Caro colega, gostaria de poder continuar com nossa magnífica empreitada
sobre o estudo dos modelos arquitetônicos do século passado. Realmente,
a luxuosidade misturada ao "concreto bruto" construído a mais
de 100 anos atrás, nos traz revelações interessantes e,
por vezes, assustadoras. Porém, não poderei mais continuar no
projeto, pois agora nem eu mesmo sei o que farei de minha vida. Algo de extraordinário
aconteceu comigo. Algo que, aos olhos das pessoas normais, pareceria um frenesi
neurótica ou algum tipo de "viagem" proporcionada por algumas
doses elevadas de alucinógenos.
Por certo, tenho que minha mente está na mais sã das realidades,
o que não quer dizer que o que ví não deixe de ser verdade.
Longe disso, aquilo é real e lhe digo desde já - MANTENHA-SE LONGE
DAQUELA CASA, não ouse atravessar as portas para dentro daquela mansão.
O motivo? Por isso lhe escrevo esta carta.
Amigo, saiba que agora estou seguro, mas não estou no lugar que gostaria,
pois na verdade meu desejo era de estar aí, desfrutando da calmaria de
uma cidade pequena, e em sua companhia, discutindo os mais variados modelos
arquitetônicos modernos. Porém estou internado em um hospital psiquiátrico
aqui na metade norte do estado, não lembro o nome da cidade, já
que fui submetido a uma série de exames e medicação para
dormir e, por isso, vários fatores a mim revelados sobre essa clínica,
estão completamente ausentes de minha memória. Segundo o médico,
eu recusava-me a dormir, não queria ao menos fechar os olhos. Logo que
acordei, não lembrava de como vim parar aqui, mas pouco a pouco as terríveis
lembranças começaram a atormentar-me e, inevitavelmente, pus-me
a escrever para tentar ao menos registrar os fatos, a fim de que essas lembranças
não desapareçam, caso eu tenha uma nova perda de memória.
Calculo que, a esta hora, lendo essa carta, você deve estar preocupado
para saber o que de fato aconteceu. Não se preocupe, eu lhe contarei
no decorrer desta e, para confortá-lo, novamente digo que estou bastante
seguro agora.
Mas as coisas foram difíceis, isso eu não posso negar. Relatarei
todos os acontecimentos desde minha partida de Dom Pedrito até agora,
porém não me preocuparei em descrever minuciosamente cada detalhe
porque não sei quanto tempo mais tenho disponível até o
médico vir. E eu odiaria Ter que deixar essa carta escrita pela metade.
Bem, como você sabe, parti de Dom Pedrito por volta das onze horas do
dia 14 de dezembro de 2005, rumo a Porto Alegre, em uma noite um pouco quente.
Isso realmente não era problema, pois o ônibus, é claro,
estava equipado com ar condicionado.
Naquela noite, lembro-me de ter demorado a dormir, a paisagem noturna do campo
banhada a luz do luar fazia-me manter os olhos cravados no céu, bem como
os buracos na estrada, arruinada pela má conservação. Após
uns 45 minutos, pude ver as luzes de Bagé, então lembrei de cada
detalhe sobre o que combinamos a fazer em nossos estudos. Pelo que sei, fui
dormir perto do trevo de acesso a Caçapava, pois não vi nem ao
menos o posto da polícia rodoviária federal, que fica a alguns
metros antes do trevo. Por volta das cinco e quinze da manhã, chegamos
na rodoviária de Porto Alegre. No período em que esperei clarear
para tomar o trem até São Leopoldo, fiquei o máximo possível
junto a aglomeração de pessoas, pois sei que a violência
da capital proporciona muitos desafios aos visitantes. Também sabia que
a cidade da qual eu me dirigia, exigia também muito cuidado quanto a
esse assunto. Quando os raios de sol já clareavam o suficiente para que
as pessoas começassem a perambular pelas ruas, dirigi-me então
a linha de trem. Não entrarei em mais detalhes sobre a viagem rápida
naquela linha, pois como disse, não quero relatar minuciosamente, corro
contra o tempo.
Chegando em São Leopoldo, tomei um táxi até a casa que
me foi destinado a fazer amostras visuais. Realmente, fiquei impressionado com
a arquitetura antiga da cidade, no caminho até a casa, tirei algumas
fotos com a câmera digital, obtendo um bom ângulo das construções
de nosso interesse. Prometo que, quando receber de volta meu material, enviarei
outra carta anexando as fotos para você observar melhor. Quando chegamos
a casa destinada, tive a estranha impressão de que não gostaria
do lugar. O que não posso descartar é a belíssima fachada
e do enorme jardim que circundava toda a propriedade. A alvenaria detalhada
colaborava muito com os contornos e ângulos do teto. O único ponto
negativo era o desgaste pelo tempo, pois acho que a pintura nunca foi restaurada
e a grama do jardim, bem como os arbustos não haviam sido aparados fazia
alguns anos.
