A Garganta da Serpente
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O EXTERMINADOR DE ALMAS - PENÚLTIMO CAPÍTULO

(André Ferreira Machado)

O tempo passou e os ventos de Novembro começaram a soprar. Os novos proprietários da casa onde Eric e Christian moravam começaram a vir mais constantemente, o que indicava que já estava chegando a hora deles procurarem um outro lugar para ficarem.

- Por que nós não os expulsamos e ficamos aqui para sempre?

- Eric... Você está começando a entender as coisas... Mas, tem que aceitar que, às vezes, não podemos resolver tudo do nosso jeito.

Eric suspira fundo:

- E para onde iremos agora?

- Sempre há um lugar. Se não encontrarmos, pediremos ajuda na Consciência Coletiva. Além do mais, o Gabriel não vai nos deixar na mão.

- O que é essa Consciência Coletiva?

- Um lugar onde todos os Exterminadores de Alma se encontram. É um lugar virtual, dentro da sua mente. Não sonhamos, mas podemos ir para lá, para trocar informações sobre o que quisermos.

- E por que você ainda não me levou lá?

- Porque você ainda não está preparado para conversar com os outros.

- E quando é que eu vou estar?

- Isso, o tempo vai dizer... A propósito: eu sei que você sai todas as noites.

- Então, você percebeu?

- Percebi. Sei que isso não é da minha conta mas, aonde vais?

- Eu tento... ir para os lugares onde eu passei a minha vida... Tento encontrá-los... Tento lembrar-me do tempo em que eu era realmente feliz.

Christian suspira:

- Ás vezes, para se andar para frente, é necessário deixar algumas coisas para trás.

Os dois, sentados no telhado, ficam observando o Sol se pôr, sem saber que alguém, secretamente, os observava em infravermelho.

A noite veio fria, como a sobrenaturalidade da vida. Novembro. Primavera. E uma temperatura de 19 graus. Como era possível? Algumas coisas não se explicam.

A madrugada estava em seu auge. Eric acordou. Saiu do quarto. Vestiu um sobretudo preto e saiu. Andou calmamente pelas ruas da futura Cidade Maravilhosa, agora desertas, tomadas apenas pelas trevas da noite. Trilhou um caminho que ele já tinha feito há alguns dias, como teste. Este caminho levou-o a uma estrada, com chão de granito, que ele já conhecia muito bem. Por muito tempo caminhou por ali para chegar ao seu destino.

O Colégio Santo Antônio foi um dos primeiros colégios construídos no Brasil. Foi fundado em 1.805. Eric foi um dos primeiros alunos dele: entrou dois anos depois, para começar os seus estudos. A instituição, naquela época, era pequena mas, com os auxílios da Coroa Portuguesa e, mais tarde, do Imperador, foi crescendo a olhos vistos e transformou-se em uma das maiores instituições de ensino de sua época. Eric parou em frente àquele grande portão metálico. Logo, pôde perceber que não era o mesmo que estava acostumado a ver. Cem anos. Um século. E aquele prédio continuava ali, de pé. Isso, por si só já era um milagre. Quais modificações teriam sido feitas lá dentro? Estava tudo escuro: Eric só percebia a silhueta das edificações.

Pôs sua mão contra a grade do portão, fechou os olhos, desmanchou-se e passou para o outro lado. Abriu os olhos e girou sobre si mesmo: lembrava-se daquele pátio. O pátio da frente. Por muitos recreios ficava ali, sozinho, recusando a companhia de outros garotos. Avançou em direção à porta. Desmanchou e passou de baixo dessa. Reconstituiu-se.

