A Garganta da Serpente
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A riqueza do Reino de Dalton

(Adelmario Sampaio)

I

Fui convidado a visitar o palácio que ficava acima da cabeça dos homens, no alto da Montanha Sagrada, um pouco além da Terra da Imaginação.

Viajei muitos dias a pé, porque o mensageiro que trouxe o convite, me advertiu que eu fosse somente com a roupa do meu corpo, sandália nos pés, e nada mais. Disse que não entraria no palácio a não ser que fosse sozinho, nem seria recebido pelo rei se levasse comigo qualquer coisa de valor, a não ser aquilo que de valioso guardo no coração e carrego na alma.

Cheguei cansado diante do enorme castelo numa tarde de sol. E antes que eu batesse, as duas partes do portão todo incrustado de ouro se abriram como que automaticamente, e vi diante de mim duas filas de soldados formando um corredor, e no meio dele, um tapete vermelho que se estendia da entrada até o topo de uma escadaria. Vi parado ali um casal majestoso que logo deduzi, deviam ser o rei e a rainha. Quando olhei para eles, o homem fez um gesto para que eu me aproximasse, e eu me senti envergonhado por causa da diferença dos meus trajes com a majestade que naquele lugar envolvia as pessoas e tudo o que havia. Minha perturbação era tanta que tive por um lapso de tempo o desejo de voltar. E foi nesse vacilo que tive, que o homem parado acima da escadaria ordenou com um gesto, e no mesmo instante, uma carruagem saiu de onde ele estava e se dirigiu a mim. Fui literalmente carregado, colocado na carruagem e conduzido até onde estava o casal. Sem que ninguém dissesse uma só palavra me conduziram a um enorme e luxuoso salão de banhos, onde tudo estava preparado para que eu usufruísse os benefícios do lugar, e me vestisse majestosamente antes de ser levado a um banquete onde tinha um lugar reservado ao lado do rei. Depois do banho me senti totalmente descansado como se não tivesse caminhado por tanto tempo até àquele lugar.

O salão do banquete era tão imenso quanto majestoso. Tudo era feito em silêncio, e só então que percebi que ninguém se falava, mas havia um enorme entendimento entre todos, e as coisas eram feitas com uma precisão muito grande, como se tudo fosse ensaiado há anos para aquele momento.

Sentei-me perto do casal, e o rei se adiantou um pouco, e estendendo a mão, apertou a minha. E ainda sem dizer nada, apenas me sorriu, e percebi o quanto havia de altivez no seu gesto, e me senti tão honrado como nunca me sentira em toda a minha vida. A rainha imitou o gesto do marido, e só então foi que senti o quando havia beleza em sua alma.

Não houve discursos nem apresentações, mas senti que todos me tratavam com honras, mesmo porque eu era o convidado de honra do rei.

E só no outro dia, foi que fui conduzido depois do café da manhã, a um salão luxuoso, e recebido em particular pelo rei. Ele abriu um sorriso majestoso como tudo que eu via, e com uma amabilidade que eu ainda não havia visto em um homem, perguntou a mim como se a pergunta fosse o que de mais importante houvesse:

- O amigo descansou bem?

Eu só balancei a cabeça, um pouco embaraçado, e antes que dissesse alguma palavra ele disse:

- Aqui, descansamos da fadiga do dia, como em um eterno sábado...

Eu não sabia como responder, mas antes que eu me sentisse embaraçado ele mudou de assunto, como que entendendo meu sentimento:

- Você foi escolhido para ouvir e depois escrever a história dessa riqueza que vê. Tudo que ouvir escreva segundo seu entendimento. Preste atenção nas instruções e siga-as com toda a sua dedicação. Não há promessas nem ameaças. Você não terá como desistir da missão que tem a cumprir...

Eu não disse nada, e foi nesse momento que notei que não havia falado uma só palavra desde que chegara, e não havia ouvido ninguém falar nada no lugar, a não ser o rei, e compreendi (não sei com qual entendimento) que ali só o rei falava e que a harmonia do lugar acontecia justamente por causa disso.

Sem nenhuma preparação ou perda de tempo ele passou a me contar sua história:



II

"Quando eu era jovem, fui conduzido a uma terra, com a missão de falar da beleza que há na alma, e do que há de bonito em todas as cores do colorido feito com maestria pelas mãos de quem criou todas as coisas... Saí com a alma iluminada e o coração cheio das cores do arco-íris... Cheguei àquela terra em um dia de temporal, mas logo que cheguei, o sol que me acompanha brilhou com um brilho diferente e vi que todos olhavam assustados pra mim. Vi que as pessoas eram fracas e desnutridas, e percebi em instantes que havia muita pobreza no lugar, e não encontrei sinais da Sabedoria nos olhos das pessoas.

"Percebi a sujeira sem cor das roupas, e vi que não pintavam suas casas nem davam valor àquilo que alimenta os olhos da alma.

