Há dias em que o pensamento: "Não deveria ter saído
da cama", mostra-se totalmente correto.
Foi o que pensou Santiago quando, não se sabe como, a xícara de
café pulou de sua mão e estatelou-se no chão, manchando
as portas dos armários e os azulejos brancos. Isso, sem contar que já
estava atrasado: Não ouvira o despertador.
Depois de tudo meticulosamente limpo - Santiago era por demais meticuloso -
descobriu que acabara a pasta de dentes, o que fez com que ele, após
escová-los com sabonete, ficasse com um gosto horrível na boca.
Começou a sentir enjoo e colocou na conta da escovação
dos dentes.
E foi, deslizando ribanceira abaixo, já que o bairro onde morava tinha
ladeiras incontáveis.
"Um, dois, três... cinquenta e seis..." - Ia contando os
passos. Comparou-se a um automóvel, comendo distâncias no asfalto.
Chegou até a visualizar a faixa amarela que separa as duas pistas.
"Um, dois, três... cento e trinta e sete...". Ao enjoo
somou-se uma terrível dor de cabeça. - Um, dois, três...
duzentos...". Agrupava a contagem em blocos de duzentos, que armazenava
em algum canto do cérebro.
Chegou à entrada do prédio, olhou para o alto, percebeu que havia
luz no interior do conjunto que se situava no décimo quarto andar. Agora
que chegara, enfim, pensou que podia continuar caminhando.
O porteiro correu, junto com outras pessoas que chegavam para o trabalho. O
homem simplesmente caíra ao colocar o pé no primeiro degrau. Tombou
de lado e lá ficou, com um fiapo de espuma a escorrer pelo canto da boca.
Tinha um tom azulado e os olhos estavam fechados. Alguém lhe tomou o
pulso.
Um médico, que consultava no terceiro andar, chegou. Examinou o homem
e diagnosticou: - Sofreu um ataque cardíaco, provavelmente. Está
morto. É melhor chamar a polícia.
As pessoas formavam um círculo ao redor do sujeito. Curiosos, indagavam
o que acontecera. A multidão aumentava.
Santiago suspirou e de repente sentiu-se leve, livre, feliz. "Um, dois,
três... hum mil cento e cinquenta e nove..." Já não
agrupava mais a contagem em blocos. Contaria e caminharia até o infinito.