O doutor N... pousou a sua xícara de café em cima da pedra do
fogão de sala, atirou o charuto ao fogo e disse-me:
- Caro amigo, contou-me há muito tempo o estranho suicídio de
uma mulher incapaz de suportar o peso dos remorsos. Possuía uma natureza
sensível e a sua cultura era requintada. Recaindo sobre ela a suspeita
de ser cúmplice de um crime de que fora a muda testemunha, desesperada
com a sua irreparável cobardia, perturbada por constantes pesadelos que
lhe representavam o marido morto e decomposto a apontá-la com o dedo
aos magistrados curiosos, passou a ser a inerte presa da sua exasperada sensibilidade.
Neste estado, bastou uma fortuita e insignificante circunstância para
decidir da sua sorte. O sobrinho, uma criança ainda, vivia com ela. Certa
manhã, o pequeno foi, como de costume, fazer os seus deveres para a sala
de jantar. Ela também aí se encontrava. O pequeno começou
a traduzir palavra por palavra alguns versos de Sófocles. Pronunciava
em voz alta os termos gregos e franceses, à medida que os ia escrevendo:
a cabeça divina; de Jocaste; está morta..., arrancando os cabelos;
ela chama; Lais morta...; vimes; a mulher enforcada. Fez um ponto final
que furou o papel, deitou de fora uma língua suja de tinta cor de violeta,
e depois pôs-se a cantar: "Enforcada! enforcada! enforcada!"
A infeliz, cuja vontade se encontrava enfraquecida, obedeceu sem defesa à
sugestão da palavra que ouvira três vezes. Levantou-se direita,
como que muda e cega, e entrou no seu quarto. Algumas horas mais tarde, o Comissário
da Polícia, chamado para verificar a morte violenta, fez a seguinte reflexão:
"Conheço muitos casos de suicídio entre mulheres, mas esta
é a primeira que vejo enforcar-se."
"Fala-se muito de sugestão. Eis um caso dos mais naturais e dos
mais verossímeis. Eu desconfio um pouco, apesar de tudo, da que se prepara
nas clínicas. Mas um ser cuja vontade se encontra morta obedece a todos
os estímulos exteriores - uma verdade que a razão admite e a experiência
comprova. O exemplo que me conta lembra-me um outro bastante semelhante. É
o do meu infeliz camarada Alexandre Le Mansel. Um verso de Sófocles matou
a sua heroína. Uma frase de Lampride perdeu o amigo de que desejo falar-lhe.
"Le Mansel, que foi meu companheiro de turma no liceu de Abranches, não
se assemelhava a nenhum dos seus camaradas. Parecia ao mesmo tempo mais novo
e mais velho do que era na realidade. Pequeno e frágil, tinha medo, aos
quinze anos, de tudo quanto atemoriza as crianças. A obscuridade causava-lhe
um terror invencível. Não podia dar de cara, sem ficar lavado
em lágrimas, com um dos serventes do liceu que tinha um enorme lobinho
no alto da cabeça. Mas, em certos momentos, quando o olhávamos
de perto, parecia quase um velho. A pele seca, colada às têmporas,
alimentava-lhe deficientemente os frágeis cabelos. Tinha a fronte polida
como a dos homens maduros. O seu olhar era tão vago, que muitas vezes
as pessoas estranhas o julgavam cego. Apenas a boca lhe conferia certo caráter
ao rosto. Os lábios cheios de mobilidade exprimiam sucessivamente uma
satisfação infantil e um misterioso sofrimento. O timbre da sua
voz era nítido e encantador. Quando recitava as lições,
marcava sempre o número e o ritmo dos versos, o que nos provocava muitas
vezes o riso. Durante os recreios, partilhava de boa vontade os nossos jogos,
e não era destituído de jeito, mas fazia tudo com um ardor tão
febril e assumindo umas atitudes de sonâmbulo, que inspirava a alguns
de nós uma irreprimível antipatia. Não era estimado; teríamos
feito dele a nossa vítima, caso não exercesse sobre nós
um certo domínio, graças a uma espécie de selvagem orgulho
e também ao seu prestígio de bom aluno. Embora irregular no trabalho,
era muitas vezes ele quem conquistava as melhores notas da turma. Dizia-se que,
durante a noite, falava no dormitório, chegando mesmo por vezes a levantar-se
da cama a dormir - coisa que muitos de nós nunca observamos com os próprios
olhos, pois estávamos na idade dos sonos profundos.
