Foram a um restaurantezinho meio escondido, a algumas quadras dali. Comeram
um picadinho que pareceu a Clarice a coisa mais deliciosa e sofisticada que
jamais havia provado. Ele pediu vinho "para comemorar a ocasião",
falou de mil insignificâncias essenciais e depois ficou olhando para ela
por cima de uma fatia de torta de creme com aquele jeito caçoísta
que ela tinha visto antes. Mas havia mais: havia mais interrogações
do que zombaria na expressão dele, agora. Um estado de espírito
estranho e ao mesmo tempo muito familiar foi se apossando de Clarice, como uma
dessas lembranças de infância que a gente revive sem saber bem
por quê, até que atinou com o cheiro da torta e sorriu.
- O que foi? - ele quis saber.
- Estou pensando em Proust.
- Mesmo?
- É verdade, minha avó... Olha só, eu já falando
de avó, o que é que...
- Continua, Clarice, por favor, continua, ele disse, com uma voz incrivelmente
meiga que a fez hesitar.
- É que...
- Gosto muito de Proust, você sabe? - e agora o tom era neutro, quase
acadêmico, acompanhado de um olhar um pouco severo, um pouco sorridente.
Sentiu-se embaraçada, levada às nuvens, mas muito embaraçada.
Olhou o relógio e pediu para irem embora, estava se atrasando demais.
Ele a olhou mais sério ainda e chamou o garçom. Não admitiu
dividir a conta e se despediu dela, quase paternal, com um beijo no rosto. Mas
o cheiro de sua barba a acompanharia pelo resto do dia.
Voltou ao trabalho renovada. Tinha os olhos brilhantes, as faces coradas, e
mentiu para justificar o atraso. Mas era fácil mentir por um bom motivo.