Este romance não deverá chamar-se "romance". Desde
que esta palavra é o atilho onde se enfeixam as mentirosas invenções
do escritor fantástico, não há história verdadeira
que possa, como tal, recomendar-se com aquele título.
Estes acontecimentos, expostos aqui, segundo o formulário romântico,
e afeiçoados às leis do estilo romântico, são verdades
que não deram brado, nem se agravaram na memória da geração
que as viu e as não compreendeu.
Na vida moral da sociedade há fenômenos cuja causa ninguém
estuda. No drama da família há lances que são do domínio
público, e o público não pode, ainda que o tente, explicá-los.
Nas atribuições individualíssimas do homem há fases
extraordinárias de sofrimento, que esta sociedade de entranhas cruéis
lhe recrimina, reputando-lhes efeitos necessários das causas, consequências
do crime voluntário.
A sociedade, a família, e o homem expiam incessantemente a culpa do homem,
da família e da sociedade. Opera-se uma contínua redenção
do gênero humano. O homem é, desde o seu princípio, a vítima
da culpa com o lábio colocado no cálice da agonia.
A vida sobre a terra é uma interminável expiação.
Eu pago pelos crimes do meu pai, meus filhos expiando meus crimes, e o último
ser vivo da animalidade inteligente será o holocausto do primeiro homem
criminoso. É forçoso recorrer ao inconcebível, ao sobrenatural,
ao misticismo da providência oculta para compreender o que vulgarmente
se diz "fatalidade".
Na história, que vai ser lida, é tão sensível esta
necessidade, tão aterrado se sente o espírito diante de um fato
consumado, que eu não tive escrúpulo religioso ou filosófico
em subordinar um encadeamento de infortúnios de uma família à
praga rogada nas escadas da forca.
I
Bernardo Silva era um filho bastardo de um pobre de Vizeu. Do ventre materno
passou à roda dos expostos e daí aos cuidados duma pobre mulher
d'aldeia.
Aos dez anos não conhecia pai; e sua mãe, mulher do povo, arrastada
sobre a lama da plebe toda a sua vida, morrera com o segredo do nobre, que se
dignara descer até ela para honrá-la com desonra.
Bernardo, aos dez anos, era aprendiz de alfaiate, e de todos os seus companheiros
era ele o mais desprezado, porque também era o mais preguiçoso.
O rapaz vivia triste como se a idade lhe permitisse compreender a dor imensa
dum grande desastre. Lá dentro daquele coração infantil
falava uma profecia fúnebre. Com os olhos sempre extáticos no
horizonte negro do seu futuro, o pobre moço não tinha uma hora
livre para o trabalho. Muitas vezes uma bofetada acordava-o daquele letargo;
e o braço, que estava suspenso com a agulha, continuava a tarefa molhada
de lágrimas.
Aos 13 anos, era ainda um aprendiz de alfaiate, repelido deste para aquele mestre,
desacreditado em todos, e inutilmente espancado por todos. Chamavam-no incorrigível,
e ele mesmo conheceu que o era.
Abandonou a agulha, e foi servir em casa de Francisco de Lucena. Era, aí,
como em toda parte, conhecido pelo "Bernardo Enjeitado". Nunca ninguém
se lembrou, alguma vez, de que um dos seus muitos filhos, atirados à
roda, poderia ser seu lacaio.
Bernardo era criado de tábua.
II
Este ofício era-lhe mais generoso que o de alfaiate. Tinha muitas horas
livres para sua melancolia, e muitos esconderijos no amplo palácio de
seu amo para refugiar-se duma sociedade que ele detestava sem saber por quê.
Este viver excepcional naquela galhofeira, estúrdia, e estragada, excitou
a curiosidade dos seus companheiros, e, depois, a dos amos. Aqueles chasqueavam-no
com desabrimento: estes admiravam-no por compaixão.
Bernardo chorava sem motivo. Sorria-se com violência. Era humilde com
um não sei quê de estranha delicadeza. Destacava-se da sua classe
com um ar orgulhoso, mas não calculado. Cumpria as suas muitas obrigações,
e ninguém sabia quando as cumpria. Estas qualidades, raríssimas
vezes encontradas num lacaio, tornavam-no assunto de estudo para os amos, que
principiavam a interessar-se na análise daquele obscuro enjeitado.
Guardadas as inauferíveis distâncias que separam o senhor do servo,
os fidalgos souberam que Bernardo desejava muito saber ler, e gastava a maior
parte da noite soletrando o abecedário, decorando as lições
que o mordomo da casa lhe dava nas horas de desenfado.
Qualquer que fosse o impulso que a isso o levou, é certo que o amo, por
um nobre impulso, permitiu que o rapaz fosse a uma escola, e para isso aliviou-o
dos encargos de moço de tábua, e elevou-o à hierarquia
de escudeiro do menino mais velho.
