Depois de pouco mais de um ano vivendo na Inglaterra, em casa alugada, compramos
nossa própria e nos preparamos para mudar. Minha mãe viajou do
Brasil, para ajudar na mudança e na arrumação da nova casa,
que ficava na mesma vizinhança, a uns poucos quarteirões da antiga,
numa vilazinha de cinco mil habitantes no condado de Kent, ao sul de Londres.
Era uma casa bem maior e mais confortável que a antiga, mas o que tinha
de melhor era um imenso quintal, com uma bonita pérgula em estilo mediterrâneo,
colada ao muro. Passada a confusão da mudança, colocamos ali uma
mesa, onde tomávamos chá no final da tarde, o clima inglês
permitindo. Da pérgula, subia uma trepadeira. Era o auge do inverno quando
nos mudamos e a planta não passava de um emaranhado de galhos secos,
aderindo ao muro com o pouco de vida que lhe restava.
Numa rara tarde de tempo seco, com um solzinho fraco que ameaça aquecer,
conversávamos, eu e minha mãe, sob a pérgula, quando ela
apontou para a trepadeira e comentou:
- Essa planta, você vai ter de mandar arrancar.
Era mesmo de se pensar que aquele monte de galhos secos retorcidos não
poderia ter outro destino que não o caminhão de lixo; parecia
tão finda quando é possível estar, não floresceria
mais. No Brasil, planta seca está morta, arranca-se, planta-se outra
no lugar. Mas ali, no norte da Europa, o que parecia morto, apenas dormia.
Lembrei-me de ter visto outras plantas no mesmo estado em que aquela, quando
chegara aquele país, um ano antes. Lembrei-me também quando presenciei,
espantadíssima, numa bela manhã, o despontar de pontos verdes
por entre a secura de tudo. Aos poucos, enquanto os dias avançavam em
direção ao verão, os pontos verdes explodiram numa exuberância
de um verde quase tropical. E ficaram de todas as cores no outono. E secaram
novamente e caíram no chão e tudo virou mais uma vez o rendilhado
de galhos secos contra o céu branco de inverno.
Respondi com um sorriso o comentário de minha mãe:
- Imagina, mandar arrancar! Já, já, ela brota de novo. Está
vivinha da silva, é só esperar...
Difícil, para quem está acostumado à imutabilidade tropical
das estações brasileiras, imaginar que um dia a vida volta àquelas
plantas. Para nós, esse ressurgimento da vida tem mesmo cara e cheiro
de milagre.
Os antigos povos europeus celebravam a passagem das estações como
algo sagrado, com festas e ritos. Era na natureza que estava sua religião,
nela eles viam refletiva a face da Grande Mãe. E tendo tido a oportunidade
de vivenciar um ciclo inteiro, em sua totalidade, não achei difícil
entender porque. A passagem das estações é o ciclo da vida,
o ciclo da nossa vida. Que tem inverno, tem verão, tem estação
onde tudo seca, tem momentos de explosões de cores, tem outros onde tudo
floresce e viceja. Ensinam muito sobre a vida, esses ciclos. A vida tem começo,
meio e fim; não um começo, um meio e um fim, mas vários,
como num ano após o outro. E de vez em quando, no auge do inverno, é
impossível acreditar que qualquer coisa poderá de alguma forma
se transformar, renascer. Mas acontece sempre e não falha, nem na natureza
nem na vida da gente.
Minha mãe continuou a olhar com desconfiança a trepadeira seca,
assim como outras plantas do meu quintal, inclusive a enorme maple tree, completamente
nua, sem uma folha sequer. Prometi a ela que tiraria fotos, assim que os primeiros
brotos verdes aparecessem, e as mandaria para o Brasil. E assim fiz, quando
chegou maio, com muita chuva e dias mais compridos. E mais uma vez em julho,
quando o muro da pérgula desapareceu sob a densa folhagem verde escura.
E de novo em outubro, para que ela visse o que eu acho que a natureza europeia
tem de mais espetacular: todo o meu quintal coberto de ouro, bronze e vermelho.
Todas as vezes que minha mãe recebeu essas fotos, ligou para mim para
comentar o quanto tudo aquilo era "impressionante".
De volta ao Brasil já há dois anos, sinto falta dessa natureza
em movimento, com seus ciclos bem marcados. Convivendo com eles mês após
mês é mais fácil lembrar o quanto são parte de nossas
vidas. Quando me dá saudade, me lembro da trepadeira e do meu antigo
quintal. E penso que esses ciclos estão mesmo é dentro de mim,
a natureza só os reflete.