A Garganta da Serpente
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Poesia; Inspiração ou Trabalho?

(Ygor Moretti Fiorante)

O que afinal rege a poesia, desde a sua criação a seu termino? É importante dizer e determinar os vários estágios que existem na poesia, por outro lado torna-se redundante demais, já que estes estágios variam de autor para autor.

E mesmo que chegássemos a uma conclusão imaginemos que poesia seja mesmo inspiração, que a essência da poesia seja feita, construída de inspiração, não teremos portanto, alicerces, e sim uma matéria temporal, e não física por trás da poesia. No que mais poderíamos empregar a inspiração? Em todas as outras artes, e por assim dizer em tudo o que há na terra é regido por inspiração?

Tudo o que se faz com arte, pois tudo, do maestro ao motorista, todas as razões, todas as existências, e profissões podem coexistir de um modo artístico, um fazer artístico, ou fazer com amor, mas então o que é arte?

Fatidicamente chegaremos a esta pergunta.

Pois bem para que possamos fugir de uma outra questão, longa, e enorme em suas possibilidades, não tentaremos responder agora o que é arte, até por que seria uma fuga da primeira proposta, acerca do trabalho e da inspiração na poesia. Vamos então abominar o absolutismo da inspiração na poesia.

Por duas razões podemos abominar este absolutismo, primeiro por uma razão concreta, que é fato, não se escreve poesia sem suar a camisa, já se disse em 10% de inspiração e 90% de transpiração, o que é bom numero, mas discutível, a segunda razão, uma razão de princípio e que completa a primeira, que é a que não se deve, escrever poesia somente regido por inspiração, pois este "mecanismo" afeta diretamente na qualidade do poema, que se torna por demais sentimentalista, piegas, efêmero e limitado.

Não existe é claro um mandamento ou uma regra de como se deve escrever poesia, mas mesmo os poetas românticos, trabalhavam enquanto escreviam seus poemas, em todo aquele sentimentalismo existia um propósito, e sendo um movimento, "romântico", uma filosofia, o que por si só denota uma escolha de palavras, e a disposição destas, junto às estrofes, que por sua vez, exceto em soneto não eram rígidas, mas seguiam um padrão.

Assim os poetas que sofriam do mal do século, buscavam sim um estado, de espírito, ou simplesmente psíquico, que pode ser dito como inspiração, porém as poesias românticas, principalmente as do poeta Castro Alves, respeitavam uma "ordem", ou um pedido explícito de ritmo, e declamação, o que corresponde a escolha e disposição das palavras, correspondendo também no caso de Castro Alves, a proposta condoreira, da poesia social, abolicionista, em busca da liberdade, do homem, do poeta e da própria poesia. O romantismo é portanto o movimento onde os poetas mais faziam uso da tal inspiração, mas não de forma absoluta.

De forma mais prática, pode-se dizer que inspiração assemelha-se a uma idéia, ou uma idéia repentina, que dá ao poeta o tema a ser escrito, uma palavra que depois atrairá outras, uma expressão, uma nova forma de usar esta expressão ou aquela palavra, pode o poeta ser agraciado com uma estrofe inteira, genuinamente gerada pela inspiração. Mas no discorrer da poesia, na sua transição para o papel, a de se gastar muito suor mesmo, e ter por fim muito trabalho, principalmente, repetindo a idéia, quando se busca fazer uma poesia de qualidade, que teste e inove a linguagem, que possibilite várias leituras de um mesmo texto.

Podemos observar o fenômeno de baixa qualidade na poesia feita exclusivamente de inspiração, nos poetas iniciantes, independente se estes depois se tornarão poetas ou a poesia será somente uma fase em suas vidas, é certo que todo mundo um dia se pegou fazendo alguns versos, e são estes primeiros versos, escritos no ritmo de inspiração, estes versos que não apresentam nenhum estilo, nenhum propósito se quer de perdurar, possuem uma carga abusiva de clichês e de um sentimentalismo barato, e muitas vezes esses versos são eliminados pelo então aspirante a poeta.

Não se pode determinar um numero entre inspiração e trabalho na poesia, este também é variável, dependendo de varias circunstâncias, mas pode o trabalho, o estudo, a pesquisa e é claro o indispensável talento, suprir a inspiração. A inspiração está constantemente exposta ao esquecimento, ao descontrole, ou a falta de atenção, até mesmo a uma acidental perda de concentração.

De forma ainda mais prática a inspiração para mim acontece como um flash acerca de algo visto, ouvido, enfim vivenciado, algo tênue que exige uma anotação a mais débil possível que no entanto me fará mais tarde lembrar de tudo, do tema, da expressão ou por vezes da estrofe, porém antes do ato de escrever, tenho de estar contaminado artisticamente, uma música, ou um quarto aconchegante, nada que distraia e nem que relaxe, mas que no fundo provoque, que de aquele desejo de ser um poeta, um artista, e de chegar aquele ponto final dos textos que se está cheio de si, quando o mundo, tudo, passa a fazer um absurdo sentido na vida. Estamos falando até aqui de um estado físico e espiritual, sobre tudo físico, testando, atualizando todos os sentidos, os deixando em um estado máximo de sensibilidade.

Desta primeira idéia ao ato de escrever pode se passar uma semana, que será completa com estudos, aprofundamentos e testes. Pois todo escritor escreve sobre algo, e quanto mais se sabe, mais perceptivas pode-se alcançar, tendo assim uma visão e um trabalho mais completo.

Portanto Poesia é trabalho, jamais mecânico, pragmático, tem como elemento principal o talento, e o aprimoramento deste, trará tanto mais inspiração, quanto mais trabalho e qualidade.

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