Aquele lugar estava completamente diferente do que ele acostumara-se a ver: maior, sem algumas salas,com trabalhos de alguns alunos colados em murais e com lâmpadas no teto. Sim, um grande lustre dourado. Pelo visto, a instituição não ficava atrás das novidades tecnológicas da época. Virou à direita e andou por um grande corredor. Encontrou o que poderia ter sido a sua sala de aula. Quem sabe, já que eles mudaram tudo? Foi àquela que estava mais próximo do que ele se lembrava e atravessou a porta. Olhou para os lados e logo percebeu um interruptor na parede à esquerda. Ligou-o. As luzes acenderam. Ao fundo da sala, um armário metálico e cartazes de alunos. Olhou para o quadro negro. Nele, rabiscos de alunos sobre a resolução de equações do primeiro grau. Pelo visto, aquela sala continuava sendo uma sétima série, ou qualquer coisa que recebesse um nome equivalente nessa época. E, pelo jeito, alguém tinha esquecido de apagar o quadro ao sair. É, nem tudo mudou, pensou Eric.

Caminhou para a segunda classe da fila do meio. Era ali que ele sempre se sentara. Puxou a cadeira e ficou olhando aquele quadro. A classe era bem diferente da que ele usava. Com o olhar fixo na resolução da equação x - 11 = 9, lembrou-se de uma aula onde todos teriam que resolver equações no quadro. Lentamente, aquela sala ficou cheia de seus colegas. O pessoal do fundão conversando sobre qualquer coisa menos a matéria de aula. As quatro meninas que sentavam na primeira e segunda fila trocando segredinhos. Olhou para o outro lado: outras garotas passando bilhetinhos para os garotos. Atrás delas, mais meninos jogando bolinhas de papel. Ao seu lado, bem na frente, os intelectuais, em silêncio, tentando acompanhar a resolução dos exercícios. O quadro, além dos números, já estava cheio das assinaturas personalizadas das meninas. E o professor, perdendo a voz, tentando manter a ordem num tempo em que os desobedientes usavam chapéu de burro e ajoelhavam no milho.

Baixou a cabeça. Ergueu-a. Abriu os olhos e estava novamente sozinho naquela sala. Pôs a mão debaixo da classe e puxou um papel dobrado que estava lá. Abriu-o e surpreendeu-se: era uma prova, esquecida ou deixada lá de propósito por um tal Eric Silva.

- Tsc... O mesmo nome, o mesmo lugar, a mesma sala...

- E o mesmo gênio.

Eric olhou para a porta assustado.

- Ah, você...

- Por que será que eu sabia que, mais cedo ou mais tarde você ia acabar vindo pra cá?

- Eu sei lá, Gabriel... Talvez porque eu ache que sou diferente mas, na verdade, sou tão previsível como todo mundo.

- É. Uma turma de escola é o mais clássico exemplo de sociedade. Em toda turma há os intelectuais, as Patricinhas, a turma do fundão... todas têm isso, mas em todas, as pessoas se acham especiais e únicas por estarem ali. Sempre foi assim, sempre será assim.

- Mas eles estão certos. Toda turma é especial e única, mesmo que seja igual a todas as outras.

- Sabe, quando os alunos estão nessa fase de aprendizado, eles esperam ansiosamente que chegue o dia da formatura para que se livrem de uma vez da escola. Quando esse dia chega, eles choram porque não querem mais ir embora, porque não querem se separar. E aí, vai cada um pro seu lado, buscar um emprego que não vem, tentar entrar numa faculdade em vão, viver a sua vida. Aos poucos, os colegas se tornam lembranças de um passado distante e nada mais.

- É.

- Vai para a biblioteca.

- O quê?

- Tem uma coisa lá que você precisa ver. - Gabriel aproxima-se de Eric - E, depois, uma coisa que você precisa enfrentar. - ele coloca um objeto cilíndrico preto em cima da classe.

A biblioteca estava maior, repleta de estantes metálicas. Eric caminhou pelo corredor entre elas. As paredes cinzas: mudaram isso! Fizeram o lugar ficar mais sombrio.

