A Garganta da Serpente
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O Expedicionário

(Adhemar Molon)

Um lugarejo. Uma festa! A última guerra acabara! Que felicidade! Os pracinhas estavam de volta às suas origens! Fábio, irmão de Luiz que tinha ido para a Itália guerrear pelo Brasil, era um dos que esperavam o regresso dos heróis! E principalmente de seu irmão o grande herói de guerra! Ele estava orgulhoso de seu irmão! Era ainda criança e sonhava o tempo todo com seu herói...

Luiz, o expedicionário, desembarcou e foi carregado num trono preparado à sua chegada. Carregaram-no por toda cidade exibindo suas glórias. Voltara para casa feliz por ter conseguido chegar vivo. Lá, na bela Itália, em Monte Castelo, matara muitos alemães. Filhos de alguém, pais de alguém, irmãos de alguém... Mas, eram alemães e mereciam morrer! Mereciam? Será?...

O que importava naquele dia é que o herói voltara para a glória de sua pequenina cidade! Ele mesmo não se mostrava assim tão contente por haver tirado a vida de seus semelhantes naquela estúpida guerra que não provocara, porém sentia-se alegre por ter retornado com vida e sem sequelas físicas e sabia precisar contentar aquele povo ansioso por um herói...

Passados alguns dias daquela festejada glória, começaram as críticas pejorativas a Luiz que por algum tempo ostentava sua farda verde-oliva com aquele lindo emblema da cobra fumando, símbolo adotado pela Força Expedicionária Brasileira (FAB).

A cobra fumou bastante, mas ele também levara muito fumo lá na bela Itália de onde voltou como pederasta passivo. Lá, na beleza da Itália, onde matara muitos inimigos para nossa glória, também servira de fêmea aos soldados necessitados de sexo. Luiz voltara veado!...

Fábio ouvia os boatos e se recusava acreditar. Seu irmão herói não poderia ser assim difamado! Ele trouxera a túnica com a cobra fumando, símbolo glorioso da Força a que servira orgulhosamente! Era e continuaria sendo seu maior herói!

O expedicionário perseguia a molecada em busca de sexo. Embriagava-se e dava tudo que possuía por um relacionamento sexual! Vício ou doença, ele precisava daquilo! E muito!

Naqueles tempos os homossexuais passivos pagavam para conseguir um momento de carícias. E ele foi dispondo de tudo que tinha até ficar na mais completa miséria. Ninguém mais respeitava o herói do teatro de guerra dos campos de Itália. Virou chacota de todo mundo. O expedicionário era só uma anomalia qualquer! Um sem vergonha! Uma bicha louca! Coitado dele e de todos que o julgavam sem procurar entendê-lo! Talvez não fosse uma opção! Talvez fosse um problema genético ou quem sabe uma consequência da guerra! Mas, o que importava isso aos seus julgadores de momento!

Luiz, o expedicionário era um fato consumado! O herói passou a ser uma vergonha aos olhos dos moradores preconceituosos daquela cidadezinha! Havia até quem pensasse em lhe tomar a gloriosa túnica, herança de guerra!

Fábio, seu irmão, o procurou tentando esclarecer a quantas andava sua reputação de herói. Ele o amava muito e se orgulhava tanto de seu heroísmo que, Luiz, comovido com tanta admiração, deu-lhe de presente a medalha de herói.

Então, o expedicionário vestiu pela última vez sua túnica com o emblema da cobra fumando e foi para a beira de um abismo de onde se atirou fardado com suas glórias! Para ele, a cobra fumou pela última vez...

E Fábio, depois de sepultar seu herói, exibiu orgulhosamente a medalha que recebera de presente e aquela bela túnica que herdara como a tentar relembrar a todos a bravura com que seu mano querido se houvera naquelas batalhas pela liberdade dos povos aliados. Luiz continuaria sendo seu único e incomparável herói! E a cobra haveria de continuar fumando como esperança de todos os brasileiros num futuro glorioso!...

Além de Fábio, poucos compareceram ao enterro para a última despedida!

Adeus grande expedicionário!...Adeus...

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