Zenaide, com oito meses, a barriga pesando, aguardava a presença de 
  Carlinhos, para que ele, enfim, dissesse se registraria a criança.
  Carlinhos era mulherengo. Acomodara-se a uma vida descompromissada. Aos 45 anos, 
  ainda estava na casa da mãe, com a desculpa de cuidar dela. Pura questão 
  de economia. O que Carlinhos queria era que sobrasse dinheiro para suas noitadas, 
  que incluíam carteado, bebidas e mulheres.
  No morro, a briga entre facções do tráfico se agravava 
  a cada dia. Zenaide receava sentir as contrações do parto quando 
  a luta tornasse os dias mais difíceis, com ordens vindas das chefias, 
  muitas vezes impedindo o ir e vir dos moradores.
  Eis que, numa tarde de domingo, hora de almoço, surgiu Carlinhos, com 
  sua usual camisa estampada e bermudão de duas cores.Trazia duas latinhas 
  de cerveja. Sentou-se numa cadeira da sala e ligou o rádio no jogo de 
  futebol para acompanhar a transmissão . Era vascaíno doente, e 
  seu time disputava final de um campeonato.
  - E então, vai registrar ou não? - perguntou Zenaide.
  - Olha aqui, Zenaide, nem sei se o filho é mesmo meu, pô! e num 
  tô a fim de ouvir reclamação tua. Tu transou com outros 
  antes!
  Zenaide não resistiu à provocação e avançou 
  contra ele.
  - Filho da puta!
  A gritaria chamou a atenção e chegou um grupo. 
  - Gente, caba cum isso. Cramulhão tá puto.
  Carlinhos começou a dormir na casa de Zenaide em dias intercalados, pois 
  não podia deixar a mãe sozinha. Dizia que era questão de 
  compromisso.
  Exatamente quinze dias depois, estavam juntos, quando Zenaide começou 
  a sentir que a hora da criança nascer estava chegando. Já tivera 
  três partos, sempre doando as crianças logo que nasciam.
  No morro, o clima era de guerra. Cramulhão contra Sete Bocas. Os tiros 
  se entrecruzavam nas subidas e descidas, entravam pelos botecos, pelas casas, 
  e Zenaide a sentir as dores aumentando. Como sair do morro em meio àquele 
  caos? Teve, então, uma ideia.
  - Carlinhos, Dona Iracema, a mulher do Pastor é parteira. Já fez 
  dois partos meus. Vai lá e chama ela.
  - Sabia que sobrava pra mim... O tiro tá comendo geral. E se algum me 
  pega? Você gosta é de se aproveitá de mim... 
  Fugindo dos tiros, ele trouxe Dona Iracema e o marido, o Pastor. Dona Iracema 
  entrou no barraco e enquanto ela fazia o parto, do lado de fora do barraco Carlinhos 
  ouvia o Pastor com suas rezas, para que tudo saísse bem. Em alguns minutos 
  Zenaide deu à luz uma menina. O pastor depois a abençoou, impressionando 
  Carlinhos.
  Os dias passaram e Zenaide enfim, perguntou a Carlinhos: 
  - Vai registrar? 
  Ele começou a andar de um lado para outro. Olhou a menina. Sorriu. 
  - Acho que vô sim. Acho o olhinho dela igual o meu...
  Cinco meses depois, o morro vivia tempos de relativa calma, agora sob a liderança 
  de Cramulhão.
  Zenaide, em novo barraco, assistia a uma novela. Das vielas, chegava a gritaria 
  da garotada.
  - Ei, cambada! vão gritar mais lá pra baixo. Tô vendo minha 
  novela! - grita para as crianças, irritadíssima.
  - Parece que vivo procurando sarna pra me coçar. Ainda bem que deixei 
  a menina direto com Carlinhos. Aquela ideia dele de entrar pra igreja 
  foi uma boa! Tá até querendo virar Pastor. Deixou de tomar cerveja, 
  e nem liga mais pra futebol... pensou Zenaide, voltando à televisão. 
  - Criança só serve pra atrapalhar a vida da gente. Pior que parece 
  que tô novamente. Enjoando, muito sono e há três meses que 
  não vem... - Nem sei o que Cramulhão vai dizer...