A Garganta da Serpente
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Uma rosa

(Anderson Henrique Gonçalves)

Perco-me em dúbias lembranças cada vez que lembro de ti.

Em meu desalento sou violentado por uma esmagadora sensação de pesar; um sentimento tão inócuo que não apresenta seu real intento àqueles que são acometidos por tal enfermidade. No ímpeto de livrar-me desta desordenada sensação, acabo entregando-me aos corruptos braços de uma consciente insanidade.

Ainda assim penso em ti.

Memórias de um corpo de cólera são trazidas à mente da mesma forma que a primavera expõe seu colorido aos olhos esperançosos de dois amantes. Da impetuosidade de teu toque febril, sinto o calor arder-me as entranhas, consumindo-me em tendenciosa paixão.

Saberdes que sou teu e em minha alma repousa um incalculável querer, esperançoso por ter sido um dia tocado pelo amor dos deuses do infinito. Meu pulso ferve, impulsionado por ritmada sinfonia de um coração precipitado ao insistir em um sentimento mal resolvido. As lembranças de teu beijo deflagram meu coração em uma perpétua sensação de euforia e êxtase.

Confesso-te que nunca imaginei sentir assim a falta de alguém e surpreendo-me, atado a terríveis peias de um amor irrevogável, com este aperto incisivo no peito. Nunca imaginei acontecer comigo, que em grande parte de minha improfícua existência somente desfrutei de amores luxuriantes que me proporcionavam nada além de concupiscência e lascívia.

Fui aprisionado por este amor flagrante, e mesmo com o coração desacreditado de que tal sentimento pudesse existir, senti a mão de Deus tocar-me.

Entreguei a ti um amor cinematográfico e quase indizível.

Que cruel e terrível este destino incondicional que lhe tomaste em momento tão intempestivo. É amaldiçoada e extemporânea esta sentença a qual me condenaste sem direito a defesa ou contestação. Fui altivo;, pretensioso ao imaginar que a teria a meu lado por toda uma vida, e agora flagelo-me com lágrimas que decoram minha face em um açoite silencioso.

A este Amor, sentimento que de tão simples poderia ter sido cultivado até mesmo a simples objetos, dediquei rebeldia e complexidade. De curta duração e até imperceptível para alguns, mas de tão extrema intensidade que poderia tornar-se eterno. Mas quem sou para julgar o tempo ? Este inimigo de poucas horas, mas grande aliado dos longos prazos. Conto com vossa simpatia à jornada do esquecimento e apego-me à esperança de que um dia possas agraciar-me com vossa clemência.

E o que fazer com esta melodia perniciosa que em uma tétrica sinfonia invade-me os ouvidos? Seria saudade inadvertida? Atira-me uma faca no peito cada vez que despeja nossa música pelo gramofone e faz-me admirar o peso e influência de uma simples canção à ouvidos apaixonados.

Em teus olhos busco a esperança de que alguma chama possa ainda se acender, mas a frieza com que emite seu olhar à horizontes perdidos retira-me qualquer expectativa de ver brotar em teu rosto o magnético sorriso que fez-me apaixonar acidentalmente.

Pensei em comparar-te a uma rosa, bela mas perigosa, porém percebi que seria um ultraje tal comparação, já que a simples sombra de tua presença é capaz de despertar um jardim de sentimentos em meu coração.

Quisera não tê-la conhecido. Quisera não ter em pensamento tua face, na boca teu gosto e teu perfume à meu redor. Cogito a possibilidade de conforto em tua inexistência, mas percebo que tua dissociação de minha vida seria aniquilar minha vivacidade.

Preciso despedir-me.

É chegada a hora de nosso adeus final. Se tivesse a percepção do pouco tempo que teríamos certamente diria-te muitas coisas antes deste fatídico momento. Queria controlar o tempo para pedir-lhe pelo menos mais um dia a teu lado, mas sobre estas coisas infelizmente não exercermos nenhum poder.

Preciso mesmo ir. Melhor despedir-me agora do deixar que alguém veja meu rosto em prantos próximo a ti. Talvez eu nem mesmo devesse ter me esgueirado à teu encontro, mas não pude evitar de fazê-lo. Precisava olhar em seus olhos uma única vez mais, mesmo tendo a certeza de que não responderias à minha presença. Outras pessoas lhe esperam na capela para também dar-lhe um último adeus. Em sua lápide, deixarei discretamente uma pequena rosa, para que onde quer que esteja, saibas como sentirei tua falta.

Encontrei seu cônjuge, um grande amigo de infância, lá fora. Suas lamentações eram sentidas por todos os amigos, e assim como eu, ele perdeu também esperanças de continuar uma vida sem tua presença.

Sinto-me duplamente traidor; uma víbora sem escrúpulos. Não deveríamos jamais ter nos envolvido nesta adúltera e sigilosa relação, mas não pudemos controlar os impulsos deste amor impensado e infinitamente impulsivo. Tenho vergonha do que fizemos e sinto-me culpado a todo momento que passo diante dele, mas duvido que a tenha amado como eu o fiz.

Adeus querida, já sinto tua falta.

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