Naquele dia quando o trem de gasolina pegou fogo em Pojuca, Antonio Bento passou
subitamente a porta que dava acesso à Rua Juraci Magalhães. O
irmão mais novo se apegou ao embrulho de doce e foi cruzando as escadarias
da bodega de seu Zequinha; sem atentar mais para a rua, para o irmão
e para os homens que corriam naquela hora, submersos na imensa nuvem de fumaça
que se abria pela cidade.
As árvores e as fileiras de casas pareciam um estranho desenho que aos
poucos ia se retorcendo e desaparecendo. Os passarinhos esvoaçavam às
margens da ponte, outros debandavam o corpinho queimado na água escura
dos córregos.
As mães passavam pela prefeitura, descia a ladeira da Avenida Almirante
Vasconcelos, prosseguiam pela Rua Antonio Mota e ocultavam-se no meio da fumaça;
sem, no entanto, encontrar os meninos que carregavam nas mãos e na cabeça,
os vasinhos de lata com gasolina. O fogo ia se expandindo. Ninguém via
mais a linha, nem o trem.
Nesta hora, chegando do serviço e já desdobrando mais da metade
da ladeira do Dendê, que ficava pouco mais de duzentos metros do incêndio,
seu Arlindo tomou-se de um sobressalto. A capanga despencou dos ombros. Sentiu
somente que as pernas estavam paralisadas e os olhos moviam-se dentro da cavidade
lentamente. Tentou correr, correr, correr... Chegar perto do desastre... Os
homens transpassavam alvoroçados por ele. Subiam a ladeira carregando
os rostos mutilados e deixando os pedaços da derme...
A mulher apareceu, abraçou-lhe e perguntou se ele havia levado os meninos
para o trabalho. Não disse nada. Ambos foram perpetuando as indagações
dentro do silêncio. Chegaram até o tamarindeiro. O fogo havia baixado.
Andaram até a casa. Estava sem as janelas, sem o telhado, sem as portas.
Caminharam até o quintal. Seguiram os rastros de um sapato pequeno e
viram, num canto do muro sobre um montinho de cinzas, um par de bolinhas de
gude...
Três dias depois, Antonio Bento e seu irmão apareceram na casa
chamando os meninos para brincar. Seu Arlindo mandou que entrassem. A mulher
saiu do quarto com uma caixinha colorida, as duas bolinhas de gude, o montinho
de cinzas...
Depois daquele dia ninguém viu mais o trem, ninguém viu mais os
meninos. Depois daquele dia ninguém viu mais a linha...