Era um lindo final de tarde de verão. O sol se escondia, mas ainda se
fazia presente, e o céu estava pincelado em uma aquarela de um suave
azul; quase não havia nuvens, o que o tornava mais belo.
Ela se chamava Esperança. Em sua casa, sem ocupação, apenas
esperava, e isso tornava-se uma. Não se lembrava dos seus afazeres; mesmo
sem saber ao certo pelo que, esperar a consumia. Esperar: ato de ficar inerte,
imóvel, mudo por dentro e por fora. Mudo até mesmo em um mundinho
onde há tantas vozes e sons
mudo. Esperava algo que a trouxesse
alívio, conforto, quando seus pensamentos e sentimentos conduziriam a
uma única coisa.
Esperava e somente esperava. Tornara-se preciso pensar, esperar, acreditar.
Como se algo viesse de muito longe e a tirasse do seu mundinho cretino. Com
isso tinha a sensação de que o tempo não passava.
E era assim o seu andar, quase lento. Mesmo não sendo próprio
da sua idade o aguardo. Quando os ponteiros do relógio haviam se desencontrado
o suficiente para que desse o horário de sair para ir à escola,
com seu andar paciente, quase parado, ia.
Já noite, sua essência iluminava entre as inúmeras pessoas
que andavam apressadamente. A cidade contaminava o ritmo interno de todos, poucos
conseguiam driblá-la. A maioria andava focada em sua direção,
alienada de tudo à sua volta; era tanta informação que
o olhar captava quase nada, não se fixava em algo por mais de três
segundos. Os cabelos das mulheres esvoaçavam em desencontro ao corpo
ou batiam contra suas costas conforme andavam mais rápido.
Com Esperança era muito diferente, guiava-se por seu ritmo interno. Ela,
de estatura mediana, no auge de seus quinze anos, vestia uma saia azul marinho
pregueada até os joelhos e uma miniblusa branca, porém o que
mais chamava a atenção eram suas meias coloridas, grossas, sete
oitavos, que os calçados estilo boneca mal encobriam. Seus cabelos cacheados
repousavam serenamente em suas costas. Mesmo fechada em seu mundinho, sua alegria,
juventude e inocência transpirava. Caminhava esperançosa de que
o melhor ainda estava por vir.
Estava andando por uma rua extensa e o contorno do quarteirão se aproximava.
Do outro lado, ele se dirigia em outro ritmo, em um passo mais curto e apressado,
como se estivesse fugindo de algo, de alguém, talvez de si mesmo. Alto,
no auge de seus trinta e pouco anos, de cabelos desleixados, trajava um terno
e uma gravata em cores opacas e desgastadas que pareciam sufocar-lhe; provavelmente
se dirigia ao trabalho; podia chamar muita atenção por sua beleza
se não fosse sua face tristonha e o leve cansaço de quem arrastava
consigo desilusões.
Estavam chegando à curva, quando se esbarraram; acontecera tudo tão
rápido que mal tiveram tempo de se desculpar; seguiram em frente, em
direções opostas.
O dia seguinte podia ser mais um dia qualquer; fosse ou não por obra
do acaso, esbarraram-se novamente, desta vez os dois pararam e se fitaram, talvez
boquiabertos com tamanha coincidência. Esperança olhou-o, e sem
graça, articulou um 'desculpe' com um sorriso frouxo; ele apenas retribuiu
com um sorriso à altura, pois não conseguiu pronunciar uma palavra.
Ambos continuaram a caminhar, porém dessa vez em outro ritmo. Os passos
rápidos diminuíram gradativamente, até mal conseguirem
andar. Foram contaminados.
Esperança, em sua casa, continuou a esperar, agora não sabia pelo
que. Havia se encantado por um homem estranho e mais velho. Não podia
descrever ao certo o que sentia e nem se era certo sentir, mas queria, precisava
vê-lo novamente.
E os dias que se seguiram foram inacreditáveis, quase impossíveis,
pois o relógio soou preciso: se encontraram novamente. Não se
esbarraram mais, contudo se fitaram; e assim evoluiu, de um olhar para um sorriso
sutil até chegar a um declarado. Porém, depois não houve
mais progresso.
Passaram-se seis meses e ele tomou uma decisão: quando se encontraram
ele a tocou; aquele toque criou um choque, se miraram rapidamente; ela, surpresa
e um tanto assustada continuou a se conduzir, por medo ou opção;
ele, perplexo com a atitude dela, voltou a percorrer a rua. Um tomando o caminho
que o outro acabara de fazer; os dois não olharam para trás, nem
sequer por uma vez.
Tudo havia acontecido em questão de segundos, mas um segundo podia ser
tão significativo. Mas podiam imaginar que outra coincidência não
viria a acontecer e que naquele momento tinham feito uma escolha, que mudaria
suas vidas.
No outro dia, ambos fizeram o mesmo trajeto, ansiosos pelo encontro, para que
pudessem entender o que havia sucedido, mas não houve encontro. Nunca
mais se encontraram, contudo, sempre que faziam aquele percurso, como se estivessem
arrependidos da decisão, procuravam um ao outro. Naquele exato lugar
acontecera um encontro e um desencontro. Naquele exato lugar e dentro deles,
para sempre, haveria uma sensação de algo inacabado.