Encostada na parede do fundo, uma mesinha de madeira com um grosso livro caindo aos pedaços sobre ela. Eric abriu o livro, com as páginas amareladas. Num primeiro instante, não entendeu, mas logo reconheceu aquilo: os livros do ano, com as fotos de todas as turmas que haviam passado por ali. Folhou aquele livro até que achou a sua última foto. Ele, bem no canto direito de quem olha, com uma cara de quem acabara de se levantar. Uma foto sépia, com quase todos os rostos borrados e apagados pelo tempo. Em cima, quase apagada, a inscrição "COLÉGIO SANTO ANTÔNIO - SÉTIMA SÉRIE - 1814". Estavam ali, todos eles, todos os seus colegas. Teve vontade de chorar, mas segurou-se. Um sorriso tomou conta de seus lábios. Ele virou a página e viu uma foto sua, ocupando uma folha inteira. Na página do lado, um texto comovente: "Homenagem do Colégio Santo Antônio a Eric Braesnovenn, um de seus mais brilhantes alunos, injustamente ceifado dos campos da juventude. Descanse em paz e rogai por nós junto ao Altíssimo."

Não conseguiu ver o resto. Fechou os olhos e o livro. Virou-se e percebeu que uma senhora o observava bem de perto. Não esboçou reação. A mulher, já idosa, proferiu poucas palavras:

- Eu sabia que você voltaria.

- Desculpe, eu lhe conheço?

- Conheceu, sim... mas não deve se lembrar mais... Eu esperei ansiosamente por este momento, porque eu acreditei que, um dia, ele aconteceria.
- E quem é você?

- Foi você quem deu o meu nome...

Eric baixou a cabeça e pôs-se a pensar. Como assim? Lentamente, aquilo foi fazendo sentido: em 1812, sua família recebeu a visita de uma amiga. Ela trouxera um lindo bebê, que chamou a atenção de todos.

- O parto foi muito difícil. - disse ela - Ela estava sentada no útero.

- Meu Deus! - disse Dona Norma - O nascimento dela, então, foi um milagre...

- Foi um presente de Deus...

- E qual é o nome dela? - Perguntou Eric, acariciando o rosto daquele anjo.

- Ainda não decidimos... Não tivemos tempo para pensar...

- Por que não colocam Vitória?

- É... - concordou a mãe - até que cai bem... Vitória... É um bom nome!

- Vitória...

- Acho que você deve ter sido inspirado por Deus naquele instante. É claro que eu não me lembro, mas sou grata a você por isso.

- Ela nasceu em 1812!

- Não é todo mundo que chega aos 102 anos...

Eric fica em silêncio. Após um longo período, conclui:

- Não é todo mundo que chega aos 114...

A senhora sorri.

- Não é todo mundo que chega aos 114, bem preservado como você!

- Como sabe quem eu sou?

- Eu sabia que você ia voltar um dia. A sua morte foi algo muito polêmico e ficou na boca do povo por muitos anos. Não foram meses, não, foram anos! Sua mãe enlouqueceu e partiu dois anos depois. O Dr. Barcelos foi condenado à morte, mas sumiu misteriosamente antes de sua execução e nunca mais se teve notícias dele...

- Eu não sabia disso...

- Desculpe se eu toquei você, precisava falar. - Vitória suspira - Sabe, todos os anos de minha infância eu cresci ouvindo as suas histórias: coisas da sua vida e de como você deu o meu nome. Você se tornou um mito para mim, um herói. Em todos os dias de finados, eu colocava flores e velas no seu túmulo, rezava por você, e ele sempre estava lá, junto comigo.

- Ele quem?

- Eu acho que você conhece...

Em um dia de finados, Vitória, com seus 12 anos, caminhava pelo cemitério com um buquê de flores e duas velas. O clima estava nublado e uma leve chuva caia sobre as almas viventes. Todos sacavam suas sombrinhas e guarda-chuvas, mas ela não havia trazido nem um nem outro. Gostava que a chuva fina molhasse o seu corpo.

