A Garganta da Serpente
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Uma espera

(Adriano Coutinho)

O dia nasce, é um sábado, um sábado daqueles. As nuvens pairam pequenas e singulares enquanto os raios do sol se fazem em brumas brilhantes. Hoje é sábado, dia esperado, ainda véspera do melhor dia, mas esperado.

As mocinhas preparam suas almas para o amanhã que começa hoje. Os cabelos são lavados e re-lavados. Ficam nas toucas quentes, às vezes não. Quem tem dinheiro vai ao salão de beleza. As unhas dos pés e das mãos tomam cor. As roupas novas ou as do ultimo aniversário são testadas (o espelho nessas horas é o melhor amigo).

As almas solteiras sonham com esperança pungente à noite do próximo dia.

As meninas se encontram na pracinha naquelas horas ultimas da tarde. Não veem o por do sol que lhes indica o fim do belo sábado. Veem não. Estão ensimesmadas ou distraídas entre as vozes e ideias e notícias do próximo dia. Algumas lembram as doces palavras do rapaz e a promessa do encontro na noite do dia que vem. Outras trocam confidências entre si: uma vai encontrar-se novamente com o seu novo namorado; outra foi indagada sobre sua presença na noite do dia que vem (ela até disse para o jovem, que não sabe se vai sair, mas está ansiosa para encontrá-lo). Entre elas, há aquela que ainda está na fase da espera que apareça alguém a lhe flertar ou na fase das curtas trocas de olhares, mesmo assim, todas sonham a noite que vem.

A noite surge. A lua promete ser ainda mais bela no outro dia. Hoje ela está se escondendo entre as nuvens, mostrando de forma suave seu leve amarelo. Mais que em outras noites, ela torna-se ouvinte, cúmplice das balbucias de amor e dos sonhares enamorados. Enfim, a cidade dorme.

O sol brilha agressivo. As nuvens decidiram não aparecer. Vê-se o céu na plena presença do azul. É o dia.

As horas se alongam intermináveis dentro das vontades de um astro que teima em movimentar-se lentamente, quase inerte. Sua cor dourada parece saborear-se da angustiante espera pela noite que demora. De certo que o dia tem que acabar, e acaba.

A noite surge acompanhada de uma imensa lua-cheia e inacreditavelmente brilhante como se ela quisesse fazer-se de sol e tornar a noite um outro dia. Ah! A felicidade deve ser plena para quem a esperava, tal se aguarda a advinda do amor, da paixão, talvez da vida.

Os corpos se entrelaçam em cálidas trocas de carícias e beijos surgem por toda a praça. O rapaz apareceu; a moça que não sabia se ia, foi. As trocas de olhares deram lugar aos toques. E alguém espera um outro alguém, que ainda não conhece, mas sabe que virar enfim. Mas algo de melancólico povoa os olhares das meninas e dos rapazes. Algo que não é o querer ser amado e não ter a quem lhe amar, algo que não é a falta de carinho, não é o estar na solitude, não é algo assim. Vê-se que a alegria do encontro com o dia tão esperado, dá lugar para as profundas saudades do sábado: as conversas animadas no salão de beleza; as fofocas ao por do sol; a inquietação juntamente com as amigas para saber a roupa a usar, a bagunça no quarto de dormir. A conversa dos rapazes após a pelada para saber qual a garota que vai ser conquistada, e por quem...

A lua ver-se aturdida, envolta por sentimentos inexplicáveis dos humanos, ver-se sem entender esse louco coração que palpita no peito, ver-se a sentir nos suspiros vivos na noite um só sentimento: a angustiante espera pelo sábado que vem.

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