A Garganta da Serpente
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Inocente ou culpado?

(Alberto Metello Neves)

Uma pequena fazenda do Texas, em junho de 1945 foi palco de uma terrível tragédia.

A família Lourenço, que lá residia era: Jim, o pai, a esposa Elisa e três filhos: Mike com quinze anos e as gêmeas Carol e Liza, ambas com oito anos.

Era costume na região, a família se recolher cedo, pois o dia seguinte, começava com muito trabalho, desde a ordenha das vacas, limpeza do estábulo, trato dos bezerros e ainda, as galinhas e marrecos.

A noite estava muito quente. As gêmeas resolveram dormir no alpendre da casa, que era todo fechado por tela. Colocaram um colchão no chão, cobriram-se com um lençol e foram dormir, sonhando com os carneirinhos.

Os quartos da casa ficavam no piso superior. Não havia possibilidade de se escutar qualquer tipo de ruído.

Jim levantou-se no horário de sempre, calçou as suas botas de borracha e foi para o curral ordenhar as vacas.

Elisa desceu para preparar o café da manhã. Acendeu o fogão, colocou a frigideira com ovos e bacon para fritar, ferveu o leite e preparou a broa e o pão de centeio. A mesa já estava posta.

Mike desceu e foi chamar as irmãs. Estas não foram encontradas. Procurou - as próximo a casa e voltou "branco" parecendo uma folha de papel. As gêmeas haviam desaparecido.

Os pais, Jim e Elisa não tomaram café nessa manhã.

Eliza estava mais zangada do que preocupada, pois ela achava que as meninas haviam saído para colher flores silvestres, que nessa época eram muito bonitas.

Voltou para arrumar o colchão e as colchas que estavam jogadas a um canto. A porta de tela foi arrancada da dobradiça superior e se encontrava pendurada no portal. Enormes manchas de sangue,estavam nas tábuas do alpendre e nos degraus em frente à porta despencada.

O susto foi muito grande. Elisa saiu correndo e chamando pelo Jim. Transfigurada, contou ao marido o que viu e encontrou. Jim, transtornado com a notícia, chamou o Bill e saíram a procurar as suas filha Porém, toda essa reação foi consequência do choque, porque na realidade ninguém sabia o que havia ocorrido.



A busca

Jim, foi pegar os dois rifles, entregando um ao Mike, saíram.

Elisa ficou com medo, pois ambos eram agricultores e não caçadores de possíveis assassinos.

Pai e filho seguiram pelos pastos da fazenda buscando pistas. Encontraram algumas "pegadas". Eram de um homem com pés enormes e descalço. À beira do pasto, havia um pedaço de tecido da camisola de uma das meninas.

Elisa, que ficara em casa, ligou para o escritório do Xerife narrando o ocorrido. Imediatamente, o Xerife Morris, chegou com mais quatro auxiliares e cães farejadores.

Solicitou ao Jim e ao Mike que lhe entregassem os rifles, pois, eles assumiriam as buscas.

Os cães não paravam de latir e seguiram em direção às margens do Rio Vermelho.

Há dois quilômetros à frente, depararam com um homem de estatura descomunal, sentado embaixo de uma frondosa figueira, chorando e tendo em seus braços, as duas meninas, nuas e mortas.

Vestia uma roupa normal de lavrador que estava toda banhada em sangue.

Apresentava no rosto uma expressão de profundo sentimento. Não parava de chorar.

Jim teve ímpetos de agressão, mas foi contido pelos policiais.

O Xerife resolveu a interrogá-lo. Como é o seu nome?

Tirson, John Tirson, respondeu-lhe.

Conte-nos como tudo aconteceu. Tirson, então ficou mais aliviado porque ganhou a oportunidade de desabafar.

Eu trabalho na fazenda do Sr. Clayton, tomando conta do gado. Hoje pela manhã, alguns novilhos romperam a cerca que está próxima à represa, lá embaixo, apontou com o dedo. O capataz Sr. Paul me mandou buscá-los e depois, concertar a cerca. Quando cheguei perto daquela moita de eucaliptos, apontando com o dedo, encontrei os dois corpos nus, banhados em sangue.

Vi também, que saiu numa disparada de gamo, um homem, branco, barbudo, não muito alto, com os cabelos compridos e nem quis olhar para traz. O homem sumiu. Não cheguei a reconhece-lo, mais não parecia ser destes lados.

Peguei os corpinhos e comecei a chorar. Não conhecia os anjinhos.

Trouxe as crianças para cá, para que não ficassem expostas no tempo, e ia avisar o patrão. Não pude evitar que isso acontecesse. Já estavam mortas.

Foi quando vocês chegaram. O homem desapareceu. Foi o que aconteceu.'

O Xerife mandou um de seus homens buscar o capataz da fazenda para prestar depoimento. Chegou e confirmou tudo o que o John havia contado com respeito a sua ordem. O Xerife o mandou de volta.

John, você está preso por estupro e homicídio, mas vamos esclarecer tudo. O prisioneiro não colocou resistência, sendo algemado com os braços para traz.

