A Garganta da Serpente
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Predestinação

(Ana Gilbert)

A caravana peregrinava há dias, seguindo a determinação do patriarca ancestral.

- Caminhem sempre em direção ao poente, até acharem o lugar ao qual vocês pertencem.

Muitos haviam tentado. Gerações e gerações através do tempo. Nunca o encontraram. Poucos retornavam. E quando o faziam, traziam relatos desconexos, os olhos sempre opacos, misturados à cor da areia do deserto. Secos, sem mais lágrimas que chorar. Perdidos de si e do mundo, guiados apenas por um instinto de sobrevivência.

Esta caravana não era diferente das demais. Melhor dito, era, mas por um pequeno detalhe, quase despercebido. Lado a lado com os homens, pois eram sempre eles a cumprir o destino, ia uma menina, pouco mais de doze anos, ainda não iniciada nas tradições de mulher.

Filha única que era, a mãe morrera no parto, dona de uma força quase adulta, implorara ao pai que a deixara ir com ele. Não o queria só, em meio a terras estranhas. Se alcançassem o futuro incerto, seriam os dois; se mais uma vez falhassem, pereceriam juntos.

A viagem era perigosa. O medo viajava com eles e a morte era alguém de tocaia prestes a atacá-los. Ameaçava ora sorrateira, encolhida pelos cantos, ora viajante louca, veloz, de olhos de fogo, arremetendo contra eles.

Na menina, uma certeza: sonhara com a chegada. Espantava-se, ou seria, encantava-se, e acreditava na imagem do sonho. As construções argilosas, o vento soprando incessantemente, a comida farinhenta como a areia do deserto, a mesma cor, a mesma secura, umedecida pelas lágrimas da solidão. O mundo lhe era mostrado em miniatura por uma mulher que dizia:

- O deserto não é tudo, é apenas o preâmbulo da fertilidade organizada pelo homem e da fonte suprema de tudo, preservada, intocada...

- ... manancial que jorra à espera de mim - completou a menina ao acordar no dia da partida, recitando palavras que lhe soaram como sendo de tempos imemoriais.

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