E lá estava aquele sujeito... Estranhamente quieto! Sentado naquele
banco de praça, despertando olhares inquisidores devido à esquisitice
de sua inércia. Ora, em plena segunda-feira, imóvel, com o olhar
vazio, o jornal sobre a pequena valise... Muito suspeito!
Não esboçava um sorriso, não se comprazia com o movimento
e as brincadeiras das crianças. Parecia não se importar com o que
acontecia à sua volta.
Os avós, mães, tios, tias e babás, interrogavam-se apreensivos...
- Será que é um pedófilo?
- Vai ver está desempregado...
- Será que é maluco?
Ele continuava impassível, estático, contemplando o nada...
Era como se nenhuma daquelas pessoas à sua frente existisse, ou que ele
próprio não estivesse ali.
O mundo em constante movimento não admite pausa tão acintosa e incômoda.
O silêncio daquele indivíduo misterioso incomodava. Sua imobilidade
também.
- Uma das babás disse a outra: acho que vi este cara na televisão.
- A tia zelosa se preparava para chamar o policial, mas antes disso o anônimo
irrompeu a gargalhar.
Isto já estava passando dos limites! Chamem a polícia! Há
um maluco perturbando a paz e a ordem da tranquila pracinha...
Ninguém tem o direito de ficar parado, sem conversar com ninguém,
sem dar a mínima para os frequentadores do lugar.
- Veio a polícia.
- Seus documentos ?
O estranho exibiu todos, da certidão de nascimento até o passaporte.
Mesmo assim foi revistado, dos pés a cabeça. Não portava
arma.
Os circunstantes decidiram indagar ao agente de lei de quem se tratava, ao invés,
obtiveram pergunta irônica e mal-humorada: vocês acham que bandido
fica "dando mole" ?
Permanecia o mistério. Quem era, afinal, aquele tipo esquisito?
- Mas, e se for doido?
- Melhor chamar os bombeiros...
Chegaram os soldados do fogo e a ambulância. Teve início um longo
diálogo, semelhante a uma sessão de psicanálise, conduzida
pela bem intencionada oficial.
De nada adiantou. O sujeito permanecia sentado, quieto e silente...
Pediram a assistência de um pastor que pregava próximo dali.
O ministro compareceu e foi logo tentando apascentar aquela ovelha desgarrada.
- Meu filho, diga o que lhe aflige! Abra seu coração...
Após alguns minutos e umas tantas horas de dúvidas insuportáveis,
o homem resolveu por fim àquela insólita situação.
- Meu caro pregador, acabo de ganhar uma aposta. Sou cientista social, apostei
com alguns colegas que ninguém tem o direito de ficar quieto, parado em
lugares tais como esta praça. Apostei também que em situações
como essa, as pessoas, por medo, chamariam a polícia em primeiro lugar,
depois os paramédicos e por fim algum religioso. Foi o que efetivamente
ocorreu... Estou indo agora buscar a grana.
- Obrigado a todos!