Finalmente, avistou o túmulo. Aquele homem de sobretudo preto estava lá mais uma vez. Chegou bem perto dele, em silêncio. Ele estava fazendo uma cruz e um círculo em volta desta com sal, enquanto proferia palavras indecifráveis.

- Moço... - perguntou ela.

O homem não deu atenção e continuou o que estava fazendo.

- Moço, por que o senhor faz isso todos os dias de finados? Sempre que eu venho, o senhor está aqui, fazendo esses círculos de sal...

O homem aparentemente termina o que estava fazendo e olha para o rosto da menina sorrindo:

- Você vem aqui por causa do Eric. Eu também. Eu faço isso para que a alma dele não saia do corpo.

- Mas por que isso?

- Porque ele vai voltar. Um dia ele vai voltar para essa terra e viverá aqui para sempre. Será sempre jovem e combaterá o mal. Livrará os homens de uma força terrível, mesmo que eles não saibam. E você vai viver para vê-lo de volta. Vai viver para dizê-lo que sempre acreditou no que eu disse, mesmo antes que eu tenha dito.

- Foi por isso que eu sempre soube que eu iria vê-lo de novo. Todos os anos, eu vi aquele homem fazendo aquilo, até que ele, um ano, parou de vir. Eu cresci, casei, tive filhos, netos, mas sempre vivi aquela expectativa, como se fosse uma contagem regressiva. Uma contagem para este momento. Quis ficar próxima de você, por isso escolhi trabalhar aqui, no seu colégio, porque eu sabia que você, quando voltasse, iria acabar vindo para cá mais cedo ou mais tarde. E, mais cedo ou mais tarde, viria para essa biblioteca, porque você gostava de vir aqui às vezes. Esse foi o propósito da minha vida. Agora, ele está completo e eu já posso descansar em paz.

- Não diga isso. Você já chegou até aqui. Agora, pode continuar a sua vida. Sinto decepcioná-la mas, talvez eu não seja sequer metade daquilo que você esperava...

- Não, não... você é muito mais do que eu esperava, mas talvez ainda não saiba disso. Como tudo na vida, você ainda tam muito a descobrir. Posso dar um conselho?

- Hã?

- Escreva. Pega um livro e escreve tudo que você passar.

- Eu sou péssimo para fazer diários. Já tentei várias vezes. Sempre acabava esquecendo de anotar algum dia e deixava pra lá.

- Não é um diário! Escreve algo importante! Você ainda vai viver muito. O que você passar agora, vai ser um documento histórico inestimável para as futuras gerações.

Eric concordou. Fechou os olhos. Tirou seu espectro e pô-lo sobre uma mesa. Aproximou-se de Vitória e deu-lhe um forte abraço.

- Finalmente alguém que eu conheci ainda está vivo. Obrigado por ter acreditado. Sua esperança não foi em vão.

- Eu é que agradeço você por tê-la tornada real.

Naquele instante, Eric tornara-se realmente feliz. Enfim, parecia que sua nova vida tinha um sentido. Ele caminhava, alegre e solitário pelos sombrios corredores do colégio, olhando para baixo, concentrando-se naquele cilindro preto. Jogava-o para cima, girava-o, o que será que era? Tinha uma grande abertura em um dos lados superiores. Logo, percebeu que havia um pequeno botão vermelho abaixo do orifício, no cabo. Tentou apertá-lo com força, não conseguiu. Que estranho... Parou e olhou para a direita: nesta direção, atrás de si, a porta de uma singela capela estava aberta. Ficou de frente para esta, olhou fixamente as imagens de Cristo e outros santos ali presentes. Fechou os olhos e, quase que cochichando, disse poucas palavras:

- Sei que não sou mais digno de pedir-Lhe qualquer coisa mas, por favor, me ajude. Lembrai-Vos que não pedi para ser assim, o que sou hoje. Isso que eu me tornei é o resultado de escolhas que os outros tomaram por mim. - E, quase chorando, conclui - Eu não tive a chance de falar... Sei que sou, diante de Vós, a mais inferior e abominável criatura mas, por favor. Iluminai o meu caminho para que eu possa fazer o que outros querem que eu faça e possa, finalmente, rever a minha família, a minha mãe, o meu pai, é só isso que eu quero. Por favor, me ajude...