Fui recebido no lugar por Rodrigues, que dizia ser o herdeiro daquela casa.
Segundo ele, seu pai era o mordomo do verdadeiro dono, proprietário de
uma das primeiras fábricas que a cidade concebera. Esse homem tinha um
imenso capital financeiro, porém seus compromissos não o permitiam
ao menos que arranjasse uma esposa para acompanhá-lo. Sempre andava a
procura de algo para fazer e muitas vezes permanecia longe de casa, deixando
apenas seu mordomo, o pai de Rodrigues, responsável pela mansão.
A este cabia a tarefa de comandar a leva de empregados, tais como domésticos,
jardineiros e reparadores, mas ao final do dia, todos saiam da propriedade,
pois eram contratados pelas oito horas diárias, com a exceção
do pai de Rodrigues, que ficava como caseiro. O dono da propriedade, com o passar
do tempo, foi morrendo aos poucos, vítima de uma doença desconhecida.
A única coisa que os médicos diziam é que ele perdia energia
corporal constantemente de uma forma estranha e preocupante. O pai de Rodrigues,
por sua vez, começou uma breve relação com uma das domésticas
da casa, que viria a ser sua mãe. Algum tempo depois da morte do Patrão,
seu pai recebeu, como único merecedor, a imensa mansão de herança,
pelos excelentes serviços prestados durante anos. O restante, ao que
parece, foi repartido entre alguns sobrinhos. Mas, como por golpe do destino,
a mãe de Rodrigues veio a falecer dois anos depois do antigo dono, vítima
da mesma doença espectral desconhecida.
Porém o mais revelador vem agora, Rodrigues falou-me que não ficaríamos
naquela casa depois do pôr do sol, pois lá aconteciam alguns fenômenos
sobrenaturais que ele assegurou-me de que não gostaria de presenciar.
Embora eu tenha ficado com receio, confesso que também ficara com curiosidade
sobre esses "fenômenos". Ao entrar em mais detalhes sobre esses
acontecimentos, Rodrigues afirmou-me que a tempos a casa vem sido atormentada
por fantasmas, e que sentia-se indecoroso dizer isso, pois poderia apostar aquela
casa, se alguém conseguisse passar uma noite inteira lá dentro
sem sair correndo porta a fora, com o coração saindo pela boca.
Era de se estranhar a atitude daquele rapaz, pois ele poderia ganhar uma boa
quantia em dinheiro, caso vendesse aquele imóvel. Como se adivinhasse,
balançou a cabeça e disse que já havia pensado na oportunidade
de vendê-la, porém saberia que teria enormes problemas com os tais
fenômenos e que não tardaria para que os compradores reclamassem
a suspensão do contrato de venda e a devolução da casa.
Eu, como bom incrédulo, duvidei de tal história e pedi para conhecer
o interior daquela velha mansão.
Na portada dupla, continham vários desenhos quase incompreensíveis.
Salvo algumas poucas peças que pude discernir como sendo uma embarcação
em alto mar. Mesmo sem entender muita coisa, a beleza daquela imagem talhada
na grossa madeira dava um aspecto medieval, calculei que o antigo dono deveria
ser descendente de alguma família europeia. Na imensa sala de
recepção, pude ver os enormes tapetes de cor vinho que cobriam
o piso todo. As magníficas poltronas grossamente almofadadas e a grande
lareira, também adornada com várias imagens talhadas na chaminé,
e as grandes janelas que cobriam quase toda a volta da enorme sala. Destaco
também as imensas cortinas de um vermelho escuro apagado pelo tempo.
O luxuoso lustre que pendia soberano no teto e um magnífico relógio
de pêndulo, que há muito havia parado de fornecer as horas certas,
visto a quantidade de teias de aranhas. As paredes eram revestidas de madeira
até a metade, sendo a parte superior revestida de um bonito forro, do
qual não pude saber na hora de que era feito. Não preciso falar
da encantadora perfeição quanto aos adornos artísticos
da arquitetura, que demonstrava uma inigualável criatividade por parte
dos profissionais que nos antecederam. Bem a esquerda do cômodo, ficava
a escadaria que levava ao andar superior e, embaixo dessa, uma porta dupla que
levava a outra peça, pelo que pude ver, a cozinha. Era uma pena que não
organizavam aquele ambiente, pois o grosso pó deixado pelo passar dos
anos era o que incomodava. Quando Rodrigues me levou para passar por debaixo
da escada, em direção a cozinha, ouvi alguns barulhos no andar
superior. Não sei se Rodrigues ouviu e não quis me dizer ou não
escutou mesmo, mas naquela hora pensei que poderiam ser ratos.