III
Um ano depois, Bernardo fizera admiráveis progressos. Lia com inteligência
do que lia; escrevia com acerto, e aprendera só consigo a gramática
portuguesa, visto que seus amos lhe tinham permitido esta segunda parte dos
seus estudos. Seria um caprichoso luxo permitir ao servo ciência que os
amos não tinham! O Senhor de Lucena não daria o menor dos seus
galgos pela vasta ciência do Lobato. E, talvez, tivesse razão.
Em casa de fidalgo desta bitola, quando um criado adquire a confiança
dos amos, há sempre para isso uma de duas razões. Ou o criado,
devasso como eles, encobre astuciosamente as devassidões dos amos; ou
se torna estimável pelo zelo honroso com que procura encobrir-lhes, já
que não pode repreender-lhes.
Bernardo estava na segunda razão. Os filhos de Lucena eram livres e desmoralizados
a não poder ser mais. Quiseram captar a benevolência do servo,
não para aconselhá-los, que não desciam eles a isso, mas
para acompanhá-los em empresas difíceis, daquelas em que o braço
do plebeu é muitas vezes a salvação das costas do fidalgo.
Não o conseguiram nunca; mas também não tiveram de arrepender-se
da confiança desse convite. Bernardo exercia uma influência admirável
sobre os nobres libertinos. Era a superioridade da inteligência. Ouviam-no,
e maravilhavam-se do acerto das suas ideias, e da linguagem escolhida
com que o enjeitado se saía! O fato de ser enjeitado era em Bernardo,
talvez, um motivo de superstição naquela casa. Se ele fosse reconhecido
filho dalgum borra-botas, como em linguagem nobiliárquica se chama um
plebeu, decerto lhe não dariam a importância de o considerarem
pela inteligência. Mas o mistério, a possibilidade de ser vergôntea
infeliz dum tronco ilustre, cingiam-lhe a fronte duma auréola entre nuvens,
que poderia talvez, mias tarde, dissipar-se, e deixar na plenitude da sua luz
aquele fruto do amor criminoso d'alguma raça nobilíssima, mais
ou menos aparentada com os Lucenas!
Tudo isto era possível; mas o que eles julgariam, entretanto, impossível,
é o que vai ler-se.
IV
A família que Bernardo servia compunha-se de pai, mãe, três
filhos, e uma filha, de todos os irmãos a mais nova. Por então
contava quinze anos. Era bonita, mas pobre. Os morgados não a pediam;
os filhos segundos também não; e a sensível menina precisava
amar, porque o seu coração era da têmpera daqueles que não
sabem conceber somente o amor com a condicional do casamento.
Eulália não tinha a mais superficial tintura de instrução,
e por isso não podemos, em boa-fé, chamar-lhe romântica.
Não era janeleira, nem rapinhava da papelaria dos irmãos o perfumado
papel-cetim para depósito de sensaborias amorosas, e por isso não
podemos chamar-lhe doida.
Era uma mulher, e nisto está dito tudo.
Este Bernardo é que realmente se parecia muito com os nossos poetas de
aspirações ferventes e meditações profundas. Mas
não era impostor, nem romanticamente parvo. O rapaz tinha uma alma como
poucas, e uma tristeza inconsolável como nenhuma. "A minha organização
- dizia ele - é um aborto, uma enfermidade incurável".
Eulália simpatizava com aquela tristeza, e com a figura do rapaz. Achava-lhe
traços de semelhança com seus irmãos, e via nele o que
ela chamava "cara de pessoa de bem". E, conquanto eu deteste esta
maneira de classificar as caras, porque não conheço as "caras
de pessoas de mal" tenho-me visto em circunstâncias forçadas
de dizer o mesmo, porque há neste vale de lágrimas umas caras
que não exprimem bem nem mal, e essas são as piores caras.
Bernardo não se lembrou nunca de fazer sentir a cozinheira da casa, e
menos se lembraria de acender o fogo do amor no ilustre coração
duma Lucena, com quem em toda a sua vida falara três vezes.
Eulália passou da doce simpatia ao amor abrasado, e do amor abrasado
à paixão violenta. Por mais finos e eloquentes olhares que
a fogosa menina lançou ao escudeiro, o escudeiro, ou não dava
por eles, ou explicava-os de qualquer modo, contanto que não ousasse
ensoberbecer-se daquele fato disparatado. E Eulália desesperava-se!
V
Francisco de Lucena espreitava a oportunidade de empurrar a filha para fora
de casa. Aspirou, primeiro, aos morgados; mas encontrou-os pouco apreciadores
de formosura e fidalguia. Recorreu, depois, aos burgueses ricos, e encontrou
um negociante dalto bordo, que recebeu a proposta com afabilidade e trabalhou
desde logo em levar a fim um casamento que permitia aos filhos de seu filho
apelidarem-se Lucenas.
