Meninos, eu estava lá e vi com estes olhos que brilham por qualquer iniciativa
que promova a literatura neste país de cultura Severino. E este coração
de poeta sobrevivente do poetariado bateu mais forte com a pujança, a
diversidade e a linha pop adotada pela Bienal de Livros do Rio de Janeiro, que
terminou domingo agora.
Gostei especialmente, mais que a tonelada de livros oferecidos, dos eventos
culturais, ocorrendo todo dia, a toda hora, onde as estrelas seriam os escritores.
Êpa, escrevi seriam? Escrevi certo.
As grandes estrelas desta Bienal foram...as estrelas da televisão!
Onde elas apareciam (e apareciam todo dia) esvaziavam as sessões de autógrafos
e os encontros dos escritores, importantes ou não.
Tudo bem que, e pela ótica do show-business está correto, um escritor
francês convidado como o primeiro a enfrentar o público teve de
interromper sua palestra para 22 gatos pingados porque...o pessoal do Casseta&Planeta
chegou ao lado.
Até globais penaram: Pedro Bial esvaziou metade do auditório porque...
estava tentando falar sério.
Armando Nogueira discorria sobre Nélson Rodrigues e provocou gritos histéricos.
Mas o entusiasmo não era por sua palestra: é que chegou a comediante
Heloísa Perissé.
Vários escritores de fora da telinha simplesmente desistiram de autografar
ou conversar porque não dava para competir com um Jean Willys, do Big
Brother, assinando para uma fila de 600 pessoas.
Aliás, na quinta-feira, final da tarde, pensei por um momento que a bandidagem
carioca invadira o Rio Centro, pois os stands se esvaziaram subitamente, com
as pessoas correndo e gritando.
Ufa, ainda bem que eram apenas os meninos bonitinhos do seriadinho Malhação
chegando.
Para ser honesto, a única escritora que vi competir com a agora também
beletrista, a loira Eliana, em atrair o público, foi a francesa Lolita
com suas roupas de griffe, corpinho de ninfeta, e declarações
altamente intelectuais como "bem que gostaria de morar com um traficante
numa favela do Rio."
Claro que um mega evento como essa Bienal do Rio tem condições
de se corrigir para o futuro.
Uma providencia simples seria espalhar a Bienal para vários cantos charmosos
do charmoso balneário: encontros com escritores ficam melhores, já
que mais intimistas, em cafés literários, bares boêmios
da Lapa, auditórios da Lagoa Rodrigues de Freitas etc.
Ao menos quem comparecer é porque quer algo mais que um autógrafo
e um beijinho de um rostinho do plim-plim.
E também pouparia do susto que é a viagem para o Rio Centro com
seus freqüentes arrastões e policiais mal-encarados.
Também simples seria dar algo mais que a esmolinha de 3 reais para os
estudantes visitarem a Bienal e poderem comprar um livro que preste, e não
gibizinhos travestidos de livrecos.
Quanto a isso, porém, tenho minhas dúvidas: não é
em prestigiar esse tipo de garotinhos que o governo parece interessado.
Finalmente, aproveitando seu público de mais de 600 mil potenciais leitores,
a Bienal do Rio poderia tranqüilamente se dividir em duas na próxima
vez:
Uma, a bienal do plim-plim e outra para os escritores sem plim-plim.
Mesmo que a primeira arrebate 599 mil pessoas, ainda sobrariam mil para interessados
de verdade em literatura.
Aí os golias da televisão teriam sua ruidosa festa de celebridades,
como sempre, e os davis da letra-de-forma, na falta de corpinhos sarados e bundinhas
siliconadas, poderiam exibir sua beleza intelectual, sem atropelos.
Separar o joio do trigo, que tal? Quase que disse o Jô do trigo, mas aí
seria maldade porque o Jô é a única exceção
que não faria feio numa bienal de livros, com ou sem plim-plim.
(São Paulo, 23 maio de 2005)