Estava doente do corpo e da alma. Jurou que não mais voltaria a escrever.
Sabia que ele ria dela, da sua extrema sensibilidade e do seu amor impossível.
Para ele, Jana fora apenas um divertimento. Uma forma de se vingar da vida que
o injustiçara desde nascença. Homossexual assumido, devotava-se,
de corpo e alma, a atos ignóbeis que fazia questão de propagar
aos quatro ventos. Ela o entendia. Gostava, também, de chocar as pessoas.
Voltava-se, espontânea, para o aviltamento como se fosse a coisa mais
natural do mundo. Vagava na clandestinidade municiada pelo ato de transgredir.
Os analistas que procurara, no decorrer da sua vida, foram unânimes em
lhe diagnosticar o masoquismo fundamentado, obviamente, nas culpas que lhe foram
incutidas na infância. Mais um ponto em comum. Ele se intitulava masoquista,
amante da transgressão, levando a extremos inconcebíveis o desejo
de se humilhar. Jana admirava-lhe a coragem, o desrespeito por si próprio,
o orgulho com que proclamava seus feitos. Ela, talvez pelos princípios
em que balizava sua vida, secundada pelo zelo em não magoar as pessoas
(embora o fizesse pior - às ocultas), exercitava seu masoquismo predominantemente
de forma mental. Claro que em sua trajetória de vida fora atraída
por homens e mulheres, verdadeiros vampiros, que a usaram e drenaram sua energia.
Jana não os reconhecera de imediato, ao contrário, deixara-se
fascinar por tais criaturas. Sofrera em sua mãos, porém sempre
lograra escapar ilesa. Astrólogos, ciganas e outros tantos, a quem recorrera
em momentos adversos, a nominaram Iluminada - daí atrair tantas almas
miseráveis, condenadas a rastejarem nas trevas. Seu mapa astral era raríssimo,
quase todo colorido em verde: sinal de bom augúrio.
- E por que essa insatisfação que carrego comigo?
- A você que tudo tem, nada basta, explicaram-lhe, pois sua busca incessante
a conduz ao infinito. A proteção excessiva que traz consigo a
impele a desafiar o destino porque, no íntimo, tem a certeza de que tudo
acabará bem.
Erraram todos, pensava, com os lábios arregaçados por leve sorriso
desdenhoso. Achei o meu fim.
Seria mentira não revelar que fora amada por homens bons e sinceros que
dariam a vida para salvá-la. Jana os amou, a seu modo. Bastava, entretanto,
surgir alguém capaz de torturá-la, como tão bem o fazia
seu atual amante, que os postergava e partia para a nova aventura.
Desde o começo entendeu que ele jamais a tocaria, visto sua natureza
invertida. Aceitou. Que a tratasse bem, pelo menos. Nem isso. O fiel discípulo
de Masoch ao se deparar com uma criatura mais frágil que ele automaticamente
trocou de posição, transformando-se em ferrenho sádico.
E agora estava assim: louca, descabelada, suja (nem banho tomava), emagrecida
(perdeu dois quilos em quatro dias), escrevendo, frenética, sem saber
para quem. Se pudesse, resumiria seus pensamentos em duas palavras:
- Me ajuda!
(09/09/03)