O pai anunciou à filha o seu rico futuro, e encontrou-a fria. Apresentou-lhe
o noivo, e viu-a enjoada. O noivo, porém, era um rapaz de fina educação,
d'alguma inteligência, de brios que o ouro lhe estimulava, e de orgulho
superior à sua classe, porque, há cinquenta anos, a classe
comercial era muito humilde, suposto já trabalhasse para esta época
de barões comerciais, que, digam lá o que disserem, é o
mais palpitante triunfo da democracia. Para me não meter em graves questões
sociais, entenda-se que D. Eulália repeliu a felicidade que seu pai lhe
anunciara com tanto júbilo, e declarou-se sentimental, por tempo de quinze
dias fechada no seu quarto, sem querer ver sol nem lua.
Mas o pai apoquentava-a, sempre que podia, pintando-lhe a mesquinhez do seu
futuro, e a pobreza de sua legítima, que orçaria talvez por três
mil ducados. E era isto verdade.
VI
E o pior era que o tal João Leite, noivo repelido, ficou amando desesperadamente
D. Eulália. Ferido no seu amor próprio, e envergonhado de tão
má estreia, instava com Francisco de Lucena, lançando-lhe
em rosto a imprudência com que viera roubá-lo à sua tranquilidade,
não podendo contar com a obediência de sua filha. Esta maneira
de acusar vexava Francisco de Lucena, porque era pôr em dúvida
o seu poder paternal, e chamar-lhe fraco, imputação que ele odiava,
ainda mesmo que se tratasse de vencer a repugnância de uma fraca menina.
Redobravam as mortificações, e Eulália, imóvel como
o seu infeliz amor, oferecia-se de bom grado à vingança paternal,
mas dizia, em linguagem trágica, que só reduzida a cadáver
passaria para a posse do tal miserável, que não tinha vergonha
de perseguir uma mulher que o desprezava. O pai realizou o dito popular: "casar,
ou meter freira." Eulália optou pelo segundo, e os preparativos
para entrar no convento principiaram.
O amor faz a mulher varonil. Temos visto almas de lama apresentarem uma energia
corajosa, quando o tônico do amor lhes vibra as cordas embrionárias
dum coração, que parece arfar de improviso ao repentino choque,
ao rapto da paixão violenta.
Nas vésperas da sua entrada no mosteiro, Eulália escreveu três
cartas. Uma a seu pai. Dizia-lhe que amara um só homem, e viveria desse
amor desgraçado toda a sua vida.
Outra ao escudeiro. Dizia-lhe que tivesse compaixão dela, e chorasse
uma lágrima em troca das que ela chorara, e choraria até a morte.
Outra ao seu implacável pretendente. Dizia-lhe que o amaldiçoava
com todo o ódio do seu coração. Que lhe atirara a cara
com um não, e nem assim o envergonhara de continuar a perseguir uma mulher.
Esta correspondência conservou-a Eulália até o momento em
que transpôs o limiar do convento. O seu primeiro ato foi dar-lhe o destino
competente. Depois, chorou, chorou, e atraiu em volta de si os carinhos da comunidade,
que a mortificava com as suas frias consolações.
VII
Francisco de Lucena recebeu com espanto semelhante carta.
Bernardo da Silva embruteceu-se ao ler a sua.
João Leite deu quatro murros numa mesa, e sentiu-se suspenso no ar por
uma legião de demônios raivosos.
Cada um fez seu papel; mas todos três reunidos deviam formar um grupo
digno da melhor caricatura inédita!
Francisco de Lucena correu ao locutório do mosteiro, e fez ali aparecer
imperiosamente a filha.
Quis forçá-la a declarar o nome do homem que a preocupara até
a fazer má filha. Não lhe arrancou a menor revelação.
Foi por outro caminho para chegar ao seu fim. Fez-se sentimental; lamentou,
como com pai, as paixões invencíveis duma filha que se preza com
extremo carinho; contou histórias análogas, que acabavam todas
por casamentos desiguais, mas nem por isso menos venturosos. Pediu a sua filha
o nome desse homem que a impressionara, e fez-lhe antegostar a possibilidade
de casar-se, se não viesse dali uma absoluta desonra para a sua família.
O amor faz heróis, mas também faz patetas. Eulália desceu
da sua altiva energia ao raso da toleima . Declarou o nome...
o nome de quem? O nome, sem nome, do enjeitado, do aprendiz de alfaiate, do
lacaio, do escudeiro!...
Que horror!
Nunca se viu um solavanco mais desamparado que o salto de tigre que Francisco
de Lucena deu contra a grade que o separava da filha! Por Deus! Que a esgana
se lhe chega! A pobre menina arrepiada como quem vê um lobo com as faces
vermelhas, e as unhas recurvas, foge pelo dormitório, e fecha-se no quarto.
VIII
Lucena correu a casa com os olhos injetados de fogo. Precisava duma vítima!
