Certa vez, visitando a casa de um parente, deparei com o livro "A República",
de Platão, sobre uma mesinha de canto na sala de visitas. Uma satisfação
invadiu minha alma naquele momento, achando que estava numa casa de um leitor
de peso. Logo, perguntei quem estava lendo Platão e a resposta do primo
foi curta: - Ninguém. Quis saber o que fazia aquele livro naquele lugar.
A esposa dele foi eufórica: - Compondo a decoração da sala.
Descobri, naquele momento, que decorar ambientes com livros estava na moda.
Notei outros exemplares propositadamente esquecidos sobre outros móveis
na casa que, por sinal, muito bem mobiliada - salas, salões e até
jardim de inverno com redes e cadeiras confortáveis, etc... e Biblioteca?
- Não, isso aí não tem - responderam. Nos quartos dos meninos
prateleiras em marfim completam o ambiente, expondo porta-retratos, miniaturas,
bonecas, fitas de vídeo e alguns livros, cuidadosamente encadernados em
cores que não atrapalhem a decoração.
Meio desapontado, tratei de ver aquilo com bons olhos. Afinal, são livros.
Da melhor qualidade: Platão, Aristóteles, Kafka, Guimarães
Rosa, Machado de Assis. Têm capa e páginas impressas. E, numa estante,
ficam de pé. São livros, sim senhor! Um dia podem despertar a curiosidade
de um membro da família para seu conteúdo. Existe, na casa, um convívio
amistoso com os livros, não podemos negar.
Mas uma coisa ficou bem nítida para mim: há pessoas que lêem
porque aprenderam a ler. E há pessoas que não lêem porque
não aprenderam a ler, mas gostam da presença de uma obra literária.
Enfim: leitores e não leitores.
O professor Aires da Mata Machado Filho defendia que, para um livro impresso,
são necessários dois autores: um que escreve e outro que lê.
Isso mesmo. Sabemos que é o olhar do leitor que completa nossa obra.
O leitor ideal tem algumas características: lê por prazer e para
ter uma visão mais ampla da vida, do mundo, imaginando compreender as pessoas
e a si próprio. Não estraga nem rabisca livros. Freqüenta livrarias,
sebos e feiras, mesmo que não compre nada, mas garimpa, toca, folheia e
sente a textura do papel de um bom livro. O leitor ideal, ao longo de sua vida,
constrói uma biblioteca de livros lidos ou que ainda pretende ler. E sente
o maior orgulho da sua estante cheia livros. Nada de móvel decorativo,
como na residência de meus parentes, mas funcional e prática como
na casa do escritor Pascoal Motta, amigo de várias datas e percursos.
Um leitor de verdade é mais consciente, mais honesto consigo e com os
outros. Portanto, essa história de gente se desculpar que não lê
por falta de tempo não cola. Quem lê por prazer encontra tempo para
se deleitar com um bom livro. Não conhece limites ou coloca obstáculo
à sua leitura diária. E sempre que pode, está com um livro
nas mãos.
O estímulo começa no berço, segundo a escritora Vivina
de Assis Viana, que propõe misturar livros aos brinquedos da criança
desde o primeiro choro. Aproveitando o conselho, dei um livro para minha sobrinha,
a Carolina, quando completou um ano de vida. Um exemplar especial, de plástico.
A menina pegou o livro, olhou atenta, tateou, virou daqui e dali, antes de levá-lo
à boca. Legal. Pude comprovar que ela estabeleceu uma relação
de amizade com o livrinho.
O escritor João Ubaldo Ribeiro lembra que seu pai proibia os filhos de
entrar em sua biblioteca, mas sempre esquecia a porta aberta. Ziraldo defende
que, para a criança, ler é mais importante do que estudar.
Para o professor Davi Anigucci, o livro é um instrumento de mudanças
na sociedade, diz ele que..."a leitura é sempre alguma coisa espantosa:
passamos a decifrar, de algum modo, o mundo através das letras. Em grau
maior ou menor, somos tateadores sobre letras. É por esse tateio sobre
as letras que tentamos reconhecer o mundo que nos cerca e a nossa própria
face neste vasto mundo. Vamos dizer que a experiência da leitura é
a nossa ventura, a história romanesca em que penetramos pelos simples ato
de abrir um livro.
Criança que toma gosto pela leitura vai ler a vida toda. Será um
adulto consciente de seu papel na sociedade; incorruptível, principalmente
ocupando um cargo público.
O Brasil vai sediar a quarta reunião de alto nível sobre 'Educação
para Todos", da Unesco, com o objetivo de analisar os avanços e os
novos desafios da educação no mundo. Na pauta, a qualidade do ensino
em 160 países, que assumiram na Conferência de Dacar, Senegal, em
2000, o compromisso de cumprir metas de crescimento social até 2015.
Nesses quatro anos, progredimos ou não? O MEC criou mais vagas para o ensino
fundamental, mas deixou de avançar na qualidade. Resultado: ainda existe
no país uma multidão de brasileiros rotulados de analfabetos funcionais.
O órgão reconhece que metade dos alunos da 4ª série
tem desempenho crítico ou muito crítico em leitura.
Uma competente arma para auxiliar nessa luta seria apressar a regulamentação
da "Lei do Livro", criando mecanismo de estímulo, fomento, difusão
da literatura na escola, e fora dela. Ao Comitê de Regulamentação,
entre outras idéias, sugerimos a criação da "Loteria
Cultural" para garantir recursos às Bibliotecas Públicas, implantar
do "Selo Social" para despachos de livros e a inclusão de um
"Livro Infantil na Cesta Básica do Trabalhador", atitude que
há mais de quinze anos lutamos pela aprovação de um projeto
nesse sentido. Não desistimos.