"Durante bastante tempo inspirou-me mais surpresa do que simpatia. Tornamo-nos
subitamente amigos num passeio que demos com toda a turma à abadia do
Mont-Saint-Michel. Viéramos descalços pela praia, transportando
os sapatos e o pão presos à ponta de um pau, a cantarmos o mais
alto que podíamos. Ultrapassamos a entrada, e depois, tendo atirado com
as nossas coisas para junto dos Michelettes, sentamo-nos lado a lado em cima
de uma dessas antigas bombardas de ferro que as chuvas e os nevoeiros corroem
há cinco séculos. Então, ora fitando as velhas pedras,
ora o céu, com os seus olhos vagos, e a balouçar os pés
nus, disse-nos:
- "Desejaria ter vivido no tempo destas guerras e de ser um cavaleiro.
Tomaria de assalto os dois Michelettes, ou talvez vinte, ou quem sabe se mais
de cem; conquistaria todos os canhões dos Ingleses. Teria combatido sozinho
em frente da porta de entrada. E o Arcanjo São Miguel pairaria por cima
da minha cabeça como uma nuvem branca."
Estas palavras e a lenta entoação com que as pronunciou fizeram-me
estremecer. Disse-lhe:
- "Eu teria sido o teu escudeiro. Mansel, gosto de ti; queres ser meu amigo?"
"Estendi-lhe a mão que ele apertou solenemente.
"Obedecendo às ordens do professor, calçamos os sapatos e
o nosso pequeno grupo trepou a rampa estreita que conduz à abadia. A
meio caminho, perto de uma figueira baixa, vimos a casinha onde Tiphaine Raguel,
viúva de Bertrand du Guesclin, viveu, ameaçada pelo mar. Esta
habitação é tão pequena, que causa surpresa o fato
de ter sido habitada. Isto, porém, só foi possível em virtude
da excelente Tiphaine haver sido uma estranha velhinha, ou melhor, uma santa,
que levava uma existência completamente espiritual. Le Mansel abriu os
braços, como que para abraçar este angélico cubículo;
depois, tendo-se ajoelhado, pôs-se a beijar as pedras sem ouvir os risos
dos camaradas que, na sua alegria, começavam a atirar-lhe pedras. Não
vos contarei o nosso passeio através das masmorras, do claustro, das
salas e da capela. Le Mansel parecia não ver nada. Aliás, recordei
apenas este episódio para vos mostrar a forma como nasceu a nossa amizade.
"No dia seguinte, quando estávamos no dormitório, fui despertado
por uma voz que me murmurava ao ouvido: "Tiphaine não morreu".
Esfreguei os olhos e vi a meu lado Le Mansel em camisa. Convidei-o rudemente
a deixar-me dormir e nunca mais voltei a pensar nesta bizarra confidência.
"A partir desta altura passei a compreender o caráter do nosso condiscípulo
muito melhor do que até aí, e descobri nele um imenso orgulho,
do qual nunca suspeitara. Não lhe darei nenhuma novidade se lhe disser
que aos quinze anos eu era um medíocre psicólogo; mas o orgulho
de Le Mansel revelava-se demasiado subtil para que nos pudesse impressionar
logo de início. Manifestava-se a propósito de remotas quimeras
e nunca assumiu uma forma tangível. No entanto, isso inspirava todos
os sentimentos do meu amigo e conferia uma espécie de unidade às
suas extravagantes e incoerentes ideias.
"Durante as férias que se seguiram ao nosso passeio ao Mont-Saint-Michel,
Le Mansel convidou-me a passar um dia em casa dos pais, agricultores e proprietários
em Saint-Julien. Minha mãe deu-me autorização, embora com
alguma relutância. Saint-Julien ficava a seis quilômetros da nossa
cidade. Tendo vestido um colete branco e uma magnífica gravata azul,
dirigi-me para lá, certo domingo, logo de manhãzinha.
