Douglas Maurício Zunino nasceu no município portuário
de Itajaí, porém migrou para Blumenau aos cinco meses de idade,
nos braços de uma senhora de 54 anos que viria a ser sua mãe adotiva.
Filho de pais desconhecidos, Zunino só tomou consciência do fato
quando foi matriculado na escola, momento em que se fez necessário seu
registro civil. Assim, considera-se blumenauense, e ainda que Itajaí
se anuncie em alguns dos seus poemas, como quando o poeta diz Minha
velha Itajaí / Quanto tempo custou a / reencontrar-te! / Mais de 30 anos!
/ Como andei órfão de ti! (Ode a Itajaí
e ao mundo, In. Reversos inversus, 1993), são as ruas
e os morros de Blumenau o cenário do homem que começa a se construir
poeta depois de ler Maiakovski (1893-1930) e escrever, em 1982, a Confissão
de um poeta marginal (publicado no livro Tatuagens, de 2004).
Em Peregrino do mesmo lugar o poeta indaga, O que seria
de mim / sem essas montanhas? / Esse eterno subir / e descer? / Essas curvas?
(Na curva do rio, 2002), numa clara alusão à geografia
da cidade em que compôs sua biografia e a qual dedicou os versos Minha
cidadela / Minha utopia / Tuas ruas / estão em minhas veias
(Cidadela, 2006). E é justamente o ponto nevrálgico
da malha urbana blumenauense, a Rua XV de Novembro, que o poeta reconhece como
sendo seu abrigo e sobre a qual escreve: Sinto a alma / dos teus nervos
/ Infinito repartido / Por isso, / me tens / em ti / Só pelo prazer /
de te ver / Só pelo prazer / de ser / Teu (Rua XV,
In. A motocicleta azul, 2009).
Figura folclórica da cultura blumenauense, Zunino carrega consigo a
identidade da poesia marginal, fato que estigmatiza e simplifica sua produção
literária. Qualquer leitura de sua obra implica, inicialmente, no reconhecimento
de duas fases: a primeira, esta sim carregada da estética marginal, em
que o poeta se insere na cena intelectual, produz fanzines, contribui com a
fundação da Associação dos Poetas Independentes
de Blumenau, publica os primeiros livretos vendidos de mão em
mão pelo próprio autor e se completa com a publicação
de Essa palavra (1999), uma espécie de antologia da sua obra
em livretos; e a segunda, com a publicação dos livros propriamente
ditos e com uma estética mais formal e lírica, cuja temática
está centrada na memória, no inventário da sua opção
de sobreviver poeta, no diálogo com a vida urbana e numa visão
crua e desesperançada da realidade, como no poema Rostos:
Somos rostos / cansados / Somos rostos / marcados / Somos rostos /
magoados / Macerados / Somos rostos / curvados / Somos rostos / ocos / Somos
rostos / duros / de desgosto (A motocicleta azul, 2009).
O primeiro título de Douglas Zunino é Hemisférios,
publicado em 1992 em co-autoria com Nassau de Souza. Depois vieram os livretos
Reversos inversus (1993), Inversus diversus (1994),
Diversos universos (1996), Nada disso (1996) e Prónomes
Próemas (1997). Se há um elemento que costura uma
certa unidade a esses títulos, este está no caráter experimental
da linguagem. Um experimentalismo tardio, é verdade, já que Zunino
explora, na década de 1990, estéticas poéticas que tiveram
seu auge no Brasil principalmente durante a ditadura militar brasileira. É
uma mescla de poesia marginal, concreta e visual que encontra seu momento de
maior radicalidade em Diversos universos (1993), onde a palavra
é quase que totalmente suprimida, e em seu lugar encontramos ilustrações
de olhos e sinais de pontuação. A respeito desse livreto, declarou-nos
o poeta em entrevista de 2008: Resolvi radicalizar (...) e fazer um livro
totalmente visual, para experimentar como é que seria. Eu era experimental
mesmo, até o fim! E saí vendendo esse livro! Foi quando quase
apanhei, de novo! Porque vender um livro sem palavras foi pra acabar.
(...) Mas eu queria ir até certo limite. E essa experiência foi
legal porque aprendi uma coisa: que a poesia de vanguarda, experimental, não
leva muito em conta a sociedade e a palavra. Porque a sociedade se organiza
em torno da palavra. Então, quando fiz um livro sem palavras, entrei
em conflito com o social e tirei uma reflexão de tudo isso: a de que
a palavra é importante. A comunicação só é
possível através da palavra. E a sociedade é importante
para mim, para o artista. Foi dentro dessa experiência que fui voltando
para a poesia marginal, no sentido de transmitir, de comunicar mesmo.
É neste retorno à palavra, e da necessidade de dialogar com a
sociedade, que Douglas Zunino escreve, em Nada disso (1996) poemas
breves, porém de grande intensidade, tais como Reiventar o mundo
/ e a humanidade / Reiventar o tempo, / e quem sabe / a eternidade?,
e o metaliterário Escrever é pintar / Uma linha reta
/ numa palavra torta / A palavra certa / Numa letra morta. Mas é
em Essa palavra (1999) que encontramos uma das sentenças
mais conhecidas do poeta, verdadeira profissão de fé: Só
uma sentença na cabeça: os diferentes fazem a diferença.
A partir de Na curva do rio (2002) o encontro com a palavra é
definitivo, e percebemos um poeta até certo ponto nostálgico,
construindo-se na memória, lançando mão de poemas mais
longos, linguagem coloquial e versos muitas vezes telegráficos: Ah,
se esta rua / se esta rua / fosse minha / eu não mandava / eu não
mandava / asfaltar! (Areias, In. Na curva do rio).
Também a reflexão sobre a pertinência do fazer poético
e a percepção da poesia enquanto necessidade vital tomam força
na obra de Zunino. Ainda em Na curva do rio podemos ler os versos
de A fábula do morro do aipim, que dizem: Ela apontou
o dedo / e disse então: / Essas são as palavras! / São
irrequietas e muito / difíceis de pegar! / Teu outro destino / é
correr atrás delas!; e em Tatuagens (2004)
o poeta escreve: um dia / tentei viver / de brisa / não deu
/ a brisa passava / e eu não comia // depois / de águas paradas
/ tentei sobreviver / de poesia // a brisa / como a vida / passa batida / a
gente nem sente // a poesia já nasce / sobrevivida / sobre a vida / sobrevivente
(poema Uma mesa posta Uma resposta).
Em A motocicleta azul (2009), o mais recente título do autor,
os versos tornam-se ainda mais telegráficos, e o mergulho do poeta em
sua memória dá a sua literatura um caráter ainda mais universal,
como é o caso do poema Do outro lado da ponte, com cujo trecho
final, de excepcional beleza, queremos concluir este breve ensaio: Mas
um dia / eu tive / que atravessar / a ponte / A inominável / ponte, /
para ir à escola / E deixei o quintal / onde brincava / de Tarzan / Naquele
pequeno / quadrado de mato / que descia / até o rio / Não era
mais / o rei das selvas / Eu me sentia / ridículo / com aquela / lancheira
/ pendurada / em volta / do pescoço / Minha mãe / queria atravessar
/ a rua / de mão dada / comigo / Não deixei / Atravessei / sozinho
/ Do outro lado / acenei-lhe / Que estava / tudo bem / Que eu iria / me comportar
/ Promessa / não cumprida / Mal sabia ela / que eu iria / sofrer muito
/ Um pobretão / num colégio / de riquinhos / E iria brigar / muito....