Repentinamente, um homem surge à sua esquerda, caminhando em direção a ele.

- Suas preces serão atendidas...

- Quem está aí? - diz, virando-se assustado e escondendo o cilindro misterioso.

- Meu filho, guarda minhas palavras, conserva contigo meus preceitos. Observa meus mandamentos e viverás.

O homem tinha uma voz rouca e metálica.

- É algum tipo de brincadeira? Quem é você?

- Eis que sou Nêmesis, o príncipe dos Caçadores e eu vim... para matá-lo.

Nêmesis aproxima-se de Eric. A luz revela o seu rosto: completamente branco, com longos cabelos, olhos amarelados e uma cruz preta tatuada na testa.

- Cara, olha só... não sou eu que você procura... você pegou o cara errado e...

Nêmesis retira da cinta um cilindro parecido com o que Gabriel deu a Eric. Aperta-lhe o botão e, dele, sai uma longa espada.

- Naquele dia o Senhor ferirá com sua espada pesada, grande e forte, Leviatã, o dragão fugaz. Leviatã, o dragão tortuoso; e matará o monstro que está no mar.

- Ta vendo como o senhor se enganou? O meu nome não é Leviatã, é Eric, e nós não estamos no mar, pra falar a verdade, faz uns cem anos que eu não vou à praia...

- Em verdade, grandes e impenetráveis são os vossos juízos, Senhor; Por isso as almas grosseiras caíram no erro!!!!

Nêmesis avança com a espada contra Eric. O garoto se abaixa, inclina seu tronco para trás e esquiva-se. O caçador recolhe a arma, Eric avança-se sobre ele, gira 360 graus no ar e cai de pé atrás de Nêmesis, que gira seu corpo apontando a espada para Eric. O menino abaixa-se e a espada de Nêmesis destrói uma imagem de Nossa Senhora das Graças. Eric olha para o que sobrou da imagem e sai, lentamente, caminhando para trás e olhando fixamente para Nênesis.

- Olha, amai-vos uns aos outros como Eu vos amei...

- E vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu cavaleiro tinha por nome Morte e a legião dos mortos o seguia.

- Parece que você não ouve, né?

Eric sai correndo. O Caçador o segue furioso. Um caminho, uma luz, Eric arquitetara um plano para fugir naqueles cruciais segundos. Correu pelo corredor do saguão, subiu uma escada, andou por outro corredor, até que viu uma porta, sempre sentindo o calor do perigo atrás de si. Nêmesis, então, grita:

- Fique parado! Se você ficar correndo, eu não vou conseguir matá-lo!

- Mas a intenção é essa...

Eric atravessa a porta. Já possuía tudo planejado, mas assustou-se e reteve-se ao ver aquilo: uma parede à sua frente.

- Essa não! Eles mudaram isso!

A espada de Nêmesis atravessa o metal da porta, à direita de Eric, na altura de sua cabeça. O garoto, então, vê que foi construída uma escada à esquerda e foge por esta. Nêmesis arrebenta a porta, gritando furioso, olha para todos os lados e vê Eric correndo ao longe, já subindo por outra escada. O Caçador lança-se e caminha no ar para alcançar o seu alvo. O menino consegue subir a escada e chegar a uma área descoberta do pátio. Olha para cima: as trevas da noite estavam dando lugar aos raios de Sol: em breve, talvez alguns estudantes estariam ali: não poderiam vê-lo; ele precisava resolver aquilo depressa. Olha para frente e percebe Nêmesis aproximando-se.

- Não acrescentes um segundo pecado ao primeiro, pois mesmo por causa de um só não ficarás impune.

