assistimos hoje é um Papa com poderes de Primeiro Ministro
ou Chefe de Estado, ditando normas seculares obtusas para cardeais caducos,
bispos aveadados e padres pedófilos que proliferam tais ervas - daninhas
pelos interiores das sacristias mal iluminadas das inúmeras Igrejas espalhadas
pelo mundo. Infelizmente é desta maneira que está representada a
imagem do Jesus Cristo pelos quadrantes da terra, através de uma
Igreja esfacelada e obscura como nos idos tenebrosos da Idade Média.
Assim como o poeta baiano Gregório de Matos e Guerra, também o Voltaire
foi muito perseguido por causa das suas sátiras e críticas virulentas
não só contra a Igreja Católica, como também
à classe política, reis e autoridades de ocasião. Possuidores
de uma verve e mordacidade felinas, com um dito espirituoso sempre presente na
ponta dos lábios, manifestando as suas arrogâncias e desrespeitos
aos representantes intolerantes do poder, tanto o Gregório de Matos e Guerra
como o Voltaire eram sempre encarcerados ou degredados, tendo o Voltaire sido
preso na Bastilha por causa de uma das suas sátiras, onde passou três
anos na cadeia, aproveitando a sua estadia no cárcere para escrever as
Cartas Inglesas, de cunho filosófico, que expunham no seu conteúdo
as idéias do Sir Isaac Newton (1642-1727) e do John Locke
(1632-1704, que o próprio Voltaire considerava os gênios do seu
tempo.
O Iluminismo, ponto alto da revolução intelectual no campo
da filosofia, se iniciou na Inglaterra lá pelos idos de 1680, abrindo os
seus tentáculos por toda a Europa e trazendo mais tarde as suas influências
até a América. Todavia, a força máxima desse movimento
ocorreu na França, no tempo do Voltaire, quando podemos com segurança
citar que poucos movimentos ocorridos na história cultural da Europa tiveram
efeitos tão incisivos no sentido de moldar os pensamentos dos homens, bem
como redirecionar o curso das suas ações. A sua inspiração
adveio, principalmente, do racionalismo do René Descartes (1596-1650),
do Bento de Espinosa (1632-1672) e do Thomas Hobbes (1588-1679),
porém os autênticos fundadores do movimento foram o Sir Isaac
Newton (1642-1727) e o John Locke (1632-1704), embora o Sir Isaac Newton
não tenha sido um filósofo, na acepção justa da palavra,
a sua obra teve a maior significação para a história do pensamento.
Uma das suas maiores leis científicas inquestionáveis, aplicável
até os dias de hoje a todos os sistemas conhecidos no universo, é
aquela que aprendemos no antigo Curso Científico, que diz: "cada
partícula da matéria no universo atrai outra partícula com
uma força inversamente proporcional ao quadrado da distância entre
elas e diretamente proporcional ao produto de suas massas", lei válida
não somente ao planeta Terra, mas aplicável - como já
dissemos - a todo o Sistema Solar .
Quanto ao John Locke, o outro fundador do Iluminismo, ele nos apresenta
a rejeição à doutrina cartesiana das idéias inatas
e nos explica que todo o conhecimento do homem tem a sua origem na percepção
sensorial - teoria conhecida como Sensualismo - que explicita que a mente
humana, ao nascer, é absolutamente virgem, um papel em branco onde
nada se encontra registrado - nem mesmo a idéia de Deus existe e muito
menos quaisquer noções de certou ou errado, bem ou mal! A partir
do momento que a criança nasce, já começa a ter as suas próprias
experiências através dos órgãos dos seus sentidos,
quando são registradas no seu intelecto as origens das coisas. As idéias
simples são expostas pela percepção sensorial e necessitam
ser integradas e fundidas em idéias complexas. A função única
do entendimento é a de combinar, coordenar e organizar as impressões
recebidas dos sentidos para em seguida estabelecer um conjunto prático
de uma verdade geral. Aí predominam tanto a sensação como
a razão: a primeira para fornecer ao espírito a matéria-prima
do conhecimento e a segunda, para trabalhá-la, retirando-lhe o molde original
e mostrando o seu acabamento final, verdadeiro. Foi justamente a combinação
entre o sensualismo e o racionalismo que constituiu os pressupostos
básicos da filosofia do Iluminismo, no qual, o Voltaire teve um
preponderante papel.
