A Garganta da Serpente
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Coisa de Menina

(Ana Sampaio)

Tinha 12 anos e uma mania de colecionar poesias. Num grande caderno espiral, colava fotos de casais, de pôr-do-sol, de flores, de toda sorte de coisas que encontrava em revistas e achava bonito. E do lado copiava poesias. Não descobrira ainda o amor, mas aquele caderno era a visão que tinha dele, com todo seu romantismo de menina que ouviu estórias de Cinderela e brincou de Barbie. Escrevia poesias e sonhava com o dia em que ele chegaria. O dia em que olhariam juntos em uma mesma direção, o dia em que ele seria eternamente responsável por ela, tendo-a cativado (ah, Saint Exupèry! era o preferido da menina...).

Cresceu e descobriu muita coisa sobre o tal amor. Descobriu que na maioria das vezes olha-se mesmo é nos olhos um do outro, só pra vislumbrar ali mágoa, decepção, ressentimento. Descobriu que a chama que arde sem doer, depois que se apaga deixa marcas fundas que o tempo não desfaz. Tinham até nome, essas marcas: medo, culpa, desencontro.

Descobriu que a sensação de que seria infinito era inebriante, mas que não se podia nunca esquecer que era só enquanto durasse. E às vezes durava tão pouco...

Um dia, redescobriu a mania de colecionar poesias. Numa página da internet, colava fotos que encontrava, copiava os poemas que a haviam encantado na infância.

E durante esse copy/paste, lembrou-se do antigo caderno. Onde teria ido parar? O tempo engolira. Lembrou-se da menina que fora, que acreditava que o amor era sempre um bem, não doía nunca. Lembrou-se da sua inocência e confiança. Onde teriam ido parar? A vida engolira.

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