Nêmesis avança sobre Eric com a espada. O garoto saca o cilindro preto e aperta um botão. Uma grande lâmina afiada salta e bloqueia o ataque do Caçador. A espada de Eric torna-se seu escudo. Nêmesis olha aquilo, respirando fundo.

- Vejo que um de meus companheiros trai-me de maneira tão baixa com uma criatura tão vil... Eis que ele terá o mesmo destino que vossa carne.

Os dois impulsionam-se para cima e voam no ar, girando, pressionando espada contra espada. Os dois param, levantam suas armas e as batem uma contra a outra, numa luta frenética, enquanto retornam ao solo. Nêmesis recolhe a espada por um segundo e avança com ela. Eric defende-se e as duas espadas encontram-se, ficando lâmina contra lâmina, com as duas extremidades alinhadas, formando como se uma única. Os dois impulsionam-se e giram no ar. Eric, à direita, volta ao solo, pula, gira 360 graus sobre Nêmesis e fica sobre o telhado das salas de aula. Nêmesis voa e fica em frente a ele, no telhado oposto. Eric caminha para a esquerda, com a espada baixa. Nêmesis coloca sua espada ao lado de seu rosto, segurando o seu cabo com as duas mãos.

- Mas a Fera foi presa, e com ela o falso profeta que realizava prodígios sob o seu controle, com os quais seduzira aqueles que tinham recebido o sinal da Fera e tinham se prostado diante de sua imagem. Ambos foram lançados vivos no lago de fogo sulfuroso.

Eric corre para frente, caminhando no ar. Nêmesis também. Os dois se encontram e começam uma nova briga de espadas no ar, vão caindo e a luta continua na terra. O Caçador quase consegue ferir o rosto de Eric, que se desvia, fazendo a espada passar a um centímetro deste. Eric, propositalmente, cai para trás e bloqueia a espada de Nêmesis com sua espada.

- Será que você nunca cansa, hein? Eu tenho outro compromisso...

- A luta contra o mal é incessante!

- Mas quem disse que eu sou mal? Eu sou bonzinho...

- Um Exterminador de Almas bom é um Exterminador de Almas morto!

Eric ergue-se e continua lutando, defendendo-se com sua espada. O Caçador parte o corpo de Eric ao meio, horizontalmente. Eric vira cinzas e reconstrói-se. Durante a reconstrução, põe as mãos no chão como um lagarto e pula, já completo, no ar, para cima do adversário. Nêmesis, com sorte, consegue ferir o pescoço de Eric do lado esquerdo. Este gira em sentido horário e cai por terra gemendo.

- Trilítio?

- Estenda a face a quem o fere e se farte dos opróbrios!

Nêmesis, novamente, levanta sua espada contra Eric, que se defende com sua própria espada. Ergue-se e afasta-se. Nêmesis também toma distância, preparando-se para um novo golpe. Eric passa a mão no pescoço e vê o sangue em seus dedos. Olhando seriamente para Nêmesis, diz com um tom ameaçador:

- Ainda sois vós anjo...

Eric corre em direção à Nêmesis. O Caçador levanta sua espada. Eric, caminhando no ar, dá-lhe pontapés na altura do peito, dá uns três ou quatro, mas o último foi tão forte que o fez voar até a árede da área coberta. Nêmesis, rangendo seus dentes, impulsiona-se para frente e vem voando até a direção de Eric que, em uma fração de segundo, agarra-lhe o rosto com as duas mãos. Nêmesis grita, deixa a espada cair. Em pouco tempo, os dois estão ajoelhados no chão. Uma forte onda de energia emana dos dois, causando um grande vento. Neste momento de êxtase, Eric pôde ver o que acontecia longe dali:

Christian acordou. Levantou-se da cama e espreguiçou-se. Lentamente vira seu corpo mas, inesperadamente, grita: um ser, enxergando em infravermelho, avança-se sobre ele e o rapta.

