A Garganta da Serpente
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Deixe a morena sambar em paz

(A.C. Santiago)

Dançava com passos ébrios pintando o chão de vermelho. segurava as próprias tripas com delicadeza, a fim de não deixar que caíssem todas no chão sujo, tinha os olhos levemente lacrimosos e carregava na boca um típico sorriso de bêbado. Deu mais umas três piruetas e soltou o corpo no espaço. Quando atingiu o solo, fez ecoar um baque oco. Já estava vazio.

Por volta das 19h "Seu" Julio subia o morro até seu barraco como fazia todos os dias. Pedro "Bruguelo" já estava no bar, talvez já estivesse na segunda ou terceira lapada de cachaça. Falava da apetitosa morena que o acompanhava como quem se orgulha de ter conseguido ganhar um troféu.

Acredito que não passava das 19h20minh quando Seu Julio, impelido pela força maior de uma sexta feira decidiu entrar no bar. Ao avistar a voluptuosa mulata, fez esforço para não babar. Naquele momento "Bruguelo" me pareceu ter olhos de águia! Pegou a moça pelo pulso e a puxou para perto; parecia um molambo.

Seu Julio, ao ver a reação daquele homem, baixou a cabeça e seguiu até o balcão olhando para o chão. Lembro muito bem de ter pedido uma "lapada". A primeira de um total de sete. Bebeu calado.

Bruguelo devorava a morena com beijos alvoroçados que deixavam a saliva escorrer pelo pescoço. Seu Julio os observava desconfiado por uma vez ou outra. Pediu mais uma "lapada".

O casal parecia fazer tudo de propósito. Bruguelo roçava nela como se ninguém estivesse por perto. Apalpava a sua bunda com força e dizia coisas como "negra gostosa!".

Era umas 19h40min quando Seu Julio partiu para a terceira dose. Logo em seguida deu inicio a uma conversa banal com o homem do balcão. Falou mal do governo, lembrou-se dos filhos, citou a mulher, que por sinal não me pareceu o agradar muito. O homem não me pareceu dar muita atenção.

Bruguelo estava agora realmente bêbado, se perguntar, muitos dos quais estavam ali provavelmente dirão que eles agora fodiam dentro do estabelecimento. Mas ninguém se atreveu a falar-lhes qualquer coisa.

Quarta dose. Seu Julio já estava se sentindo um pouco tonto. Já não disfarçava muito os olhares em direção à morena e Bruguelo. Por alguns momentos parecia estar com a visão no infinito, ou tendo devaneios com a cena.

Bruguelo parecia não se aguentar de tão bêbado. Empurrou a mulher que agora estava em seu colo, aproximou a cadeira da mesa e descansou a cabeça sobre a mesma. A morena aproveitou para ir sambar no meio do bar. Lembro bem que trajava um short minúsculo e uma daquelas blusas de botão que se amarra na frente. Tal cena fez com quem Seu Julio, já na quinta dose, tomado por uma excitação enlouquecedora. Deu início a um affair que viria por fim a sua vida.

-Quinta dose-

Ele tentava chamar a atenção da moça, e quando conseguia, fazia gestos obscenos, deslizava as mãos por entre as pernas e gargalhava. Era incrível como todas as pessoas ao redor pareciam não dar atenção para a cena que há tempos se desenrolava.

A morena aparentemente tomada pelo desejo de ser desejada não amenizava a situação de forma alguma. Muito pelo contrario. Enquanto observava as investidas, correspondia aos olhares e dançava cada vez de forma mais erótica.

Seu Julio, já um tanto bêbado pediu pela sexta lapada, bebeu rapidamente, não cuspiu, não fez careta e nem deu pro santo. Respirou fundo, levantou-se e logo em seguida pediu pela sétima. O homem do balcão o serviu e fez um rápido sinal da cruz, como se pudesse prever os próximos momentos daquela noite. Seu Julio engoliu rápido. Tomado por uma grande vontade de mijar, foi caminhando até o banheiro, passou olhando para a morena, que também não lhe tirava os olhos. Demorou um pouco no banheiro. Deve-se compreender. Sabe-se como é difícil mijar na situação em que se encontrava. Ao voltar caminhou na direção exata da morena. Ficaram de frente um pro outro. Ela parou de dançar e o encarou. Ele rapidamente agarrou-lhe a boceta, que pelo que vi preencheu toda sua mão. Talvez eu nunca esqueça da cara de prazer daquele homem, e da cara de espanto daquela mulher.

Bruguelo há muito tempo esquecido, já não dormia mais. Levantou-se derrubando a mesa e as cadeiras. Logo puxou da cintura uma faca peixeira enorme. Tão nova e limpa que refletia belamente as luzes coloridas daquele bar. Correu como pode na direção de Seu Julio, que pareceu não se dar conta da gravidade da situação. Todos fugiram. Eu me escondi atrás de uma mesa, morria de medo. Só ficamos nós: eu, o homem do balcão, Seu Julio, Bruguelo e a morena. Bruguelo afastou Seu Julio da morena, enfiou a peixeira no umbigo de seu rival, e num rápido movimento para a esquerda fez saltar-lhe as tripas ensanguentadas e cheias de merda. Seu Julio não gritou.

Bruguelo, apático como um açougueiro que há anos pratica a profissão. Eu encharquei as roupas de vomito. O homem do balcão afagava a própria cabeça desconsolado. Dos olhos da morena jorrava tanta água.

Aquela noite acabou mais silenciosa do que de costume.

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