"Alexandre esperava-me à porta, a sorrir como uma criança.
Pegou-me na mão e puxou-me para dentro da sala. A casa, semirrústica,
semiburguesa, não era nem pobre nem desmazelada. No entanto, senti o
coração apertado ao entrar nela, tais o silêncio e a tristeza
que lá reinavam. Junto da janela, cujas cortinas se encontravam um pouco
levantadas - consequência talvez de um gesto de tímida curiosidade
- vi uma mulher que me pareceu velha. Não garanto que fosse tanto como
se me afigurou. Magra e amarela, os seus olhos brilhavam no meio de umas órbitas
negras, debaixo das pálpebras avermelhadas. Embora estivéssemos
no Verão, o seu corpo e a cabeça desapareciam debaixo de um sombrio
conjunto de roupas de lã. Mas o que a tornava verdadeiramente estranha
era a lâmina de metal que lhe cercava a fronte como um diadema.
- "É a mamãe - disse Le Mansel. - Esta com a sua dor de cabeça.
"A senhora Le Mansel cumprimentou-me com uma voz gemente e, reparando sem
dúvida no surpreendido olhar com que lhe fixava a testa, disse-me a sorrir:
- "Meu menino, aquilo que uso nas têmporas não é uma
coroa; trata-se de um círculo magnético para curar as dores de
cabeça.
"Tentava responder o melhor que podia, mas Le Mansel arrastou-me para o
jardim, onde fomos encontrar um homenzinho calvo que deslizava pelas alamedas
como um fantasma. Era tão delgado e leve, que se podia recear que o vento
o levasse pelos ares. A sua atitude tímida, o comprido pescoço
descarnado que estendia para a frente, a enorme cabeça, os olhares de
viés, o passo saltitante, os braços curtos e erguidos como asas,
tudo lhe conferia, o mais que era possível e razoável, o aspecto
de uma ave.
"O meu amigo Le Mansel disse-me que era o pai, mas que o melhor seria deixarmo-lo
ir para a sua capoeira, pois só gostava de viver na companhia das galinhas
e perdera junto delas o hábito de falar com os homens. Enquanto me dizia
isto, o senhor Le Mansel pai desapareceu dos nossos olhos e em breve ouvimos
elevarem-se no ar algumas exclamações alegres. Estava na sua corte.
"E Le Mansel deu na minha companhia algumas voltas pelo jardim, advertindo-me
de que em breve, durante o jantar, iria ver a avó; esta era uma excelente
senhora, mas não podíamos ligar importância àquilo
que dizia, pois dava por vezes sinais de loucura. Depois conduziu-me a um lindo
recanto do jardim, e aí, corando, confessar-me ao ouvido:
- "Fiz alguns versos acerca de Tiphaine Raguel; para a outra vez leio-os.
Vais ver! vais ver!
"A sineta tocou para o jantar. Voltamos a entrar na sala. O senhor Le Mansel
pai entrou a seguir a nós com um cesto cheio de ovos no braço.
- "Dezoito esta manhã - disse ele com uma voz satisfeita.
"Serviram-nos uma deliciosa omelete. Eu estava sentado entre a senhora
Le Mansel, que suspirava sob o seu diadema, e a mãe desta, uma velha
normanda, de faces rubicundas, que, não tendo já nenhum dente,
sorria com os olhos. Pareceu-me muito simpática. Enquanto comíamos
o pato assado e o frango com molho de creme, a excelente senhora ia-nos contando
umas histórias muito curiosas, e eu não dava por que o seu espírito
estivesse de alguma forma alterado, conforme afirmava o neto. Pelo contrário,
afigurou-se-me que ela era a alegria da casa.
"Depois do jantar, fomos para uma pequena sala cujos móveis de nogueira
eram guarnecidos de veludo amarelo de Utreque. O relógio, de mostrador
brilhante, estava colocado sobre a pedra do fogão, entre dois candelabros.