Eric fica preocupado. Solta suas mãos do rosto de Nêmesis e os dois são lançados longe. Eric chega a amassar uma porta metálica de uma sala de aula. O ferimento em seu pescoço está curado. Fica ali, sentado, olhando Nêmesis também se reerguer. Levanta-se. Nêmesis vem lentamente em sua direção.

- Nêmesis, para ti deixo apenas três palavras: a segunda parte do segundo versículo do salmo 52.

Eric corre em direção à Nêmesis, que prepara-se para atacar, mas o garoto impulsiona-se para cima, tomando como base o peito do adversário, voa até o telhado oposto. De lá, pula, vira pó e desaparece.

Nêmesis permanece no centro daquele pátio, olhando para o ponto de fuga, incrédulo.

- Por que razão fugísseis vós?

Ele baixa sua espada, com a lâmina suja de sangue, lembrando-se do que Eric disse.

Salmo 52, versículo 2.

A Segunda parte.

Três palavras:

"Não há Deus."

Eric, em forma de pó, deixa o vento levar-lhe até a casa. Sua visão é vermelha, e mostra uma velocidade talvez inatingível para qualquer automóvel. Em menos de meio minuto, já estava ali.

- Christian!!!

Eric corre por toda a casa, entra em todos os cômodos, gritando pelo nome de Christian. O silêncio é sua resposta. Volta para a sala, onde percebe um papel, fixado na parede por uma adaga, com o espectro de Christian em torno dessa. Arranca o papel, pega o espectro e lê a mensagem. O medo toma conta de seu ser. Suas mãos ficam trêmulas. O papel cai no chão.

Gabriel caminha até ele. Antes que o visse, Eric pergunta:

- Por que deixou isso acontecer?

- Eu não posso interferir...

Virando-se para o anjo, encara-o.

- E por que não me falou disso?

- Porque você não estava preparado.

- E quando você achava que eu ia estar? Agora, quando Christian está correndo risco de vida?

- Você ia saber mais cedo ou mais tarde, mas não desse jeito... Nós não planejamos isso.

- Nós? Você acabou de destruir toda a história do Livre Arbítrio. Acabou de dizer que somos fantoches.

- Não foi isso que eu quis dizer.

- Mas foi isso que você disse.

Gabriel suspira.

- Você tem duas horas para salvar Christian.

- Por quê? Quem foi que disse que eu quero salvar ele?

- Você não quer salvar o seu...

Gabriel cala-se. Eric prossegue.

- E por que eu devo salvá-lo? Só por que você quer? Por que você acha que eu vou ficar sozinho? Eu não sou seu escravo. O mundo não gira ao seu redor.

- Se você não salvá-lo, ele vai morrer.

- Seria apenas mais uma morte, como todas as outras que você e ele me mandaram ou me mandarão fazer. Chega.

- Se quer um motivo forte, se você deixá-lo lá, você será o próximo.

- E se eu for lá resgatá-lo também. Acha o quê? Que eu vou entrar num prédio, provavelmente cheio de seguranças, monstros e outras coisas, matar todo mundo e pegar ele? Cai na real: a realidade não é assim! Eu não estou preparado para fazer isso.

- Preparado ou não, você vai ter que fazer. Você vai ir para a bolha do tempo e, lá, eles vão te dar todos os recursos que você precisar.

- Olha! Já ta dizendo o que eu tenho que fazer de novo!

- Eric... - fala com um tom ameaçador mas, depois, baixa a voz - Eu te peço para que atenda esse pedido. É para o seu bem. É para o bem de todos. Por favor, salve Christian. Ele é o único que pode ajudá-lo agora. Como fará isso se você não ajudar ele? Ouça o que eu estou dizendo... no fundo, você sabe que eu estou certo.

Eric baixa a cabeça e fecha os olhos.

- Eu odeio quando isso acontece...

No chão, uma carta com palavras terríveis.

"Seu amiguinho está comigo, Venha me encontrar no endereço abaixo

Do seu velho amigo

Dr. Barcelos"



CONTINUA...

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