Perco-me em dúbias lembranças cada vez que lembro de ti.
Em meu desalento sou violentado por uma esmagadora sensação de
pesar; um sentimento tão inócuo que não apresenta seu real
intento àqueles que são acometidos por tal enfermidade. No ímpeto
de livrar-me desta desordenada sensação, acabo entregando-me aos
corruptos braços de uma consciente insanidade.
Ainda assim penso em ti.
Memórias de um corpo de cólera são trazidas à mente
da mesma forma que a primavera expõe seu colorido aos olhos esperançosos
de dois amantes. Da impetuosidade de teu toque febril, sinto o calor arder-me
as entranhas, consumindo-me em tendenciosa paixão.
Saberdes que sou teu e em minha alma repousa um incalculável querer,
esperançoso por ter sido um dia tocado pelo amor dos deuses do infinito.
Meu pulso ferve, impulsionado por ritmada sinfonia de um coração
precipitado ao insistir em um sentimento mal resolvido. As lembranças
de teu beijo deflagram meu coração em uma perpétua sensação
de euforia e êxtase.
Confesso-te que nunca imaginei sentir assim a falta de alguém e surpreendo-me,
atado a terríveis peias de um amor irrevogável, com este aperto
incisivo no peito. Nunca imaginei acontecer comigo, que em grande parte de minha
improfícua existência somente desfrutei de amores luxuriantes que
me proporcionavam nada além de concupiscência e lascívia.
Fui aprisionado por este amor flagrante, e mesmo com o coração
desacreditado de que tal sentimento pudesse existir, senti a mão de Deus
tocar-me.
Entreguei a ti um amor cinematográfico e quase indizível.
Que cruel e terrível este destino incondicional que lhe tomaste em momento
tão intempestivo. É amaldiçoada e extemporânea esta
sentença a qual me condenaste sem direito a defesa ou contestação.
Fui altivo;, pretensioso ao imaginar que a teria a meu lado por toda uma vida,
e agora flagelo-me com lágrimas que decoram minha face em um açoite
silencioso.
A este Amor, sentimento que de tão simples poderia ter sido cultivado
até mesmo a simples objetos, dediquei rebeldia e complexidade. De curta
duração e até imperceptível para alguns, mas de
tão extrema intensidade que poderia tornar-se eterno. Mas quem sou para
julgar o tempo ? Este inimigo de poucas horas, mas grande aliado dos longos
prazos. Conto com vossa simpatia à jornada do esquecimento e apego-me
à esperança de que um dia possas agraciar-me com vossa clemência.
E o que fazer com esta melodia perniciosa que em uma tétrica sinfonia
invade-me os ouvidos? Seria saudade inadvertida? Atira-me uma faca no peito
cada vez que despeja nossa música pelo gramofone e faz-me admirar o peso
e influência de uma simples canção à ouvidos apaixonados.
Em teus olhos busco a esperança de que alguma chama possa ainda se acender,
mas a frieza com que emite seu olhar à horizontes perdidos retira-me
qualquer expectativa de ver brotar em teu rosto o magnético sorriso que
fez-me apaixonar acidentalmente.
Pensei em comparar-te a uma rosa, bela mas perigosa, porém percebi que
seria um ultraje tal comparação, já que a simples sombra
de tua presença é capaz de despertar um jardim de sentimentos
em meu coração.
Quisera não tê-la conhecido. Quisera não ter em pensamento
tua face, na boca teu gosto e teu perfume à meu redor. Cogito a possibilidade
de conforto em tua inexistência, mas percebo que tua dissociação
de minha vida seria aniquilar minha vivacidade.
Preciso despedir-me.
É chegada a hora de nosso adeus final. Se tivesse a percepção
do pouco tempo que teríamos certamente diria-te muitas coisas antes deste
fatídico momento. Queria controlar o tempo para pedir-lhe pelo menos
mais um dia a teu lado, mas sobre estas coisas infelizmente não exercermos
nenhum poder.
Preciso mesmo ir. Melhor despedir-me agora do deixar que alguém veja
meu rosto em prantos próximo a ti. Talvez eu nem mesmo devesse ter me
esgueirado à teu encontro, mas não pude evitar de fazê-lo.
Precisava olhar em seus olhos uma única vez mais, mesmo tendo a certeza
de que não responderias à minha presença. Outras pessoas
lhe esperam na capela para também dar-lhe um último adeus. Em
sua lápide, deixarei discretamente uma pequena rosa, para que onde quer
que esteja, saibas como sentirei tua falta.
Encontrei seu cônjuge, um grande amigo de infância, lá fora.
Suas lamentações eram sentidas por todos os amigos, e assim como
eu, ele perdeu também esperanças de continuar uma vida sem tua
presença.
Sinto-me duplamente traidor; uma víbora sem escrúpulos. Não
deveríamos jamais ter nos envolvido nesta adúltera e sigilosa
relação, mas não pudemos controlar os impulsos deste amor
impensado e infinitamente impulsivo. Tenho vergonha do que fizemos e sinto-me
culpado a todo momento que passo diante dele, mas duvido que a tenha amado como
eu o fiz.
Adeus querida, já sinto tua falta.