Nascido na burguesia, como já citamos no início do presente
ensaio, o Voltaire desde muito cedo demonstrava o gosto pelas obras satíricas
e se via metido freqüentemente em situações esdrúxulas
e burlescas. A exemplo do poeta baiano Gregório de Matos e Guerra, parodiando
ainda o também vate baiano Cuíca de Santo Amaro - poeta urbano
muito admirado pelo meu pai, Joaquim Cunha Menezes, nas ruas românticas
e bucólicas da sempre barroca Santo Amaro da Purificação,
município do interior da Bahia, ou mesmo em Salvador, no interior dos antigos
bondes ou na porta do Elevador Lacerda cartão postal da cidade
onde fazia ponto, a escandir e a maldizer das autoridades locais, principalmente
os políticos da época etc. Ressaltamos que o Voltaire tinha a mesma
natureza dos mencionados poetas baianos, carregada dentro de si o dom de ridicularizar
e satirizar as personalidades do clero, da política e da alta sociedade,
se envolvendo em situações embaraçosas e quixotescas, levando-o
inúmeras vezes à cadeia, como por exemplo em 1716, quando é
exilado em Sully-sur-Leine. No ano seguinte é encarcerado na Bastilha
por três anos; em 1726 retorna mais uma vez à Bastilha e em
seguida segue em exílio para a Inglaterra. No ano de 1734 é
expedido um mandado de captura em seu nome, tendo em vista a publicação
das Cartas Inglesas e o conseqüente escândalo em torno delas,
quando mais adiante é acusado de sacrílego etc.
Assim como o escritor Jorge Amado nos tempos do Estado Novo (1937-1945),
no Brasil, quando a Ditadura Vargas estendia as suas garras tenebrosas contra
os intelectuais de então, nem nunca esquecer-mo-nos do Graciliano Ramos,
o Voltaire no seu tempo também foi taxado de subversivo e teve os seus
trabalhos queimados na fogueira, assim como no Brasil do Getúlio Vargas
foram queimados livros do Graciliano Ramos e do Jorge Amado que escreveram
livros maravilhosos, tais como: Angústia, Memórias do Cárcere,
Os subterrâneos da liberdade, O Cavaleiro da Esperança e outros
que se transformaram logo depois em autênticos baluartes não só
da Literatura Brasileira como da própria expressão da Liberdade
para as gerações vindouras. Para mim, a maior falta de caráter
do ditador Getúlio Vargas foi mandar prender e seviciar a Olga Benário
(1908-1942), companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes,
para depois entregá-la de maneira submissa e vil às forças
alemãs. Nascida Olga Gutmann Benario, foi militante comunista natural
da Alemanha, de origem judaica, entregue pela ditadura do então
ditador brasileiro e futuro suicida Getúlio Vargas, para ser morta pelo
regime nazista em campo de concentração. Sua chegada
no Brasil aconteceu na década de 1930, quando para cá foi escalada
pela Internacional Comunista, "Comintern" ,a fim de apoiar
o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Paradoxalmente veio com a missão
de ser a guarda-costa do Luiz Carlos Prestes todavia transformou-se
na sua companheira, com quem teve uma filha de nome Anita Leocádia Prestes.
Dando sequência à sua via crucis, o Voltaire no ano de 1752 se envolvem
em acirrada polêmica e tem que abandonar a Prússia, se dirigindo
à Paris mas não pode entrar na sua cidade natal, tendo que ir buscar
refúgio em Genebra, onde escreveu: Le Siècle de Louis XIV, Zadig
ou o destino, Cândido ou o otimismo, Ensaio Sobre os Costumes e o Espírito
das Nações que foram consideradas as suas maiores obras históricas.
O Voltaire foi introduzido nos círculos literários de Paris através
do seu padrinho, o Abade de Châteaunef , logo depois de completar
o curso colegial quando se torna pagem do Marquês de Châteaunef
numa missão diplomática na Holanda, ressaltando que o seu
pseudônimo Voltaire já ocupava lugar de destaque entre os poetas
satíricos e galantes dos saraus literários d então, ocasião
em que escreve o poema épico La Henriade, em homenagem ao Henrique
IV de França (1553-1610) e uma peça intitulada Édipo.
Dois anos mais tarde é preso e encarcerado na Bastilha por ter escrito
contra o Regente, Duque de Órleans. Ja nessa ocasião, a exemplo
do Gregório de Mattos e Guerra, o Voltaire já escrevia contra a
Bíblia e os padres, satirizando os apóstolos e mais uma peripécia
contra as autoridades força-o a solicitar exílio em Londres, quando
tem a oportunidade de conhecer os escritores Jonathan Swift, Edward Young
e Alexander Pope, além dos filósofos Berkeley e Samuel
Clarck. Ao retornar à França o Voltaire escreveu e dirigiu as
peças Brutus (1731) e Zaire (1732), escrevendo ainda em 1731 a História
de Charles XII. Sem esquecer a linha filosófica dos seus escitos, o
Voltaire também escreveu contos e novelas satíricas como por exemplo
Zadig ou o Destino - História Oriental, Memmon ou a Sabedoria Humana,
Micrômegas, Poème sur le désastre de Lisbonne, Histoire d'un
bon bramin, Jeannot et Colin, Le monde comme il va, Histoire des voyages de Scarmentado
écrite par lui-même e outros trabalhos de cunho humorístico
e moral, os quais hoje reluzem como obras primas da literatura mundial.