Encontrou no caminho João Leite, mas este não podia justificadamente
ser sua vítima. João Leite mostra-lhe a carta que recebera de
Eulália. Isto foi exacerbá-lo. "Não se lhe dê
de ser repelido por essa infame - lhe disse ele. - Eu vou provar-lhe que sou
pai!... Essa mulher amava um escudeiro... um lacaio... um enjeitado..."
Entrando em casa, procurou o "enjeitado". Encontrou-o ainda estupidamente
absorvido na meditação daquela carta. A entrada rápida
que fez no quarto não deu tempo a que Bernardo escondesse a carta que
tinha aberta nas mãos trêmulas. Lucena arrancou-lhe com uma convulsão
de raiva superior à fúria dum demente. Passou-a pelos olhos, e,
sem articular um som, lançou mão duma cadeira, e, à segunda
pancada, Bernardo tinha a face coberta de sangue. Era um sangue inocente que
reclamava justiça. Era um sangue inocente que pedia a intervenção
de Deus. A justiça, filha legítima do céu, virá
mais tarde salpicar daquele sangue a face de quem o derramava.
Bernardo, ferido, e pisado de sucessivas pancadas, não pronunciara uma
só palavra durante este infernal martírio. Impelido por pontapés,
foi lançado fora da porta do quarto. As forças faltaram-lhe. O
sangue corria a jorros. Esvaiu-se a cabeça, e caiu.
O fidalgo chamou dois criados, e mandou pôr aquele homem fora da porta.
Era ao anoitecer. O enjeitado foi arremessado à rua. Quando recuperou
os sentidos, achou-se frio. Ergueu-se. Olhou com os olhos da alma para a sua
consciência, e sentiu pela primeira vez vontade de sorrir da sua desgraça
pelos lábios molhados de fel.
E riu-se. Era um sorriso semelhante ao dos anjos. As almas que podem sorrir
assim são as que Deus elege para a santidade da bem-aventurança.
IX
Bernardo procurou um refúgio em casa de uma mulher pobre que o tratara
sempre com amor, matando-lhe a fome, quando a aprendizagem de alfaiataria não
valia o pão de cada dia. Esta mulher fora ama da roda no tempo em que
Bernardo lá fora lançado. Supunha ela que talvez o tivesse alimentado
ao seu seio por algumas horas, e esta só conjectura atraía-a para
ele com instinto maternal.
O enjeitado curou-se dos leves ferimentos, e pediu a Deus que lhe inspirasse
um destino. Esperou.
Em Vizeu, falava-se muito deste sucesso, divulgado por Francisco de Lucena,
e por João Leite.
Bernardo era procurado para ser punido, e quem mais diligências fazia
para isso era o juiz de fora Paulo Botelho.
O honrado moço, quando se viu na penosa situação de agenciar
a sua vida, por não poder sair da pobre casa em que vivia, impelido pela
sua inocência, procurou o juiz de fora e expôs-lhe com a mais eloquente
naturalidade a injustiça com que fora maltratado, e com que estava sendo
perseguido.
Paulo Botelho quis espancá-lo com um chicote por ter tido a audácia
de entrar em sua casa sem ferros nos pés. Olhou em redor de si procurando
um aguazil para fazê-lo
prender traiçoeiramente; mas o generoso mancebo, adivinhando-lhe as intenções
disse que não precisava fingir-se; que ele dava a sua palavra de honra
de não retirar-se da casa em que estava vivendo, e que mandasse sua senhoria
capturá-lo quando quisesse. O juiz riu-se da palavra de honra na boca
dum criado de servir, e mandou-o embora, por não ter a propósito
um meirinho.
Bernardo encontrou, ao retirar-se, nas escadas do ministro, João Leite,
que apeava duma liteira, segundo o uso dos nobres, comprado pelo ouro do burguês
opulento.
João Leite fixou-o com ar de soberano desprezo e perguntou-lhe:
- És tu o lacaio de Francisco de Lucena?
- Fui o lacaio do Sr. Francisco de Lucena - respondeu Bernardo com dignidade.
- E tens o atrevimento de aparecer entre pessoas de bem?
Bernardo sufocou uma resposta amarga, e fez uma continência respeitosa
para retirar-se.
- Vem cá, miserável! - tornou João Leite. - Tu és
o amante da filha do teu amo?
- Respeitei-a muito, por ser filha de meu amo, enquanto o servi. Hoje respeito-a,
porque lhe não conheço a menor falta que a desonre!
- Nem ao menos a desonra de receber as tuas afeições, lacaio?
- Eu não lhas ofereci nunca, senhor.
- Ofereceu-tes ela, sevandija ?
- Não, senhor.
- Mas ela escrevia-te...
- Sem ser criminosa, por isso...
- Então achas que não é crime escrever a um bandalho?
- Será, se V. S. o quer...
- Tenho pena de seres um réptil que faz nojo esmagar com a sola da bota!
Se tivesses um nome...
- Tenho um caráter, senhor!
Bernardo respondeu com altivez; João Leite riu-se com desprezo, e olhando-o
da cabeça aos pés, replicou:
- Tu sabes que não podes ter caráter, enjeitado!?
