A Garganta da Serpente
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É proibido ficar parado

(Bruno Ropf)

E lá estava aquele sujeito... Estranhamente quieto! Sentado naquele banco de praça, despertando olhares inquisidores devido à esquisitice de sua inércia. Ora, em plena segunda-feira, imóvel, com o olhar vazio, o jornal sobre a pequena valise... Muito suspeito!

Não esboçava um sorriso, não se comprazia com o movimento e as brincadeiras das crianças. Parecia não se importar com o que acontecia à sua volta.

Os avós, mães, tios, tias e babás, interrogavam-se apreensivos...

- Será que é um pedófilo?

- Vai ver está desempregado...

- Será que é maluco?

Ele continuava impassível, estático, contemplando o nada...

Era como se nenhuma daquelas pessoas à sua frente existisse, ou que ele próprio não estivesse ali.

O mundo em constante movimento não admite pausa tão acintosa e incômoda. O silêncio daquele indivíduo misterioso incomodava. Sua imobilidade também.

- Uma das babás disse a outra: acho que vi este cara na televisão.

- A tia zelosa se preparava para chamar o policial, mas antes disso o anônimo irrompeu a gargalhar.

Isto já estava passando dos limites! Chamem a polícia! Há um maluco perturbando a paz e a ordem da tranquila pracinha...

Ninguém tem o direito de ficar parado, sem conversar com ninguém, sem dar a mínima para os frequentadores do lugar.

- Veio a polícia.

- Seus documentos ?

O estranho exibiu todos, da certidão de nascimento até o passaporte. Mesmo assim foi revistado, dos pés a cabeça. Não portava arma.

Os circunstantes decidiram indagar ao agente de lei de quem se tratava, ao invés, obtiveram pergunta irônica e mal-humorada: vocês acham que bandido fica "dando mole" ?

Permanecia o mistério. Quem era, afinal, aquele tipo esquisito?

- Mas, e se for doido?

- Melhor chamar os bombeiros...

Chegaram os soldados do fogo e a ambulância. Teve início um longo diálogo, semelhante a uma sessão de psicanálise, conduzida pela bem intencionada oficial.

De nada adiantou. O sujeito permanecia sentado, quieto e silente...

Pediram a assistência de um pastor que pregava próximo dali.

O ministro compareceu e foi logo tentando apascentar aquela ovelha desgarrada.

- Meu filho, diga o que lhe aflige! Abra seu coração...

Após alguns minutos e umas tantas horas de dúvidas insuportáveis, o homem resolveu por fim àquela insólita situação.

- Meu caro pregador, acabo de ganhar uma aposta. Sou cientista social, apostei com alguns colegas que ninguém tem o direito de ficar quieto, parado em lugares tais como esta praça. Apostei também que em situações como essa, as pessoas, por medo, chamariam a polícia em primeiro lugar, depois os paramédicos e por fim algum religioso. Foi o que efetivamente ocorreu... Estou indo agora buscar a grana.

- Obrigado a todos!

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