A Garganta da Serpente

Guilherme Carvalho da Silva

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Uma experiência sem pretensão

(Guilherme Carvalho da Silva)

Desta feita vou contar uma história sobre a vida, coincidências, confissões, sobre o amor e sobre as formas de se experienciar o amor.

Bem, falo sobre uma história que vivi. Vivemos eu e Amanda Luzia (as trocas de nomes são necessárias, por favor entendam, qualquer escritor que se julgue escritor escreve sobre a alcunha de pseudônimos) durante um ano.

Amanda Luzia era uma garota estranha, seu corpo possuía algo de desproporcional a ponto de eu não compreender o quê. Não sei se eram seus braços muito longos para seu tronco, ou se seu tronco muito curto para suas pernas, ou se seus seios demais avantajados para seu tronco, ou se suas costas muito largas, embora pudesse ser também fruto de sua cabeça grande. Mas enfim, tirando suas desproporcionalidades, a garota possuía umas pernas lindas (creio que fiquei um ano com ela por conta de suas pernas).

Acho que ela era meio louca (não por conta de sua desproporcionalidade claro…). Ou eu que sou meio louco (não por conta de ter ficado com ela por um ano claro, afinal o sexo é um fato eminente em nossas vidas pós-modernas…). Mas vá saber quem é louco realmente… Só sei que passei um ano ao seu lado. No começo tudo era orgia (bacanal a dois, dionisíaca mesmo): sexo de manhã, de tarde, à noite, em lugares públicos, no banheiro de casa, uma vez foi quase dentro do ônibus (não fosse aquele maldito bombeiro entrar…). A vida era leve naqueles. Pensava até que nada merecesse importância, que o meu era primeiro mesmo e foda-se o resto (os últimos não existiam só o meu e a dela eram os primeiros).

- Ele é tão lindo meu amor!!!

Fazer o quê né, se ela dizia…

Aí eu dizia que "os seus é que são lindos, eu poderia me afogar neles…".

- Aí amor, te amo tanto!!!

É… "te amo também meu amor…" e depois vinha o gosto madeira na boca, gosto ocre, gosto do nada (mas sabe que eu até a amava mesmo?). Aí a gente fazia sexo mais uma e mais uma e mais uma vez, aí eu virava, pedia um cafuné e dormia.

- Sabe, a gente podia se casar né…!!!

… "eu assisti um filme tão bom ontem…".

"você já ficou com outra mulher?"

- Meu anjo… você ta doido? Eu gosto é de homem… aliás… de voxê!!!

É, mas aquela desproporcionalidade não me saía da cabeça, ela tinha um jeito de homossexual tão grande que não me saia da cabeça (se bem que ela fosse um tanto estrábica), mas como ela sempre dizia:

- Eu sou coerente com o que eu digo. Quando eu digo uma coisa é o que eu penso mesmo!!

Bom eu sou uma pessoa boa, sempre acredito nos outros. Então ia assim, né: fazia sexo constantemente, chamava-a de meu amor constantemente, dizia eu te amo constantemente (repito: embora eu até a amasse mesmo). Aí teve um dia desses que provam que as coisas não vão embora assim tão facilmente e que provam que passado não é nada mais que um momento do presente: Lígia Cristiane. Eu não sabia o que se passava comigo ao lado dela ou que se passava com ela ao meu lado, e disso tudo algo ficava.

Ela falava que me amava e eu dava uma risada sem graça e repetia o mesmo (não que eu não a amasse, é claro, afinal meu coração era maior do que o de qualquer mãe no mundo).

Saímos para beber um dia: eu, Amanda Luzia, Lígia Cristiane e mais uns outros. Bebemos um bom tanto. Aí a gente bebeu outro bom tanto, aí Lígia já falava confidências e eu falava coincidências. O problema era que Amanda Luzia estava no meio de nós dois, entre as confidências e coincidências (fazer o que? Repito: eu as amava de fato).

Aí Amanda Luzia se enfezou uma hora:

- Eu vou embora! Que coisa mais desproporcional essa! (Que coincidência essa frase não?) Você não vê que está me machucando? Isso dói muito e uma dor estranha, lá no fundo da alma!

Aí eu ficava calado ("eu não sei dizer nada por dizer, então eu escuto…") e depois eu dizia que "eu só to falando isso tudo porque eu não tenho nada pra te esconder, porque eu te amo…". Bom, parecia que havia colado (não que eu não a amasse, repito). Só que aí comecei a viver com Lígia Cristiane também (não que eu só quisesse a usar, uma vez que eu a amava, também).

Aí era amor intenso com uma pela noite e amor intenso com a outra pelo dia. Aí era andar de mãos dadas com uma de dia e se esconder em lugares afastados pelo dia com a outra. Eu era dois e acho que Amanda Luzia era só uma (e isso que incomoda: meu espírito pós-moderno de criação cristã do arrependimento), mas pelo menos Lígia Cristiane era duas também (embora nunca se é dois ou duas, sempre se é e isso basta).

Vivi assim só por dois ou três meses, não me recordo bem, foi tudo tão intenso que até me esqueci (para um meio-cristão já é uma coisa monstruosa). Aí depois só fiquei com Amanda Luzia, a prestações por assim dizer: fazia sexo gostoso, dizia que amava, ria algum pouco e me estressava tanto mais. Aí cansei, quis descobrir amor de verdade (não que eu não amasse Amanda Luzia, por favor, me entenda!). Terminei com Amanda Luzia numa quinta (um dia meio nada a ver por assim dizer).

Confesso que foi difícil. Coincidentemente sua desproporcionalidade dava a ela, junto com seu gênio, um ar agressivo de punk, ela fez birra, gritou, deu show, fez cena.

- Não é justo!!!! Por que????!!! Ai meu Deus, o que eu vou fazer da minha vida??!!!

"Acho que Deus não deve ter essas respostas, minha flor…" É claro que eu não falei isso, tenho um mínimo de dignidade (afinal eu a amava, não é mesmo?). Pois bem, depois da quarta tentativa, consegui. Terminei. Nunca mais Amanda Luzia foi a mesma (ou seguiu sendo ela, afinal só se é, não é mesmo?). Eu segui outro caminho. Conviver com indivíduos sem cérebro e nem fazer sexo com eles é meio difícil de suportar às vezes, ainda mais quando se diminuem os insumos alcoólicos (bebida em certos lugares é muito caro!).

Aí um dia descobri que ela agora estava se amarrando em mulheres. É… uma grande coincidência eu confesso, aquela desproporcionalidade não me enganava… Bom, disso tudo, pelo menos uma coisa: dei a liberdade para uma mulher nas curvas do corpo de outra mulher. Aí vem o que fala sobre a vida: ganhei algo por esse um ano (além daquele sentimento de saber que fiz sexo com uma homossexual).

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