A cozinha também ostentava móveis de imenso luxo, uma mesa enorme
para no mínimo 10 pessoas, também feita da melhor madeira que
poderia encontrar-se naqueles velhos tempos, isso valia também para os
balcões, a vidraçaria e as bases do forro. Nesse cômodo
também havia uma imensa janela onde podia-se visualizar o grande jardim.
Rodrigues me falava onde ficavam guardados as peças de vidro e mostrou-me
uma dispensa ao lado da pia, mas meus olhos só davam atenção
aos magníficos adornos e o remate artístico do lugar. Aqui, peguei
novamente minha máquina digital e tirei a primeira foto no interior da
residência, pois a cada canto que olhava, minha admiração
aumentava, e meu desejo era de fotografar cada detalhe, porém minha máquina,
embora digital, não é das mais modernas, e eu deveria economizar
memória para os outros cômodos. Depois de mais uma olhadela geral
na cozinha, voltamos para a sala de estar e subimos pela escadaria.
Enquanto subíamos, pude notar que até o suporte para mãos
que ficava no lado direito da escada (o lado esquerdo era fixo na parede), continha
adornos perfeitamente moldados e esculpidos nas bordas. Rodrigues percebeu minha
admiração e falou-me que não havia registros do arquiteto
e do engenheiro responsáveis pela criação daquela construção
artística. Segundo seu pai, o patrão nunca havia revelado a ninguém
o nome dos dois, mesmo para aqueles que, assim como eu, ficaram maravilhados
com a belíssima performance, insistiam em perguntar. Rodrigues não
soube explicar o porque, mas achava que aquilo deveria ser algum tipo de "altivez"
do velho e que, em sua arrogância, não queria que ninguém
construísse uma casa que se comparasse com a dele. Sim, essa era uma
boa ideia, naquele momento, parecia perfeitamente plausível.
Já no andar superior, chegamos direto num corredor que percorria de um
estremo ao outro das laterais da residência, fazendo uma curvatura arqueada
para a frente, de forma que não podia-se enxergar as paredes do final
de ambos os lados. Ao longo desse corredor, várias portas levavam a outros
cômodos, e ali também tirei uma foto apenas do lado direito, pois
a vista, daquele local, era a mesma, indiferente para a direção
que se olhasse. No teto, havia um bojo luminário de 2 em 2 metros, e
esse ficava a mais ou menos 2 metros e meio do piso. Essa curva na verdade,
obedecia ao formato imperfeitamente circular da parte de trás da casa,
pois algumas peças adicionais faziam as variações.
Nas várias portas que ficavam ao longo do corredor, várias levavam
aos aposentos ou peças inferiores e, quando chegamos no aposento do antigo
dono da casa, tirei outra foto de duma visão geral, pois segundo Rodrigues,
ali estava tudo do mesmo jeito desde a morte do velho. Como as fotos que tirei
eram de qualidade máxima (para preservar cada riqueza de detalhe), algumas
poucas fotos mais foram tiradas e fiquei sem espaço. Logo após,
disse a Rodrigues minha intenção de sair da casa, pois estava
impossibilitado de tirar mais fotos. Nesse intervalo, enquanto descíamos
a escadaria, sei que ainda me é difícil acreditar, mas pude ouvir
ruídos e vozes perfeitamente audíveis nos aposentos que acabamos
de visitar e, embora ininteligíveis, era possível discernir um
vocabulário, em uma língua desconhecida. Isso fez-me gelar os
ossos, pois naquela maldita hora eu vi que meu "eu" incrédulo
deixou de existir.
O mais apavorante porém foi aquelas vozes, vozes totalmente anormais,
desconcertantes, estranhíssimas até para um caso sobrenatural
como aquele. Pareciam um som de água borbulhante, mas ao mesmo tempo
como ouvir um papel sendo amassado. Isso somado a percepção de
que, naqueles sons mórbidos, era possível discernir uma espécie
de "diálogo" entre alguma coisa de outro mundo, de outra dimensão
talvez. Naquele momento, meu caro amigo, pude entender que fantasmas realmente
existem, e os que habitam aquela casa com certeza estão lá com
muito mais objetivos do que simplesmente "assombrar". No entanto,
entre aquele turbilhão de vozes perturbadoras, pude entender apenas uma
palavra, uma palavra que por hora não consigo lembrar de onde eu a li
ou ouvi, mas que me é familiar. Narlto, Narnat, Nirl... Não consigo
me lembrar, por mais força que faça.