Em cima da pianha preta em que este assentava, e protegido pela redoma que o
cobria, encontrava-se um ovo vermelho. Não sei por que motivo, depois
de haver reparado nele, me pus a observá-lo atentamente. As crianças
têm destas inexplicáveis curiosidades. Devo acrescentar, no entanto,
que a cor deste ovo era extraordinária e magnífica. Não
se parecia nada com esses ovos da Páscoa que, mergulhados em suco de
beterraba, assumem esse tom de vinho que os garotos tanto admiram nas montras
das lojas de fruta. Revestia-o um tom de púrpura real. A indiscrição
própria da idade não me consentiu que ficasse calado.
"O senhor Le Mansel pai respondeu-me com um cocoricó que exprimia
a sua surpresa.
- "Meu menino - acrescentou ele - este ovo não é pintado"
como parece supor. Foi posto tal como o está a ver por uma galinha de
Ceilão pertencente à minha capoeira. É um ovo fenomenal.
- "É preciso que te não esqueças de acrescentar -
prosseguiu a senhora Le Mansel, com uma voz lenta - que esse ovo foi posto no
dia do nascimento do nosso Alexandre.
- "Não há dúvida - confirmou o senhor Le Mansel.
"Entretanto, a velha avó olhava-me com os seus olhos trocistas e,
apertando os lábios moles, fazia-me sinal para não acreditar.
- "Hum! - murmurou ela - as galinhas chocam muitas vezes aquilo que não
puseram, e no caso de algum vizinho maroto enfiar no seu ninho um..."
O neto interrompeu-a com dureza. Estava pálido e as mãos tremiam-lhe.
- "Não acredites nisso - exclamou ele para mim. - Lembra-te do que
te disse. Não te acredites nela!
- "Não há dúvida - repetia o senhor Le Mansel, fitando
de lado, com um olho muito redondo, o ovo cor de púrpura.
"Daí em diante, as minhas relações com Alexandre Le
Mansel nada tiveram que mereça ser contado. O meu amigo falava-me muitas
vezes dos seus versos para Tiphaine, mas nunca mos mostrou. Aliás, em
breve o perdi de vista. Minha mãe mandou-me estudar para Paris. Aí
obtive os dois diplomas do bacharelado e estudei medicina. Quando andava a preparar
a tese de licenciatura, recebi uma carta da minha mãe a anunciar-me que
o pobre Alexandre havia estado muito doente e que, em consequência
de uma terrível crise, ficara deveras desconfiado e temeroso, embora
fosse completamente inofensivo; apesar, no entanto, das suas perturbações
de ordem física e mental, revelava uma extraordinária aptidão
para as matemáticas. Estas notícias não eram de molde a
surpreender-me. Muitas vezes, ao estudar as perturbações dos centros
nervosos, me havia recordado do meu pobre amigo de Saint-Julien e prognosticava,
embora contrariado, a paralisia geral que ameaçava esta criança
tão magra e que revelava sintomas de uma microcefalia reumatizante.
"As aparências, primeiro, não me deram razão. Alexandre
Le Mansel, conforme me informavam de Avranches, recuperou na idade adulta uma
saúde normal e deu indiscutíveis provas de inteligência.
Estudou profundamente matemática; chegou até a remeter para a
Academia das Ciências as soluções de diversas equações
ainda por resolver, as quais foram consideradas tão exatas como engenhosas.
Absorvido pelos seus trabalhos, só raramente dispunha de tempo para me
escrever. As suas cartas eram afetuosas, correntias, bem ordenadas; nada havia
nelas que pudesse ser suspeito aos olhos do neurologista mais desconfiado. Mas
em breve a nossa correspondência cessou por completo e durante dez anos
não tive nenhuma notícia dele.
"Fiquei deveras surpreendido quando, o ano passado, o meu criado me veio
entregar o cartão de Alexandre Le Mansel, dizendo-me que aquele senhor
me esperava na antecâmara. Encontrava-me no meu gabinete, a conferenciar
com um confrade acerca de um assunto profissional de certa importância.