- Então, terei um braço...
- Um braço! - atalhou o fidalgo em projeto, imprimindo-lhe um valente
pontapé, que o fez descer três escadas maquinalmente.
Bernardo assumira toda a dignidade do homem de coração ultrajado.
João Leite achou-se comprimido entre os braços do sevandija que
ele supunha fugir ao primeiro pontapé para evitar o segundo.
Quis desfazer-se, de pronto, deste empecilho, e não pôde, porque
os pés falsearam-lhe, e as costas bateram-lhe com todo o peso sobre os
degraus de pedra. Tirou rápido de um punhal, e roçou, com ele
duas vezes sobre o braço direito de Bernardo, que o desarmou, no ato
que uma terceira punhalada lhe resvalara no peito. O enjeitado sentiu-se ferido:
vacilou um instante na resolução que se debatia entre o homicídio
e o perdão. Venceu o primeiro. Aquele punhal tinto de sangue inocente,
pela segunda vez, derramado, entrou no coração de João
Leite, e matou-o.
Isto foi obra dalguns segundos, João Leite gritara nas convulsões
da morte; acudiram os criados, e encontraram Bernardo da Silva, de braços
cruzados ao pé do cadáver, que vibrava nos seus derradeiros estorcimentos.
Paulo Botelho também acudiu. Primeiro recuou aterrado; depois gritou
"Matem esse homem!" E vendo que ninguém de pronto lhe aceitava
o diploma de assassino, mandou-o carregar de ferros.
Bernardo caminhou para o cárcere, com a fronte altiva, com nobreza de
passo, com serenidade de consciência e maneira dum príncipe, segundo
a linguagem popular dos que o viram.
X
Foi processado. Paulo Botelho desenvolveu uma espantosa energia no andamento
desta causa crime. Erguia-se todos os dias, sôfrego de escrever uma sentença
de forca.
Os depoimentos eram todos contrários ao infeliz. Um só homem protegeu
esse preso; sabia-se que era um ancião que lhe levava umas sopas diariamente,
e palavras consoladoras de esperança sem esperança.
Eulália, sabendo estes acontecimentos até à véspera
do dia em que o escudeiro, devia ser condenado, requereu que queria ser ouvida
em juízo. Não lhe admitiram o seu depoimento. A pobre menina,
inspirada da eloquência do martírio, entrou um dia no coro,
quando a comunidade orava, e invocou o testemunho de Jesus Cristo, exclamando,
de modo que a escutasse o povo que estava na igreja:
- Declaro que esse infeliz homem que vai morrer, depois de martirizado por meu
pai, e apunhalado por um homem que eu desprezei, declaro diante de Deus e dos
homens, que esse infeliz nunca me disse uma palavra só para que eu o
amasse. Fui eu que o amei, fui que o fiz desgraçado, mas em recompensa
hei de amá-lo toda a minha vida, e hei de unir-me a ele na presença
de Deus! - Era uma demência!
Foi grande o assombro dos que a ouviram. O eco deste grito chegou aos ouvidos
de Paulo Botelho, que estava presente; mas a sua alma fora cerrada pela mão
corrupta do ouro. O povo murmurava, e dizia que não devia de ser enforcado
o escudeiro.
Pobre povo, naqueles dias, se tentasse tirar das mãos dum juiz o seu
instrumento inauferível, o carrasco!
XI
Bernardo foi condenado à pena última. Ergueu-se uma forca nas
proximidades do delito entre a casa do juiz e a de Francisco de Lucena.
Eulália exaltara-se no martírio até causar receios de loucura.
Inspiravam-se de uma dor de morte as exclamações pungentes que
soltava a cada ruído que ouvia semelhante ao arranco retraído
dum justiçado. O espetáculo da forca era a sua ideia fixa
desde o momento que uma religiosa imprudente lhe anunciou o destino de Bernardo
da Silva.
A infeliz, na madrugada do dia da execução, fugiu da cela com
os cabelos em desordem, com as faces chamejantes de febre, com os olhos embriagados
de delito, e com o coração a estalar-lhe de uma dor que a endoidecia.
Chegando à portaria não houve forças humanas que a contivessem.
Os ferrolhos cederam ao impulso duma fraca mulher, forte da sua desesperação;
e esta virgem, com hábitos de noviça, e bela, na sua agonia, como
um corpo epiléptico que se levanta amortalhado do esquife, corria por
entre as multidões que principiavam a aglomerar-se para testemunharem
o desconjuntar dos ossos do pescoço dum padecente entre as mãos
do carrasco, seu irmão, ambos filhos do mesmo Deus, ambos reunidos pelo
sangue do mesmo Cristo.
Viram-na as multidões passar; muitos a conheceram: alguns pronunciaram
o seu nome, mas aquela pomba, ferida de morte, era um cadáver que se
movia impelido pelo choque da pilha galvânica.