Mas o pior estava por vir. Logo que saí dos portões da residência,
pedi a Rodrigues que me indicasse o caminho onde eu pudesse acessar um computador
para revelar as fotos e ele mesmo ofereceu-se para me levar. Por fim chegamos
num daqueles "Cyber Cafés". Uma vez lá, fui para uma
pequena sala reservada onde poderia, por fim, ver o resultado das fotos. Foi
alí meu caro amigo, ali, olhando aquelas terríveis fotos, que
pude perceber o tamanho do perigo que corri e que outras pessoas correrão,
caso entrem naquela casa maldita. Lembra da cozinha que eu lhe descrevi? Lembra
da foto geral que tirei do lugar? Sim, estaria perfeitamente normal, caso algumas
coisas extremamente apavorantes não tivessem sido também reveladas
naquelas fotos. Sim caro amigo, é difícil para mim acreditar,
quem dera a você. Mas a verdade tem de ser dita. Não são
fantasmas que assombram aquele lugar velho colega, não, longe disso,
porque se fosse, talvez eu não ficasse tão alucinado depois de
perceber o perigo eminente. É muito pior que isso, talvez eles estejam
planejando alguma coisa aterradora contra nós. Sim, eles são alienígenas,
extraterrestres dos mais obscuros cantos do universo que são, aos nossos
olhos, invisíveis andando pelos aposentos daquele lugar, mas, perceptíveis
na visão de uma máquina fotográfica digital. Sinto repugnância
em descreve-los, mas vou tentar fazer isso sem ter outro colapso...
Eles não têm pele como nós, ou melhor, tem, mas não
como nós. Eles a usam como uma espécie de veste, porque dá
para enxergar perfeitamente fendas, como cortes anatômicos horrivelmente
costurados com pedaços da própria pele. Um destaque para o peito,
onde há uma fenda com a presença de dentes, como uma boca e vários
tentáculos que saem dela, como línguas e lá dentro, pode-se
enxergar nitidamente 3 pares de olhos, olhos que nos observavam perversamente
enquanto caminhávamos atônitos ante o perigo próximo. Sua
cabeça, embora um pouco maior, tinha presença de olhos, porém
esses sem os globos oculares, como uma mera representação, estranhamente
deformados. O mesmo vale para a boca, que é esticada de um lado a outro
daquela face infernal. As mão contém apenas 4 dedos, e esses são
tão compridos e finos que assemelham-se também a tentáculos.
As pernas são parecidas com a de um animal licantropo, porém os
pés têm apenas 3 dedos, que começam logo abaixo do joelho
e percorrem o restante da perna até o chão. São as criaturas
mais aterradoras que já vi. Dei graças aos céus por não
ter levado comigo a velha máquina polaroid de meu pai, pois talvez lá
dentro, o choque teria sido maior. Entenda amigo que essas criaturas tem uma
espécie de forma humanóide, porém incrivelmente deforme.
Eram eles que conversavam enquanto nós estávamos caminhando, eles,
eram deles aquelas terríveis vozes. Tenho que parar de pensar neles,
mas é impossível. Por hora, vou terminar de lhe contar como vim
parar aqui.
Rodrigues e o balconista do Cyber café estranharam a minha demora e qual
não foi a surpresa deles quando entraram, pois me viram com a cabeça
caída para trás, com os olhos virados, a máquina desligada
do computador, pendia em minhas mãos. Um ataque epiléptico eles
devem ter concluído, pois não me conheciam. Depois disso, vim
acordar aqui, de onde escrevo essa carta. Peço-te meu caro colega, que
não reveles isso a ninguém por hora, pois devo sair daqui o quanto
antes. E lembre-se, caso algum outro colega ou até mesmo você queira
visitar aquela malévola residência, NÃO VÁ! FIQUE
LONGE DAQUELA CASA, SE POSSÍVEL FIQUE LONGE DAQUELA CIDADE!
...
NIARLATOTEP!! SIM EU LEMBREI! NIARLATOTEP! Deve ser assim que se escreve, eu
não sei, mas é exatamente essa palavra que eles murmuraram em
seu macabro diálogo, enquanto nós saíamos.
Espero que não fique preocupado quanto a mim meu amigo, quero que fales
aí que sofri um acidente leve e que estou bem, e logo estarei devolta.
Se algum parente quiser visitar-me, NÃO PERMITA! Eu sei que, se continuar
agindo como se não soubesse de nada, eles vão me deixar sair daqui
em pouco tempo. Daí veremos o que podemos fazer a respeito disso.
Rezo pela segurança de todos nós. Até mais...
Augusto D....
Ps: Niarlatotep.. essa palavra não me é estranha