A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Que prosa é essa, Zéca Tira?

(Adelmario Sampaio)

Num fosse essa vida de veis e mais veis, esbarrá na percisão, eu num tava nos lado dos qui escuita coitado... O pai qui falô um dia qui quem num escuita consei, escuita coitado...

Ma num teve consei qui me conseiasse, proque eu nem sabia que a desgraça se avizinhava cumo u'a peste bem pestenta memo, dessa qui nóis nem nomeia falá.

Foi essa peste, qui a percisão empurra nós, que feis eu tê que vendê o Caprichoso. O bicho era dos mió. E eu tinha memo o danado, cumo um da famia. O seu dotô me dá u'a licença, ma eu tem qui contá que o danado cuma qui intindia os proseio da gente. Eu alevantava bem cedim, e ele tava lá caquele zói tristin de Caprichoso memo. Intão eu falava, "bom dia Caprichoso", e num é de vê co danado arespondia?!... Falava "muuuun".

Té falei pa minha veia, "esse boi só farta falá". Nem contei prela quele já tava memo nos insaio, qué pra num tê gente qui adesconfia dos proseado de nóis. Inda mais eu qui num tem boca pra falá u'a desdita. Aqui dessa boca só sai memo é as coisa mais boa e apriciada da verdade verdadera memo.

Pois bom, eu tô no meu canto prantano e coieno na midida o pussive, e cumprino cas obrigação de todo dia, no poco vendê, no poco comprá, e vai que a muié morre. E aí é qui tá esse mistero qui nós num pod'intendê. Se nasce num percisa participá, se morre percisa?

O seu dotô já sabe ca minha veia morreu. U'a morte dessa bem descansada e inté bunita, se tem morte ansim.

Nesse dia num foi ela cacordô eu. Pensei quela quiria sespreguiçá um poco, e alevantei ansim mei no silenço, e fui tirá o leite. Vortei cum barde, e nun tinha café. Ma cumo sô um ome caridoso, deixei a veia no sussego da perguiça, eu memo fiz o dito. Se bem quistranhei a batida, ma nem fui apreciá. Tomei o café, e a muié nada. Cheguei na porta, tava queta. Ma dotô, eu liguei, ma num liguei proque quem tem as peste das muié, sabe qui a bicha é ansim memo, cheia de veneta pra tudo qui é banda, e num tem memo espricação.

Arresorvi tirá mais um leite, e inda gritei, "muié, o café tá pronto". E ela num respostô, ma num desconfiei. Peei a Mimosa, e mainei cá muié ia gostá da caneca do leite da vaca. Muié tem esse negoço de dizê co leite dessa é mio qui daquela, e essas coisa qui só muié memo.

Conde eu intrei no quarto, foi que notei que a coisa num tava nos conforme. Cá caneca na mão, cheia do leite da vaca, eu falei, "oia o leite da Mimosa, veia!" Ela num respostô. Incostei nela, tava fria. "Muié!", ela nada. Mortinha qui nem um tendéu.

Cabei de rumá as coisa. Peguei o Tronchim, e fui tomá providênça. Num participei ninguém proque se num percisa quano nasce, num percisa quano morre. Ontonce, puis a veia na carroça, e joguei ela na vala do esbarrancado, e tive o coidado de jogá u'as pá de terra pros urubú num juntá, e memo proque gente fede mais que cachorro conde morre. Disque é procausa do isprito, ma eu nunca vi essas coisa de isprito não. Mas só sei que gente difunto fede memo.

Só uns dia despois, foi que a fia chegô, e preguntô cadê a mãe. E eu quece meu jeito de nem querê sustá ninguém, arrespondi no sussego quela tava nu'a viaje. A fia arregalô uns ói, e intendeu qua muié tinha se escafedido...

Daí foi queu tive de vendê o Caprichoso, pra pagá um devogado pra dá espricação das coisa queu memo tô canso de sabê falá...

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br