No entanto, pedi ao colega para esperar durante um minuto e fui a correr abraçar
o meu antigo camarada. Achei-o envelhecido, calvo, macilento, excessivamente
magro. Dei-lhe o braço e conduzi-o para a sala.
- "Estou muito satisfeito por te ver - disse-me ele - e tenho muitas coisas
a revelar-te. Sou vítima de perseguições incríveis.
Mas tenho coragem, lutarei firmemente, conseguirei triunfar dos meus inimigos!
"Estas palavras inquietaram-me como aliás teriam inquietado também
no meu lugar qualquer outro médico neurologista.
"Descobri nelas o sintoma da afecção com que as fatais leis
da hereditariedade ameaçavam o meu amigo, hereditariedade essa que parecera
dominada.
- "Meu caro, havemos de falar de tudo isso - declarei-lhe. - Espera aqui
durante um momento. Volto já. Distrai-te com um livro enquanto esperas.
"Sabe que tenho muitos livros e que a minha sala contém, em três
estantes de acaju, cerca de seis mil volumes. Que fatalidade teria levado o
meu infeliz amigo a escolher precisamente aquele que pior lhe poderia fazer,
abrindo-o ainda por cima na funesta página? Conferenciei durante talvez
vinte minutos com o meu colega; depois, tendo-me despedido dele, voltei para
a sala onde deixara Le Mansel. Fui encontrá-lo num estado pavoroso. Batia
no livro que tinha aberto à sua frente, o qual reconheci imediatamente
como sendo a tradução da HISTOIRE AUGUSTE. Recitava em
voz alta a seguinte frase de Lampride: "No dia do nascimento de Alexandre
Severo, uma galinha pertencente ao pai do recém-nascido pôs um
ovo vermelho, presságio da púrpura imperial que a criança
deveria envergar."
"A sua exaltação atingira o estado de furor. Escumava, aos
gritos: "Um ovo, o ovo do meu dia natalício! Sou imperador. Sei
que pretendes matar-me. Não te aproximes, miserável!" Caminhava
alucinadamente de um lado para o outro. Depois, aproximando-se de mim com os
braços abertos, exclamou: "Meu amigo, meu velho camarada, que queres
tu que eu te dê?... Imperador... Imperador... Meu pai tinha razão...
O ovo de púrpura... Imperador, tenho de ser imperador... Celerado! Por
que motivo me escondes esse livro? Castigarei tão grave crime de alta
traição... Imperador! Imperador! Tenho de ser imperador. Sim,
é esse o meu dever. Vamos, vamos!..." Saiu. Tentei em vão
detê-lo. Conseguiu fugir. Sabe o resto. Todos os jornais contaram a maneira
como, ao sair de minha casa, foi comprar um revólver e estourou os miolos
do funcionário que lhe barrava a porta do Eliseu.
"Eis como uma frase escrita no século IV por um historiador latino
ocasionou, mil e quinhentos anos mais tarde, a morte de um infeliz rapaz nosso
compatriota. Quem conseguirá jamais destrinçar a meada das causas
e dos efeitos? Quem se poderá gabar de dizer, ao realizar qualquer ato:
sei o que estou a fazer? Meu caro amigo, eis tudo quanto desejava contar-lhe.
O resto interessa apenas às estatísticas médicas e pode
resumir-se em duas palavras. Le Mansel, internado numa casa de saúde,
aí permaneceu durante quinze dias vítima de uma loucura furiosa.
Depois afundou-se num estado de imbecilidade completa, durante o qual a gula
era tamanha, que chegava a devorar a própria cera de encerar o chão.
Morreu asfixiado há cerca de três meses depois de engolir uma esponja."
O doutor calou-se e acendeu um cigarro. Após um momento de silêncio,
eu disse-lhe:
- O senhor contou-me uma história de fato terrível.
- É na verdade terrível - retorquiu o médico - mas verdadeira.
Beberia de boa vontade um cálice de conhaque.
Que tal comprar um livro de Anatole France? Monsieur Bergeret em Paris A Rebelião dos Anjos |