A Garganta da Serpente
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O Fim

(Célia Antunes)

Ela esquecia de si no entorno de uma árvore a beira de um lago muito verde; Resoluto, de uma espontaneidade que não se fazia notar, a tranquilidade era a moldura para o seu espelho.

Como se fossem da memória estrelas luminescentes, que depois de apagadas mantêm ainda no céu o mesmo brilho, dois corpos continuavam a refletir na vastidão etérea, lembranças fugidias. E no lago alado da consciência, silêncios insinuam o espaço algoz e minucioso de fragmentos dispersos se configurando na inexatidão do tempo.

Foi naquele inverno de 74 que o derradeiro abandono de não se haverem conhecido os tomou de assalto e alargou o cais onde aportavam submersos os desejos de outrora, com cores novas e fortes, arquejando estupefatas ante a irrealidade tangível do mundo das ideias. Que os alimentava nesta temporada infinitesimal distanciada pela proximidade.

Não se sabe se por ironia póstuma de algum poeta em desatino, uma constelação de ínfimas estórias se desdobrava, compartilhada pelo silêncio atônito de ambos. E uma linha tênue pontilhava de uma ponta a outra duas realidades distintas, intransponíveis que ensaiavam os primeiros passos de uma paixão comedida, que se estendia para além do forte individual de limitações. Almejar uma cidade numa saudade qualquer, no país onde desabitam os sonhos e a vida se faz adiante.

O ritmo atropelado, presente abafado subtraía das horas, o amor trivial e suburbano, capaz de sanar todas as dores do mundo. A expectativa secular de corresponder aos passos antigos de uma velha trilha, cheia de necessidades insalubres, carências e desafetos, provia o espírito dos tempos de uma dimensão sombria, que abrigava no coração dos homens um vulto triste.

E assim foi, que delicadamente se esboçou, dentre tantas outras, uma estória, que desemboca rios ausentes e uma dimensão latente e azul, absorta sob o mar intenso, e que se abre como raios de um luar distante.

Descoberta pelo frescor do sol que sempre e até no dia seguinte aquece, pela obviedade de se fazer dia, a solidão é um voto, ainda que anoiteça de desejos lancinantes a vontade humana, para poucos, ornamentada, mas que requer um enorme retorno ao amor incondicional, que permeia as instâncias mais sutis da efervescência apaixonada dos amantes.

Feita de cadentes lembranças, os gestos soltos se configuram numa escuridão de nulidades e perpetuam algures, em qualquer lugar onde a dúvida instaure anseio, ou da curiosidade sejam lançados corpos luminosos.

Espaçadamente distribuídos sonos claros permeiam de tons obscuros as idiossincrasias.

E que instaura a cada sinal de desilusão passageira, o temível trovejar dos deuses, irados com a satisfação prazerosa de seus apetites promíscuos, tão bem vicejada pelos degraus alquebrados, por um inesgotável acorde de lamentações. Indiferentes ao desprezo dos homens auscultam, de seu camarote de vesículas mobiliadas, todos os ais ensaiados entre parênteses.

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