Erguera-se um alarido na cidade. As turbas corriam na direção
da infeliz, a quem chamavam doida; mas não ousou alguém embargar
o passo àquela mulher que parecia fascinar com a majestade da sua demência.
Os que a seguiam esperavam vê-la entrar em casa de seu pai. Enganaram-se,
Eulália subiu as escadas de Paulo Botelho, e entrou no salão onde
fora lavrada a sentença de cadafalso para Bernardo da Silva.
Paulo Botelho estremeceu na cadeira, quando viu aquela alvejar de uma larva,
ajoelhada nos degraus da tribuna.
Deu-se um profundo silêncio de alguns minutos.
Eulália já não podia coordenar as ideias que poucos
dias antes clamara no coro. O sorriso da loucura, o gemido sufocante, uma lágrima
embebida logo no ardor das faces, e algumas palavras entaladas, e apenas inteligíveis,
eram alternativas que a tornaram mais lastimável durante alguns minutos.
A mulher e três filhas de Paulo Botelho, que a viram entrar, correram
ao tribunal, e quiseram arrastá-la dali. Era impossível. A estátua
parecia chumbada sobre o seu túmulo.
A família do juiz julgou conveniente empregar o insulto como solução.
Falavam do justiçado com certa náusea, que elas supuseram ser
o bálsamo para a ferida mortal de Eulália. Paulo Botelho, coadjuvando
as razões da sua família, cobria de impropérios afrontosos
o homem que, pouco depois, havia de perdoar as injúrias com a cabeça
no laço da forca.
A exaltação aflitiva de Eulália tinha tocado o ponto culminante
da morte, ou da alienação irremediável.
- Inocente! Inocente! - eram os gritos únicos, as derradeiras palavras
que os lábios daquela mulher tinham de proferir.
XII
Nesta momento entrou um homem que redobrou o espanto. Era Pedro Leite, pai de
João Leite.
Este homem fez sinal de querer falar. Atenderam-no todos com religioso respeito.
As suas palavras foram estas:
- Perdoo ao assassino de meu filho! O sangue desse homem cairá
sobre a minha face! Matou defendendo-se dum agressor infame! Senhor juiz de
fora, requeiro a suspensão da execução da sentença.
Eu sou parte, e declaro inocente o réu!
Seguiram-se minutos duma estupefação natural. Eulália voltou
os olhos para o homem que falara, quis arrastar-se de joelhos aos pés
dele; não pôde; a impressão devia matá-la, ou ressuscitá-la...
desmaiou a meio caminho.
O juiz era o algoz moral criado pelo ouro, assim como o carrasco físico
fora criado pela lei. Não podia eximir-se a pegar do cutelo, e seguir
seu caminho.
- É tarde! - respondeu ele.
- Não é tarde! - replicou Pedro Leite, e continuou com solene
exaltação: - Tarde, senhor juiz, é depois que o tribunal
do mundo se fecha atrás daquele que vai entrar no tribunal de Deus! Tarde,
é quando um juiz de entranhas ferozes se apresenta no banco dos réus
condenados com a face borrifada de sangue inocente!
- Basta! - exclamou Paulo Botelho com autoridade.
- Pois sim... basta! Mas, abaixo de Deus, invoco o testemunho das pessoas que
me escutam. Declaro que lavo as mãos deste sangue inocente que vai ser
derramado!
O povo murmurou com acanhamento, com a consciência cobarde da sua nulidade,
mas balbuciou não sei que palavras que irritaram o juiz.
- Não se trata só de punir o assassino de João Leite! -
exclamou o juiz - Trata-se de castigar a afronta que recebeu um nobre, feita
por um lacaio que ousou levantar olhos de amante para sua filha!
- Não, não! - gritou Eulália, erguendo-se com ímpeto,
com as mãos postas, e caindo outra vez sobre os joelhos.
O cínico já não tinha coragem para tanto! Soara a hora
do último mandato do carcereiro. Expirara o último instante de
oratório.
- Cumpra-se a lei!
Disse o juiz, e fez menção de retirarem-se as ondas de povo que
tinha concorrido em tropel, chamadas pelos gritos de Eulália, e pelo
perdão público de Pedro Leite.
Eulália foi conduzida em braços para o interior da habitação
do juiz.
XIII
A procissão onde a imprudência colocara um Cristo, o Deus da caridade,
nas mãos dum padecente, que ia ser esmagado!... a procissão, onde
se via um homem de túnica branca, um algoz de cutelo e alcofa , alguns sacerdotes dum Deus
misericordioso!... A procissão descia terrível de repulsiva solenidade
para o açougue daquela rês! A tumba da misericórdia fechava
aquela orgia de sangue! Era um insulto a Deus! O cadáver dum homem atirado
à face do Criador! Um escárnio satânico à inteligência,
e ao coração da humanidade!
O préstito parou na praça do sacrifício.
Bernardo com os olhos fitos no céu via nascer a risonha aurora da eternidade.
