O Vieirinha namorou durante dois anos a Xandoca; mas o pai dele, quando soube
do namoro, fez intervir a sua autoridade paterna.
- A rapariga não tem eira nem beira, meu rapaz; o pai é um simples
empregado público que mal ganha para sustentar a família! Foge
dela antes que as coisas assumam proporções maiores, porque, se
te casares com essa moça, não contes absolutamente comigo - faze
de conta que morri, e morri sem te deixar vintém. Tu és bonito,
inteligente, e tens a ventura de ser meu filho; podes fazer um bom casamento.
Não sei se o Vieirinha gostava deveras da Xandoca; só
sei que depois dessa observação do Comendador Vieira nunca mais
passou pela Rua Francisco Eugênio, onde a rapariga todas as tardes o esperava
com um sorriso nos lábios e o coração a palpitar de esperança
e de amor.
O brusco desaparecimento do moço fez com que ela sofresse muito, pois
que já se considerava noiva, e era tida como tal por toda a vizinhança;
faltava apenas o pedido oficial.
Entretanto, Xandoca, passado algum tempo, começou a consolar-se, porque
outro homem, se bem que menos jovem, menos bonito e menos elegante que o Vieirinha,
entrou a requestá-la seriamente, e não tardou a oferecer-lhe o
seu nome. Pouco tempo depois estavam casados.
Dir-se-ia que Xandoca foi uma boa fada que entrou em casa desse homem. Logo
que ele se casou, o seu estabelecimento comercial entrou num maravilhoso período
de prosperidade. Em pouco mais de dois anos, Cardoso - era esse o seu nome -
estava rico; e era um dos negociantes mais considerados e mais adulados da praça
do Rio de Janeiro.
Ele e Xandoca amavam-se e viviam na mais perfeita harmonia, gozando, sem ostentação,
os seus haveres e de vez em quando correndo mundo.
Uma tarde em que D. Alexandrina (já ninguém a chamava Xandoca)
estava à janela do seu palacete, em companhia do marido, viu passar na
rua um bêbado maltrapilho, que servia de divertimento aos garotos, e reconheceu,
surpresa, que o desgraçado era o Vieirinha.
Ficou tão comovida, que o Cardoso suspeitou, naturalmente, que ela conhecesse
o pobre-diabo, e interrogou-a neste sentido.
- Antes de nos casarmos, respondeu ela, confessei-te, com toda a lealdade,
que tinha sido namorada e noiva, ou quase noiva, de um miserável que
fugiu de mim, sem me dar a menor satisfação, para obedecer a uma
intimação do pai.
- Bem sei, o tal Vieirinha, filho do Comendador Vieira, que morreu há
três ou quatro anos, depois de ter perdido em especulações
da bolsa tudo quanto possuía.
- Pois bem - o Vieirinha ali está!
E Alexandrina apontou para o bêbado, que afinal caíra sobre a
calçada, e dormia.
- Pois, filha, disse o Cardoso, tens agora uma boa ocasião de te vingares!
- Queres tu melhor vingança?
- Certamente, muito melhor, e, se me dás licença, agirei por
ti.
- Faze o que quiseres, contanto que não lhe faças mal.
- Pelo contrário.
Quando no dia seguinte o Vieirinha despertou, estava comodamente deitado
numa cama limpa e tinha diante de si um homem de confiança do Cardoso.
- Onde estou eu?
- Não se importe. Levante-se para tomar banho!
O Vieirinha deixou-se levar como uma criança. Tomou banho, vestiu
roupas novas, foi submetido à tesoura e à navalha de um barbeiro,
e almoçou como um príncipe.
Depois de tudo isso, foi levado pelo mesmo homem a uma fábrica, onde,
por ordem do Cardoso, ficou empregado.
Antes de se retirar, o homem que o levava deu-lhe algum dinheiro e disse-lhe:
- O senhor fica empregado nesta fábrica até o dia em que torne
a beber.
- Mas a quem devo tantos benefícios?
- A uma pessoa que se compadeceu do senhor e deseja guardar o incógnito.
O Vieirinha atribuiu tudo a qualquer velho amigo do pai; deixou de beber, tomou
caminho, não é mau empregado, e há de morrer sem nunca
ter sabido que a sua regeneração foi uma vingança..