Volto à falar das Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas,
escritas pelo Voltaire, publicadas em 1734, quando nessa ocasião foi expedido
um mandado de busca e captura do mesmo, sendo as referidas cartas malditas e condenadas
à fogueira, levando o Voltaire a buscar refúgio no Castelo de Curey,
de propriedade da Emile de Breteuil, Marquesa de Chatelet, oportunidade
que aproveita para escrever trabalhos como: Alzire, Mérope, O Filho
Pródigo, Le Fanatisme ou Mahomet, Les lettres de Memmius e outros.
Somente anos depois já em situação política adversa,
completamente a seu favor e ainda sob a proteção da Madame Pompadour,
favorita de Luiz XV, é que o Voltaire acaba sendo nomeado Historiógrafo
Real e no ano de 1746 é eleito para a Academia Francesa, já
aos 52 anos de idade. Três anos mais tarde falece a Emile de Breteuil
e o Voltaire segue para Postdan, no Reino da Prússia,
a convite do Frederico II da Prússia (1712-1786) - terceiro Rei
da Prússia e lá cercado de intelectuais, elabora sozinho o Dictionnaire
Philosophique portatif. Porém, parodiando o poeta seiscensita baiano
Gregório de Mattos e Guerra, novamente o Voltaire se envolve em novas polêmicas
e escândalos sendo forçado, em 1752, a fugir desabaladamente da Prússia
e ao mesmo tempo em que era proibido de retornar a Paris - como o Gregório
de Mattos e Guerra na sua época fora proibido de retornar à Bahia,
depois de cumprir degredo em Angola/Luanda - porém o Voltaire consegue
asilo em Genebra e continua a escrever febrilmente, além das obras
históricas já o tinham notabilizado, lavra também os seguintes
livros: Essai sur les murs et l'esprit des Nations, Le Caffé ou
l'Ecossaise, Le Philosophe ignorant, Ensaio Sobre os Costumes e o Le Siècle
de Louis XIV e ainda escreve um Tratado Sobre a Tolerância em
1763, exatamente dois anos após ser acusado de sacrílego pela Igreja,
brotam da sua lavra também L'ingénu e O Homem de Quarenta
Escudos, escritos em 1767.
Interessante é que exatamente depois de duzentos anos do Voltaire ter escrito
L'ingénu e O Homem de Quarenta Escudos é que o Caetano
Veloso, compositor baiano nascido em Santo Amaro da Purificação,
situado no Recôncavo da Bahia, no dia 07 de agosto de 1942, grava o seu
primeiro LP sob o título de Domingo em parceria com a Gal Costa
e interpretando a música Alegria, Alegria consegue o quarto lugar
em um dos festivais da MPB transmitido pelo Rede Record e como suposto
militante político, deixou gravado na nossa memória e para a recente
História Política Brasileira o antológico discurso pronunciado
sob vaias e gritos estridentes, ao interpretar a música É Proibido
Proibir no 3º Festival Internacional da Canção (TV
Globo, nas dependências do Teatro da Universidade Católica
de São Paulo, no dia 15 de setembro de 1968, vésperas do aniversário
da Dona Canôzinha Velloso, que no dia seguinte faria 61 anos de idade.
Ainda no ano de 1967, o Caetano conhece o Augusto de Campos e a Poesia
Concreta que no entanto já era uma velha conhecida do poeta neo-concretista
baiano Aroldinho Cajazeiras e do meu querido poeta e arquiteto tridimensional
Almandrade . No dia 21 de novembro de 1967, após 273 anos exatos
do nascimento do filósofo Voltaire, o Caetano Veloso casa-se com a Dedé
Gadelha. Depois ele se casaria com a Paula Lavigne e com mais outras
que se lhe dê na telha, apesar da poetisa Mabel Velloso, - encarnação
viva da poetisa baiana e também santamarense Amélia Rodrigues
na Terra - já ter há mais de trinta anos atrás me dito que
o Caetano Veloso gosta de ler e de reler as Obras Completas do Gregório
de Mattos, organizada pelo James Amado no final da década de
1960, embora não me conste que o Caetano tenha lido alguma vez o Voltaire.