Sorriam-lhe os anjos, e a justiça de Deus mostrava-lhe o seu regaço.
A morte do justo era um crepúsculo de nova existência a alumiar-lhe
o rosto. Inspirava devoção aquele seu santo sorrir para o seio
do céu que lhe abria! Trazia nas mãos a imagem do Redentor; mas
lá em cima via ele o Espírito Criador, a grande alma, onde se
refugiam as almas dispersas na face deste mundo, e perseguida pelo demônio
da ira, e da vingança, eternamente encarnado no homem, a quem a sociedade
entregou o azorrague da flagelação do virtuoso.
Bernardo caminhava a passo firme para a escada da forca. Estavam contraídas
as respirações. Um gemido, menos sufocado, podia ser ouvido por
quinze mil almas que vieram a contemplar aquele aparelho de morte, segundo a
lei, formulada pelas inspirações do Evangelho! Pelo código
dos perdões! Pelos preceitos do Filho de Deus que morrera, perdoando!
XIV
Através da multidão abriu-se uma clareira para deixar passar um
homem, que devia representar um principal papel naquele festim da lei.
Convergiram todas as atenções para aquele ponto.
Era Pedro Leite - ainda o pregoeiro da inocência de Bernardo, com a face
cadavérica das longas noites que chorara sobre o túmulo de seu
filho único.
Quem disse a este homem que Bernardo da Silva era um inocente?
Que força oculta o arrasta a abençoar nas escadas da forca o assassino
de seu filho?
Fenômenos ocultos da Providência! A voz de Deus, soando pelos lábios
do mistério! Explicai-me as operações de Deus, e eu vos
explicarei a inspiração sobrenatural que obriga a balbuciarem
o perdão os lábios que beijaram morto um filho estremecido...
Pedro Leite aproximou-se do justiçado. Ninguém lhe embaraçou
o passo.
Cheio de majestade, de poesia fúnebre, e de santo terror, falou assim:
- Eu venho pedir o seu perdão à beira do patíbulo. Fui
eu que o arrastei até ao tribunal em que foi condenado; mas não
sou eu que o arrasto aqui. Bradei em favor da sua inocência. Pedi, há
momentos, a suspensão deste ato, em que minha dor será mais...
muito mais prolongada que a sua. Não me ouviram: impuseram-me silêncio,
e mandaram-me sair do santuário da lei, que resfolegava sangue pela boca
do seu sacerdote.
"Venho pedir o seu perdão, nas escadas da forca, e vazar o fel,
que me devora a consciência, na consciência do juiz implacável
que pede a sua cabeça a altos gritos!"
Ouviu-se um prolongado murmúrio. Era a onda popular que refervia sopesada
entre as rochas da sua impotência moral, naqueles dias, em que o sangue
dum plebeu continuava a operação regeneradora do sangue de Jesus
Cristo.
Bernardo ouviu com presença de espírito a exclamação
de Pedro Leite.
- Eu lhe perdoo!
Foram as suas palavras únicas.
Choraram-se então muitas lágrimas. A piedade teve uma explosão,
que as coronhas dos soldados reprimiram. As turbas queriam rasgar o quadrado
para arrancarem da morte um santo. Este conflito foi serenado por outro mais
sublime. Ouviu-se uma voz. Viu-se um homem que sobressaía entre os males
populares. Era o velho, protetor único de Bernardo da Silva, durante
a sua prisão. Poucos o conheciam.
- Nobre Senhor Francisco de Lucena! Vem ver teu filho que morre enforcado! Nobre
Senhor Francisco de Lucena! Vem ver o filho da mulher que desonraste, como é
nobre nas escadas da forca! Nobre Senhor Francisco de Lucena! Vem ver teu filho,
o filho de minha filha, que borrifa os teus pergaminhos com o seu sangue ilustre!
E calou-se. Calaram-se todos. E aquele homem lá estava erguido como o
anjo dos túmulos à espera que Deus mande quebrar a lousa duma
mulher que há falta nesse transe aflitivo!
Essa mulher morrera, desonrada, sufocada pela mão da ignomínia,
a que a soberania fidalga de Francisco de Lucena a abandonara.
Esse ancião era o pai dessa mulher, único que recebera em que
seus braços o filho da desonra, único sabedor daquela existência,
que acompanhou sempre, porque lhe marcara um braço com uma cruz. Desde
o ventre à forca, de longe, desconhecido, com o segredo da desonra de
sua filha abafado no coração, este homem seguira os vestígios
do neto, sem declará-lo nunca, porque um apelido ilustre não o
salvava a ele duma ilustre ignomínia.
Que impressão fez este homem nas turbas! A do espanto. Mas, momentos
depois, chamavam-lhe DOIDO. Por ordem do juiz de fora ia ser preso o demente.
Aproximou-se a justiça d'el-rei. "É doido...!" dizia
o meirinho ao lançar-lhe a mão.