O Xerife recomendou ao Jim, que levasse os corpos para o médico, para confirmar ou não, o estupro. Foi confirmado, porém, o agente estuprador era outro e não o John. Tirson foi com o Xerife para o seu escritório, onde ficou preso em uma cela grande e sozinho, aguardando o julgamento.



O julgamento

O dia do julgamento chegou. A segurança foi reforçada, pois todos estavam com medo do prisioneiro.

O Juiz abriu a sessão e concedeu a palavra ao Promotor, que começou com uma série de acusações ao réu. John tinha pouca facilidade para responder, mesmo porque era um homem muito simples, de pequeninos conhecimentos. Não conseguia responder às perguntas que lhe foram feitas pelo Promotor.

O advogado de defesa do Tirson fora indicado pelo Juiz. Por falta de elementos melhores no processo, não conseguiu derrubar os argumentos da acusação.

Devido à qualidade da acusação (estupro seguido de assassinato), o corpo de jurados condenou o John a cumprir pena de trinta anos de reclusão na Colônia Agrícola Penal do Estado.



Colônia Agrícola Penal

Cumprindo determinação judicial, o prisioneiro foi encaminhado para a Colônia Agrícola Penal do Estado, sob forte esquema de segurança.

Ao chegar, foi recebido pelo Chefe Stevens e recolhido a uma cela sozinho. Imediatamente foi lido para ele, todo o regulamento da Colônia. O Chefe determinou que lhe fossem tiradas as correntes e algemas.

Em seguida, mandou trancar a porta e sentou-se para conversar com o prisioneiro. Durante a conversa, foi observando o perfil do John, o que lhe deixou algumas dúvidas, que pretendia esclarecer futuramente. Desejava conhecer melhor o comportamento do prisioneiro.

Entrou em contato com alguns amigos seus, pois queria desenvolver uma investigação paralela, As investigações iniciais, que foram para o processo estavam cheias de falhas e erros.Após alguns dias, recebeu as informações de que necessitava. A situação do John estava melhorando, embora tudo se encontrasse sob sigilo. O trabalho do Chefe iria continuar.

Na Colônia, o comportamento do prisioneiro era exemplar. Nada que o desabonasse.

Porém, o Chefe necessitava ainda de uma peça fundamental no processo, o verdadeiro assassino. Teria que ser preso rapidamente.

Entrou em contato com a Penitenciária Estadual sobre a possível fuga de detentos perigosos naquela época, com o perfil descrito pelo John.

Confirmou. Naqueles dias houve uma evasão de alguns presos, considerados perigosos e entre eles um, condenado à pena máxima, por causa de estupro acompanhado de assassinato, o que teria ocorrido dois dias antes da tragédia. O seu perfil conferiu com a descrição feita pelo prisioneiro.

As buscas continuaram. Em uma cidade vizinha, um elemento foi preso por desacato à autoridade, pois se encontrava em um bar fazendo arruaças.

Encaminhado para o escritório do Xerife, foi recolhido a uma cela. Por coincidência, chega um advogado do Estado, tendo em mãos uma fotografia do elemento foragido. Confrontando com o detido, verificou que era o estuprador que estava sendo procurado pela Polícia Estadual.

Estas informações chegaram ao Chefe Morris, que se apressou a ir até onde se encontrava o fugitivo.

Lá chegando, armou uma estratégia e conseguiu uma confissão completa. Bem detalhada, ela foi levada para o advogado de defesa que preparou um recurso para o Tribunal. Não houve dúvidas. Agora, o processo estava completo.

O Tribunal de Justiça o examinou e dentro de alguns dias, determinou a revogação da pena do John, estipulando ainda uma indenização por danos e perdas, pois o processo estava montado com erros e o réu não poderia pagar por esses erros.

O Juiz da Comarca recebeu a determinação e mandou liberar imediatamente o John Tirson,além de lhe entregar o cheque indenizatório.

John Tirson retornou à liberdade.

Podia retornar ao seu trabalho, em toda a sua plenitude. O seu antigo patrão o acolheu com muito carinho em sua fazenda.

Porém, concluiu que não seria interessante que John continuasse na localidade para evitar que algum dia, por motivos óbvios, o passado fosse revivido, muito embora a sua inocência evidente. O visinho Jim, também concordou.

Então ambos, Jim e Clayton, recomendaram - no a um amigo, fazendeiro próspero de Sacramento, que ficava muito distante dali.

Desta forma, John poderia reiniciar a sua vida em paz e tranquilidade mantendo a sua honra acima de qualquer "pecha" que lhe pudesse ser imputada.

Este fato mostra que a coisa mais difícil para o ser humano, é julgar alguém. Sempre perigoso que alguém emita um juízo sobre um ser humano, sem que haja provas contundentes e que os erros, até no Judiciário, são constantes e muitas vezes, movidos pelo aspecto emocional. Inocente ou culpado, eis a questão.

(15/04/2002)

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