"Fui cercado por pessoas ameaçadoras que tinham armas nas mãos e conduzido aos empurrões a um lugar sujo e opressor, onde um homem de coração horrível e sem cor estava assentado por trás de uma mesa cheia de rolos de livros de anotações. Ele falou comigo de um jeito estúpido, perguntando de onde eu havia vindo e o que é que queria naquele lugar. Senti medo ao responder que tinha saído de um reino colorido, "onde tudo brilhava como o vermelho céu da manhã, e tinha a paz tão branca como a luz da Lua e a alegria azul de um céu sem nuvens". Quando falei das cores do meu lugar vi que o homem se remexeu enfurecido, e não entendi naquele momento o porquê, quando ele esmurrando a mesa, esbravejou pra mim com o dedo em riste:

- Como é que você pode provar o que diz?

- Desculpe senhor, - eu perguntei, - mas provar o quê?

- Provar o quê, como? Você vem aqui, na nossa terra falar de cores, como se isso fosse verdade. Não vamos mais tolerar que alguém venha nos falar dessas baboseiras. Sou consciente de que temos sido zombados por esse tipo de conversa, e não permitirei mais que o meu povo seja enganado!

- Desculpe senhor, mas não estou entendendo...

- Fale quando eu mandar!... - ele gritou. Depois continuou ainda em tom alterado: - As cores não existem! Os nossos sábios já confirmaram tudo, e não permitirei que alguém fale disso aqui. Porque as nossas experiências com isso foram um desastre.

"Não compensa dizer tudo que ouvi... Mas fui condenado como espião, a trabalhar na construção de poços, porque aquela terra tinha muito pouca água. Mas logo consegui a confiança dos chefes, mostrando como é que se conserva a água em açudes e ajudei na construção de muitos deles.

"Um dia fui novamente conduzido à presença do governador. Ele disse que eu tinha sido útil ao seu povo, sem jamais ter novamente tocado na heresia das cores. E perguntou a mim o que eu queria ganhar para ser considerado um deles. Eu respondi que trabalharia mais uns anos, e que embora gostasse do lugar e do povo, queria voltar pra minha terra. E pelo meu trabalho gostaria de receber um monte de pedras que eu mesmo escolheria, colocadas do lado de fora dos muros da cidade. Ele concordou com as minha proposta, mesmo porque o meu trabalho para ele seria de graça, já que havia muitas pedras por ali. Por isso, notei que ficou comprovado para ele que eu era mesmo um louco. Útil na verdade, mas louco.

"Então trabalhei muitos anos mais, e nesse tempo fiz um monte de pedras longe da cidade. E finalmente fui liberto no prazo combinado e tratei de trazer as pedras para cá. E como naquela terra de Dalton ninguém consegue distinguir as cores, e também fui impedido de falar sobre elas, não pude mostrar que entre as pedras que eles tem em abundância, há uma quantidade enorme de ouro. E todas as que escolhi eram do mais puro metal e é por isso que tenho todo esse castelo que hoje você pode ver. Esse é o mistério que os meus vizinhos não podem entender... E essa é a sabedoria que recebi como uma riqueza".



III

Depois que ouvi calado a história que o rei me contou fui convidado por ele a ficar mais uns dias em sua casa. Aceitei, e nesses dias ele mandou que os sábios do palácio me ditasse outras histórias e sabedorias que escrevi num livro. Antes de viajar de volta à minha terra, o rei me presenteou com um cofre com uma inscrição em código na tampa, e a recomendação que eu o guardasse até o dia que alguém viesse buscá-lo. O rei me disse três palavras que seriam uma senha e que o próximo depositário viria a mim sabendo delas. Ele disse também que a caixa passaria por muitos em muitas gerações, até chegar às mãos de um homem que soubesse desvendar os segredos da tampa, e portanto conseguisse abri-la.

Prometi ao rei que seguirei todas as instruções até o cumprimento da minha missão. Ele sorriu em resposta.

Não sei mais nada que acontecerá, mesmo enquanto a caixa estiver comigo, porque essas palavras depois de escritas serão trancadas dentro dela na presença do rei.



**

EXPLICAÇÃO NO ANO DE 2004:

Há dez anos atrás recebi pelo correio, sem endereço de remetente, uma caixa muito parecida com um cofre antigo. Havia uma inscrição em relevo de ouro. Li várias vezes essa inscrição, e por causa de uns segredos que fui aprendendo nesse tempo, descobri que ela era um código para abrir a caixa. Abri e encontrei um livro com várias histórias e sabedorias.

No livro havia também instruções que só podem ser dirigidas a mim, de que eu deveria contar as histórias e aprender as sabedorias. E depois de aberto o cofre deveria ser destruído imediatamente e que o livro não fosse copiado, e depois de um ano eu o destruísse também. Havia também muitas coisas a meu respeito que só eu sei, como prova de que era a mim mesmo que havia sido enviado. Fui instruído mais a repassar o que aprendi em parábolas escondidas em vários textos de variados estilos de poemas e prosa. E foi dito ainda que o meu nome seria conhecido em todos os cantos do mundo por causa dessas coisas que sei.

Por achar que são demais as coincidências, não tenho outra coisa a fazer, a não ser seguir todas as instruções, esperando pra ver o que acontece.

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