XV
Há de consumar-se aquele enredo de peripécias terríveis.
Bernardo pôs o pé direito na última prancha da forca. Voltou-se
para o povo. Brilhou-lhe à face o clarão dum outro mundo. A sua
voz era melodiosa como o cântico do anjo da morte suavíssima, mas
naquele todo via-se a terrível majestade do anjo do dia final. As suas
últimas palavras foram estas:
- Ouvi a praga dum padecente, rogada nas escadarias da forca: QUE A JUSTIÇA
DE DEUS SE CUMPRA NA PRESENÇA DOS HOMENS!
CONCLUSÃO
Passaram-se quinze dias.
Eulália de Lucena recuperara o juízo, e entrara no mosteiro. Um
ano depois, professara. A sua vida foram três anos de adoração
extática. Ouviram-na murmurar palavras celestes, como em diálogo.
Dizia-se que um anjo devia de aparecer-lhe naqueles arroubamentos. Chamavam-lhe
santa, e adoraram-na morta.
Passados quatro anos, Francisco de Lucena, sempre afastado de sua filha pela
mão do remorso, morreu de repente no mesmo local em que fora hasteada
a forca.
Simão Botelho, filho de Paulo Botelho, dera um tiro em seu pai. O pai
quis sentenciá-lo: deu-lhe sentença de forca, que depois foi comutada
em degredo perpétuo. Apenas desembarcou em Cabo Verde, abriu-se-lhe uma
sepultura.
Paulo Botelho, desembargador aposentado, dez anos depois, morria à vigésima
quinta punhalada, que recebera, por não dar exatas informações
dum pecúlio de cinquenta mil cruzados, que guardava em uma quinta
nas vizinhanças de Vila Real.
A mulher de Paulo Botelho morria doida no hospital de São José
um ano depois.
Restavam três filhas de Paulo Botelho.
Foram devassas até ao escândalo de serem arrastadas a um recolhimento
por expresso mandado régio.
Uma apareceu morta num aqueduto por onde procurava evadir-se.
Outra casou com um homem que a retalhou de martírios.
A terceira enforcou-se no batente de uma porta.
A JUSTIÇA DE DEUS CUMPRIU-SE NA PRESENÇA DOS HOMENS.
A praga do justiçado nas escadas da forca teve o seu complemento no gênero
de morte que a última pessoa daquela família se dera.
Forca por forca.
Tendes a curiosidade das averiguações? Procurai em alguns cartórios
de Vizeu a sentença pronunciada entre 1776 e 1780.
REMATE
Não sou contumaz, nem me ufano de relapsia .
De outro que disse me desdigo, se algum inquisidor intolerável deparar
aí heresia, contra-senso, atrevimento ou coisa que dúvida faça
contra Plútus, único deus da única religião cujo
código penal me intimida.
Há coisas incríveis neste volume? É que eu e os meus amigos
literatos, poetas, jornalistas, e até redatores encartados de necrológicos
sabemos passagens que arrepiam carnes e cabelos. Se o siso comum as não
adota, é que os cronistas do tempo formam, à parte, um status
instatu, coisa ininteligível aos que não sabem latim, por
grande fortuna sua.
Neste sinedrim há uma moral,
estragada se o quiserem, mas os evangelistas, que a propagam, são Catões,
contanto que os não obrigue a inquietar a sadia tranquilidade dos
intestinos. Aqui, não se sacrifica um dedo a uma pisadela porque não
vale a pena.
É necessário escrever, visto que há leitores.
Eu, e os meus correligionários, se até hoje não temos irradiado
sobre a humanidade ondas de luz, é porque a humanidade precisava ser,
muito, a concha em que, por aqui se escondiam muitos moluscos morais, que vão
saindo agora a espanejar-se ao sol.
Não quero dizer que os moluscos passassem a articulados. Pode muito bem
ser que o leitor, ou leitora sejam ainda legítimos moluscos; mas a exceção
deplorável não claudica a generalidade. E, portanto:
Eu, e os meus amigos, mencionados acima, considerando que a candeia não
deve estar muito tempo debaixo do alqueire, nem os talentos (dinheiro) soterrados
vencem juros; e tendo nós, outrossim, em muito afã e desvelo desafrontar
a literatura pátria de injúrias com que estrangeiros e nacionais
a desconceituam, desairando-a como pobre de romances, pela sua incapacidade
inventiva - o que não só é malícia, mas até
aleivosia: resolvemos escrever romances em que figurassem muitas pessoas nossas
conhecidas, e outras, que viremos a conhecer no decurso desta meritória
tarefa.
Pelo que, a mim, humilde entre os humildes apóstolos desta ideia
lúcida, coube o quinhão de trabalho, que a posteridade me devolverá
em gabos e aplausos, e o futuro Plutarco dos homens ilustres desta freguesia
de Cedofeita, em que tenho a honra de morar, não deixará de consignar
fatos gloriosos.
Disse.
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